É um fato bem conhecido nas comunidades internacionais de Direitos Humanos que o Brasil atinge todas as metas de violação desses direitos, em todas as variedades e intensidades, em quase todos os estados. Destes estados, os mais críticos são o Rio de Janeiro e São Paulo, (sem esquecer Pernambuco, Bahia e outros), que constituem verdadeiros exemplos de “terror estadual”, uma variante provinciana do “terrorismo de Estado”. O caso do Rio é trágico por causa da mistura do tradicional democídio policial, com a ação de milícias mercenárias, com os matadores aluguel (incluindo traficantes) e, ainda, com o exército.
Embora um verdadeiro inferno, o Rio é menos atroz que São Paulo, que padece desde épocas imemoriais do domínio do mais paleolítico da elite brasileira, combinado com racismo, sadismo opusdeísta e com a ideia obsessiva de faxina social e étnica, estimulados pelos lucros bilionários das empreiteiras. Aliás, um grande colaborador do terror paulista é o silêncio, pois a população pobre vive na mais absoluta invisibilidade, e a mídia criminaliza a miséria e a vulnerabilidade de maneira exacerbada.
Por isso, o ataque ao Pinheirinho não é surpreendente, embora esteja entre as maiores brutalidades já praticadas nas Américas. Quando começaram a circular as notícias sobre espancamentos, feridas graves e desaparição de crianças, achei esquisito que não se relatassem casos de abuso sexual. Humilhações sexuais e estupro não apenas são uma prática habitual nos profissionais da violência, aplicada sempre sobre pessoas indefesas, mas, por outro lado, constituem catarses eficazes para a psicopatia de torturadores e jagunços. Como hoje em dia é bastante conhecido (embora a realização de pesquisas sobre o assunto seja obstruída até em alguns países democráticos), o sadismo armado possui sua maior raiz numa visão tortuosa da sexualidade.
De fundamental importância para este ponto é o site www.purpleberets.org, onde existe abundância de material com relatos de esposas de policiais e militares vítimas de seus maridos, e de mulheres policiais e militares abusadas por seus colegas. “Purple Berets” é uma referência irônica ao “boné verde”, usados pelos genocidas americanos conhecidos como “rangers” e à cor “roxa” que é símbolo do feminismo.
Não diminuo o papel de causa fundamental da voracidade imobiliária, mas deve ter-se em conta que só um grau muito avançado de perversão psicológica permite coisas como destruir material escolar, brinquedos de crianças, casas completas, e até matar os animais domésticos. O marquês de Sade teria um infarto se pudesse ver tais formas de sadismo.
A denúncia feita pelo senador Eduardo Suplicy na sexta feira (3) confirmou uma suspeita que muitos tínhamos. No entanto, a forma documentada, precisa e decidida com que Suplicy apresentou o relato no Senado é um componente precioso com o qual os organizadores de Audiência Pública de Alesp podem completar sua denúncia contras as cúpulas executiva, judicial e policial do estado. Aliás, este ponto é um dos mais explícitos do ESTATUTO DE ROMA, que mencionei em meu site A Luz Protegida. O material completo da atuação de Suplicy pode ser visto no excelente blog Viomundo, onde há uma reprografia dos depoimentos.
O governador manteve o hábito das autoridades de prometer “rigorosas investigações”. Ao mesmo tempo, o secretário de segurança e o comandante da PM qualificaram de “mentiras” as acusações de Suplicy. Mas o secretário foi além: ainda disse que os interesses de Suplicy eram “partidários” (Vide aqui e aqui). Suplicy é um dos poucos legisladores que jamais mostrou espírito corporativo, e sempre criticou implacavelmente qualquer erro de seu partido.
A PM mostrou-se melhor humorada. Repudiou as declarações de Suplicy e manteve o estilo típico de sarcasmo e bullying. Inclusive, seu comunicado afirma que “tudo aconteceu na madrugada do dia 23 de janeiro, no Campo dos Alemães, não em Pinheirinho”. O leitor pode ver num mapa que ambos distam menos de um quilômetro um de outro. Estão na mesma galáxia e atacados pela mesma polícia.
O que é esse “tudo”? Como sempre, a polícia afirmou ter encontrado armas e drogas. Não disse se o “tudo” incluiu estupro, mas o relato evidencia que a polícia conhece as pessoas que prestaram depoimento. A ironia foi maior ao se referir ao “silêncio” dos abusados durante todos esses dias, que não fizeram a denúncia de imediato. O comunicado parece indignado por essa “demora suspeita”, como se fosse natural que alguém denuncie seus algozes quando está ainda nas mãos deles. O comando geral deixa o toque mais sarcástico para o final (o grifo é meu):
“E fica o compromisso do comando geral, em respeito ao cidadão e dentro da transparência que nos é peculiar, de voltar a público para divulgar o resultado dessa apuração.”
Entretanto, a situação ganhou repercussão: mais de 500.000 sites em diversos países repudiam, com expressões de intensidade diversa, o que chamam de criminal eviction. Apesar da barbárie representada pelo governo do estado, grande parte de seu judiciário e sua macabra polícia, é óbvio que existem muitos agentes públicos honestos, e que eles estão sendo fortemente pressionados por políticos de exemplar têmpora, como Suplicy, Carlos Giannazi, Adriano Diogo e outros. É possível, então, que nem tudo fique escondido, embora, por enquanto (07/02), nada possa ser afirmado.
Os documentos disponibilizados pelos denunciantes do abuso evidenciam o bom critério de omitir os nomes das vítimas, mas é necessário ter em conta que eles são conhecidos pela polícia, e devem receber proteção federal. Suplicy se manifestou durante esta semana muito enfaticamente sobre essa necessidade.
Este fato deve fazer pensar aos parlamentares comprometidos com o caso, em estender a denúncia feita ao Conselho Nacional de Direitos Humanos das Nações Unidas, à Comissão Internacional de Direitos Humanos e também ao Tribunal Penal Internacional.
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