Luiz Henrique Alochio*
O Espírito Santo viveu, nos últimos dias, as maiores enchentes da história do Estado. Foram afetados diretamente 48 municípios, com mais de 50 mil desabrigados e mais de duas dezenas de pessoas mortas. A questão é alarmante, levando em consideração que, além desses números trágicos, temos ainda o impacto econômico na reconstrução das cidades atingidas. Ao falar de reconstrução, precisamos considerar não só o aspecto de infraestrutura, mas o soerguimento das condições econômicas das localidades que tiveram prejuízos na agricultura, no comércio e na indústria.
É preciso aprender com essa e outras calamidades e encarar os chamados “desastres naturais” como um ponto essencial ao debate político. Não apenas um debate para momentos de emergência. Os juristas Délton Winter de Carvalho e Fernanda Damacena, autores do livro Direito dos Desastres, esclarecem que, durante décadas, acreditou-se que o Brasil fosse um país imune aos desastres e, em consequência, que o seu estudo fosse desnecessário para muitas áreas do conhecimento. Especialmente na doutrina jurídica brasileira, pouco se tem produzido sobre a regulação preventiva ou compensatória para os efeitos desses eventos.
Parece mais fácil culpar a natureza e o destino pelos desastres, mas a questão não é tão simples. Observados de perto os desastres e seus efeitos sociais, dá para ver as consequências se agravando em virtude de conjunturas proporcionadas por ações ou omissões humanas. As condições econômicas, o crescimento da população, as tendências migratórias, as violações ambientais e a ocupação do solo urbano sem planejamento são temas que merecem plena atenção. Tanto a atenção do legislador quanto a atenção do gestor de políticas públicas. E também dos entes capazes de atuar mediante a judicialização dessas políticas.
As normas jurídicas são prenhes de contribuições para a questão dos desastres. Basta que o produto “jurídico” seja apto a criar um ambiente de solução e não de mais complexidade e burocracia. O direito pode atuar na regulação da Defesa Civil, nas regras para prevenção e mitigação dos efeitos de eventos da natureza, nos sistemas de reconstrução, na regulação financeira e nas regras de contratações públicas em casos emergenciais.
No último dia 26 de dezembro, para apressar a liberação de verbas em casos de desastres, a Presidência da República acertadamente editou a Medida Provisória 631. São regras de desburocratização do envio de recursos a estados e municípios atingidos. Uma especial demonstração de atenção àquilo que se possa compreender como regras especiais do Direito dos Desastres. A MP 631 apressa também o regime de licitações, ao determinar a aplicação do Regime Diferenciado de Contratações (RDC) da Lei 12.462 aos contratos destinados à execução de ações de prevenção, de resposta e recuperação de áreas atingidas por desastres.
Em meio ao caos, milhares de brasileiros anônimos unem-se em solidariedade. Doam alimentos, roupas, água mineral e valores, atuam nos postos de coleta, cedem lugar em suas casas para abrigar amigos, parentes e até desconhecidos. Encarnam a frase “só o povo salva o povo”, cunhada por Dom João Batista da Mota e Albuquerque, então arcebispo de Vitória, quando das enchentes em 1979, que fustigaram Espírito Santo e Minas Gerais.
O amor ao próximo e a boa legislação podem, de fato, andar de mãos dadas.
*Luiz Henrique Alochio é doutor em Direito da Cidade e procurador do município de Vitória-ES
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