Da importância fundamental – estratégica e geopolítica – representada por Hugo Chávez na América Latina, respaldada pela massa da população de seu país e pelo petróleo venezuelano (o terceiro produtor mundial), infelizmente cortada com sua morte. Por mais que se especule, Chávez não deixa sucessores, apenas um vazio imenso e um futuro mais que nebuloso e sombrio, seja para a Venezuela seja para o continente.
Muito se escreveu a respeito quando de sua morte em 6 de março último, mas uma matéria de Greg Grandin, professor de História na New York University, publicada em The Nation nos dá algumas informações importantes e preciosas sobre o homem, o estadista. Um homem que, por si mesmo, constituiu um acontecimento geopolítico.
Amando-o ou odiando-o, impossível ignorá-lo.
Para Grandin, Chávez foi um homem-forte. Enchia as ruas, caçava a imprensa-empresa, legislou por decreto, dando pouca atenção ao sistema institucional de checks or balances. Mas o maior problema da Venezuela durante seus governos não foi que Chávez tenha sido demasiado autoritário, mas sim, pouco. O problema não era controle demais, mas controle de menos.
O chavismo chegou ao poder pelas urnas, depois do colapso quase total do establishment existente na Venezuela. Usufruiu de hegemonia retórica e eleitoral, mas não administrativa. Assim, teve de fazer concessões significativas aos blocos de poder existentes entre os militares, burocracia civil e educacional e, até, à elite política derrotada nas urnas – os quais, aliás, não manifestaram qualquer disposição para abrir mão de seus privilégios e prazeres ilícitos.
Passaram-se quase cinco anos, antes que o governo de Chávez conseguisse controle sobre a renda do petróleo, e só o conseguiu depois de longa luta, que por pouco não arruinou o país. Quando conseguiu acesso ao dinheiro, optou por não atacar aqueles bolsões de corrupção e poder; simplesmente, criou instituições paralelas, entre as quais as missiones – missões sociais de assistência à saúde, educação e outros serviços referentes ao bem-estar social. O que foi simultaneamente acerto e erro, segundo Grandin, bênção e maldição, origem da força e da fraqueza do chavismo.
Antes de Chávez, a disputa pelo poder de governo e recursos travava-se dentro dos limites estreitos de dois partidos políticos da elite. Depois da eleição de Chávez, o jockeying político acontecia dentro do chavismo. Em vez de constituir uma ditadura de um partido só, com uma burocracia de estado intervencionista controlando a vida das pessoas, o chavismo manteve-se bastante aberto e caótico.
Mas era significativamente mais inclusivo que o velho duopólio – com pelo menos cinco correntes: 1) uma nova classe bolivariana; 2) os velhos partidos esquerdistas; 3) as elites econômicas; 4) os interesses militares; 5) e os movimentos sociais.O dinheiro do petróleo deu a Chávez o luxo de poder atuar como ‘corretor’ entre essas tendências em disputa, permitindo que cada uma delas perseguisse os próprios interesses (às vezes, sem dúvida, seus próprios interesses ilícitos), evitando confrontos.
Citando textualmente o autor: “O ponto alto da agenda internacional de Chávez foi o relacionamento com Luiz Inácio Lula da Silva do Brasil, presidente latino-americano que a política exterior e os formadores de opinião nos EUA tentaram apresentar como ‘o contrário de Chávez’: onde Chávez era agressivo, Lula era moderado; onde Chávez era desafiador, Lula era pragmático. Nem o próprio Lula jamais engoliu tal nonsense, e saiu firmemente em defesa de Chávez, apoiando sua eleição.”
“Por bons oito anos, ambos trabalharam numa espécie de rotina de O Gordo e o Magro: Chávez fazia o destrambelhado; Lula, o homem sério. Mas um dependia do outro e ambos estavam extremamente conscientes dessa dependência. Chávez várias vezes destacou a importância da eleição de Lula no final de 2002, poucos meses depois da fracassada tentativa de golpe para depô-lo, eleição que lhe deu seu primeiro real aliado, de peso, numa região ainda dominada pelos neoliberais. Na via inversa, um Chávez desafiador tornou o reformismo de Lula mais confiável. Documentos revelados por Wikileaks mostram a extrema habilidade dos diplomatas de Lula, que gentil mas muito firmemente, rejeitaram todas as pressões do governo Bush para isolar a Venezuela.”
Esse jogo na corda bamba entre ambos apareceu claramente na Cúpula das Américas, reunida em 2005 na Argentina, onde os EUA contavam consumar definitivamente um projeto de desequilíbrio econômico, com vantagem para os EUA, consubstanciado num acordo hemisférico de Livre Comércio. Na sala de reuniões, Lula falava a Bush da hipocrisia de dar subsídios e tarifas protecionistas à agricultura privada; na rua, ao mesmo tempo, Chávez comandava uma manifestação de 40 mil pessoas, prometendo “enterrar” o acordo de livre comércio.
O tratado foi derrotado e, nos anos seguintes, Venezuela e Brasil, com outras nações latino-americanas, promoveram notável transformação nas relações hemisféricas, aproximando-se, mais do que nunca, do “equilíbrio universal” de Bolívar. Mas, com o afastamento de ambos da cena geopolítica, o futuro da América Latina tornou-se incerto, quando não, extremamente sombrio.
Para muitos, serão tempos de retrocesso.
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