Marcelo Mirisola*
Para quem não me conhece, aqui vai a ficha: meu nome é Marcelo Mirisola, nasci na cidade de São Paulo ,em 1966, a mesma safra de Romário, Mike Tyson e Fernandinho Beira-Mar. Sou um cara bonito, meço 1m76, peso 75kg, e moro na Pça. Roosevelt, centro de São Paulo. Hoje é meu primeiro dia neste sítio. Além disso, não uso qualquer aditivo diferente do meu talento para chegar aos lugares – às vezes errados… – que planejo de antemão. Também não gosto de usar imagens para construir meus textos. Tampouco ouço música. Metáforas, rimas, álcool, maconha e trocadilhos jamais! Defendo a pena de morte em dois casos: pizza com borda recheada, e esfiha de frango com catupiry.
Igualmente repudio musas, delfos, gnomos e/ou qualquer outra bobagem que possa me distrair da Marisete, que é o meu gênio particular. Faço questão – até onde consigo – de manter as rédeas curtas. Quem manda aqui nesse terreno baldio (vou deixar bem claro), apesar da ciumeira da Marisete, sou eu. Além de ser meu gênio, Marisete é uma homenagem descarada a Nelson Rodrigues, ela é minha Cabra Vadia.
Nos meus livros as coisas sempre acabam em suicídio. Por que aqui seria diferente? Um vinho tinto, e a companhia de uma bela mulher póstuma – às vezes –, dependendo da qualidade do vinho, e da mulher a ser assassinada pela Marisete, pode ajudar… ou – o que é mais comum – costuma render uma ressaca braba.
Algo inusitado aconteceu quando o Sylvio Costa me convidou para escrever no Congresso em Foco. Coisa incomum. Pensei: finalmente sairei do banco de reservas, mas e agora? Agora que vou entrar na roda-viva novamente, qual a melhor maneira de falar o que tem de ser falado? Nunca havia pensado nisso: costumo dar a partida, engatar logo a segunda, e seguir a viagem, geralmente rumo ladeira abaixo.
Sempre usei o burburinho e a confusão para dar meus pitacos. Mas creio que agora essa tática(em termos extra-literários) não é mais eficiente. Num primeiro momento – no intervalo entre meu primeiro e segundo livro, quando ninguém me conhecia –,funcionou. Mas isso foi nos idos de 2000. Eu acreditava que misturar autor e narrador poderia ser um antídoto ou uma espécie de espelho envenenado contra o jogo, a teia … ou “contra o espetáculo”, vamos chamar assim. E foi! Por alguns anos serviu para fazer um contraponto. Confesso: me diverti um bocado.
O problema é que, nos últimos sete anos, autores brasileiros que não exigiam tanto esforço de compreensão (a palavra exata é: autores "simplórios") espocaram aos borbotões e, com relativa facilidade, foram engolidos e processados pelo “espetáculo”. Então fui descartado. Esse pessoal (ou gado) jamais ofereceu resistência. Eis a questão: por que fulaninho(a) se mete a escrever, se não é para resistir, dizer NÃO? Se é para arriar as calças… ora, vai ser mordomo dos irmãos Salles!
Para os autores-gado não há confronto: apenas celebração. Um dia festejam o muro que divide Israel da Palestina. No outro dia, estão trocando figurinhas em Paraty ou no Itaú Cultural.
O que teria acontecido? Tenho uma tese, é a seguinte: as platéias igualmente simplórias encontraram correspondência, acho que é isso. A partir daí sambistas, rappers e picaretas de todos os feitios & arrebites, deitaram e rolaram. Se quisesse podia estender a tese “das platéias toscas” ao surgimento de seitas “evangélicas” e aos consumidores de pizza com borda recheada… mas não vou abusar tanto do leitor logo na minha primeira crônica.
Eu dizia que o pensamento foi substituído pela performance. As aberrações entraram na ordem do dia; quanto mais estranho e excêntrico o produto-gado (tanto faz se for escritor ou pastor da Igreja do Evangelho do Final da Picada), mais e mais a platéia correspondia. A palavra de ordem, pois, é esta: interação.
Para que talento, né? Voltando especificamente ao mundinho literário: se você quiser se dar bem nos salões, basta interagir, e não contrariar os interesses dos departamentos jurídico e de marketing. Seja um bom menino, diga SIM, sempre. As viagens, hotéis, aplausos e traslados estão garantidos. Um dia algum figurão vai lembrar que você foi um excelente capacho, e se bobear, você ainda vai faturar um Jabuti, uma grana da Funarte … uma bolsa da Petrobras, enfim, qualquer merda dessas, por bom comportamento. Mas não esqueça: como bom cãozinho, você pode até dar suas rosnadas em momentos de distração, mas sobretudo interaja com o seu dono, e será devidamente recompensado e festejado. Au au.
Porque eu é que não vou interagir, e nem ganhar qualquer prêmio.
Apesar dos pesares, quer dizer, apesar de eu ser um pouco mesquinho, outro tanto rancoroso e um bocado rabugento, não queria, justo na primeira crônica aqui no Congresso em Foco, passar a imagem de um sujeito mesquinho, rancoroso e rabugento.
Não é só isso. Também sou um cara bem-educado. Cumprimento o porteiro do prédio todo dia. Aos domingos compro melancia na feira, e pago pastéis para os mendigos . Às vezes sou carola, e rezo o terço direitinho – e sob hipótese alguma uso camisinha, o Papa proibiu. Sabem por quê? Simples: o Santo Padre pensava no conforto do seu rebanho. O fato é que a Igreja está mudando, mas ninguém percebe: hoje em dia, neguinho não precisa ficar dependurado numa cruz, nem chupar bala com papel.
Quando não estou papando hóstia na missa das seis, vou mesmo é para a encruzilhada, despachar com o capeta. Mas o que realmente conta é que não aceitei participar deste sítio para ser um imparcial, nem tampouco para manter distância do objeto das minhas reflexões. Inclusive penso que – já disse isso várias vezes, e nunca vou cansar de repetir – o imparcial é um canalha.
Só para terminar. Voltando aos cães: sabem por que eles, os cãezinhos, lambem a própria genitália? Porque eles conseguem! Essa piadinha é uma singela referência à comissão brasileira que resolveu excluir o filme Tropa de elite do Oscar. Não que o Oscar seja grande coisa e, é claro, não quero dizer que lamber as próprias genitálias é a melhor solução para resolver o conflito agrário no país, nada disso, mas que Tropa de elite ia ganhar o Oscar, ah, ia sim. Fácil, fácil.
Na próxima semana, se a Marisete permitir, tem mais.
* Marcelo Mirisola, 41, é paulistano, autor de O herói devolvido, Bangalô, O azul do filho morto (os três pela Editora 34), Joana a contragosto (Record), entre outros. Publica em revistas, sites e jornais de todo país. No prelo, Proibidão (Editora Demônio Negro).
Deixe um comentário