O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso tem ganhado destaque ao defender uma nova política de regulamentação das drogas. Compartilho com as opiniões apresentadas por ele. Sei, entretanto, que não mudaremos leis e cultura em meses. Enquanto não logramos êxito, é preciso dizer que, hoje, no Brasil, temos mais de 130 mil pessoas presas em função do tráfico. Portanto, o sistema carcerário é um dos nós mais complicados a ser desatado se quisermos, de fato, aplicarmos políticas sérias de redução da violência e da criminalidade.
Atualmente, o Estado concentra forças na repressão ao crime. Isso aumenta a eficiência na prisão de pessoas em especial os jovens em situação de conflito com a lei. O Estado não investe, no entanto, na criação de portas de saída do sistema criminal/prisional. Se não criarmos alternativas, resta a esses presos a reincidência. Uma possível explicação para o desinteresse do Estado e da sociedade neste tema é a crença propagada sem muita reflexão que perpetua a ideia de que um criminoso será, para sempre, um criminoso. E que, portanto, não há a menor chance de mudarmos isso.
É chegado o momento, no entanto, de enfrentarmos esse senso comum. Ou, então, nos restará, apenas, a eterna contradição com a Constituição Federal, que não permite pena de morte ou de caráter conclusivo.
Uma parte da nossa sociedade já compreendeu a importância de se investir na construção de saídas para aqueles que desejam abandonar a vida do crime. Essa parte da população reconhece que a cadeia não chega nem perto de cumprir esse papel de reinserção e ressocialização. Ao contrário: em diversos casos percebe-se a corrente ideia de que cadeia é faculdade do crime, ou seja, é o lugar onde os presos aprendem a ser bandidos cada vez mais eficientes e acabam, assim, ascendendo hierarquicamente no universo do tráfico.
É fato que quem entra no sistema carcerário sairá um dia. Por isso, a inclusão de presos e as políticas de segurança precisam caminhar juntas. Pergunto, então: Qual porta de saída é construída pelo Estado para essas pessoas? Acompanhada pela equipe do Afroreggae, estive no complexo penitenciário de Bangu. Encontrei traficantes presos e dispostos a abandonarem o crime. Eles precisam de alternativas para tanto. E a atual estruturação do tráfico de drogas no Brasil não permite muitas alternativas: eles não podem cumprir a pena em regime semiaberto (como um ladrão qualquer, pois não são aceitos se voltarem para dormir); nas ruas, ou são executados pelas facções, ou pelas milícias, ou pelos rivais; podem ser, ainda, extorquidos por diferentes bandidos, ou, em última instância, pegam novamente em armas para sobreviverem.
Ouvi de todos que saída, pra mim, só em outro estado. Essa saída inexiste porque, em liberdade condicional, não podem sair dos seus estados. E, se puderem, qual emprego conseguirão? Defendo, nesse sentido, a implementação de políticas públicas para cada tipo de situação.
Empreendimentos muito interessantes, nesse sentido, são geridos pelo grupo Afroreggae. Nas comunidades, a prevenção ainda é a principal arma. E pode ser simples, como o Afroreggae faz em diversas oficinas em Vigário Geral e no Complexo do Alemão: informática, teatro, dança, estúdio… Já na cadeia, o grupo promove qualificação e emprego. Assim, com trabalho permanente e confiança na mudança, eles são responsáveis por mais de 1900 empregos diretos aos detentos. Destes, mais de 800 foram para jovens que, um dia, foram soldados intermediários do mundo do tráfico de drogas. Por fim, são responsáveis por criar e manter portas de saída para quem ocupa espaço de destaque na hierarquia do crime e quer deixar esse mundo. E, garanto, não há nenhum romantismo nisso. Há, sim, o pragmatismo de quem deseja viver.
Termino lembrando que alguns costumam dizer que quem trabalha pelos direitos humanos defende bandido. Para mim, um bandido que deixa o crime significa uma arma a menos na cabeça de um cidadão. Pragmaticamente, quero que cada um deles tenha a chance de mudar o rumo da sua vida. Assim, estaremos promovendo mais segurança. Vi de perto, com os militantes do Afroreggae, que isso pode funcionar. O que desejo, então, é ver o Estado brasileiro ocupando seu protagonismo nesse debate. Afinal, as UPPs são a retomada policial de parte do espaço público e o PRONASCI é a tentativa de garantir políticas públicas em comunidades. Resta uma questão simples e decisiva para o sucesso dessas iniciativas: o que fazemos com os presos quando deixarem as cadeias?
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