Sylvio Costa e Renaro Cardozo
A contabilização nacional dos bens declarados à Justiça eleitoral pelos 424 candidatos a governador e senador mostra em que regiões e partidos estão os concorrentes com maior patrimônio. Registrados por 29 partidos, eles declararam bens no montante total de R$ 1,264 bilhão. Mas essa cifra está distribuída de modo extremamente desigual.
Três candidatos concentram sozinhos 66,4% do total declarado pelos aspirantes ao governo e ao Senado no país. Seu patrimônio soma R$ 839,7 milhões, assim distribuídos: Ronaldo Cezar Coelho (PSDB-RJ), que disputa uma vaga de senador, R$ 492,6 milhões; João Lyra (PTB-AL), candidato a governador, R$ 235,6 milhões; Orestes Quércia (PMDB-SP), que tenta voltar ao governo estadual, R$ 111,5 milhões (veja a lista completa dos 15 mais ricos).
Em termos regionais, é flagrante a concentração dos bens no Sudeste. A região, que tem 21% do total dos candidatos ao governo e ao Senado no Brasil (87) e 44% dos eleitores brasileiros aptos para votar neste ano (54,9 milhões), responde sozinha por 56% do patrimônio dos aspirantes aos dois cargos nos 26 estados e no Distrito Federal.
Ficam no Sudeste os donos de mais de R$ 708 milhões. A totalização dos valores declarados na região dá uma média de bens por candidato de R$ 8,141 milhões, quase três vezes mais que a média nacional (R$ 2,9 milhões). Média, aliás, inflada pelos bens dos políticos do próprio Sudeste.
No outro extremo, a região Sul apresenta os candidatos que declararam menos posses. Com 13% do total de postulantes ao governo e ao Senado (56) e 15% do eleitorado nacional (19 milhões), ela abocanha só 3% do patrimônio declarado em todo o país (R$ 36,2 milhões). A média de bens por candidato é de R$ 647,5 mil.
Para as demais regiões, os números são os seguintes:
Nordeste – 33% dos candidatos (138), 29% do patrimônio total (R$ 369 milhões), 27% do eleitorado brasileiro (34,1 milhões) e média de bens por candidato de R$ 2,67 milhões (segunda mais alta).
Centro-Oeste – 13% dos candidatos (59), 6% do patrimônio total (R$ 78,7 milhões), 7% do eleitorado (8,8 milhões) e média de bens declarados por candidato de R$ 1,335 milhão.
Norte – 20% dos candidatos (84), 6% do patrimônio total (R$ 72,2 milhões), 7% do eleitorado (8,8 milhões) e média de R$ 859,7 mil (a segunda mais baixa).
Para acessar a soma dos bens dos 424 candidatos, por partido e região, clique aqui.
A distribuição das riquezas por partido
O levantamento também permite apontar os partidos com os concorrentes de maior patrimônio. Nesse aspecto, cinco partidos se destacam, seja na soma dos bens declarados, seja na média patrimonial dos candidatos inscritos: PSDB, PTB, PMDB, PPS e PFL.
Os 29 tucanos que disputam os cargos de governador e senador têm um patrimônio total de R$ 566,9 milhões. Em valores absolutos, é o partido com maior soma patrimonial. Na média de bens por candidato, no entanto, é superado pelo PTB. No caso do PSDB, a média é de R$ 19,5 milhões.
Com um patrimônio total de R$ 246,4 milhões e apenas quatro concorrentes ao governo e ao Senado, o PTB apresenta uma média de bens por candidato de R$ 61,6 milhões.
Em seguida, vêm o PMDB, com R$ 181 milhões e média de bens declarados por candidato de R$ 6,467 milhões; PPS, respectivamente, com R$ 57,6 milhões e R$ 6,406 milhões de média; e PFL, R$ 47,2 milhões e R$ 2,36 milhões (veja os números de todos os partidos).
Na lanterna, com a média mais baixa de bens por candidato, está o Partido da Causa Operária (PCO). A legenda inscreveu 27 pessoas para as eleições dos governo estaduais e Senado, que declararam no total um patrimônio de R$ 225,5 mil. Isto é, uma média de apenas R$ 8.351,85 por candidato.
Globalmente, o menor patrimônio é do PT do B, que registrou quatro candidatos, cujos bens declarados somam exatamente R$ 69.891,67.
Os demais lanterninhas, considerando a média de patrimônio por candidato, são o PTdoB, o PSTU, o PRB, o PMN, o PTN, o Psol, o PRP, o PSL e o PCB.
Vale levar em consideração o que afirma o cientista político Octaciano Nogueira. "O que faz um partido ser dos ricos ou dos pobres são as idéias e não a renda dos candidatos, a ideologia e as propostas partidárias são o que definem isso", ressalta ele.
Problemas nas declarações
Outra ressalva possível é que as informações prestadas pelos candidatos, como demonstramos em outras matérias desta série, às vezes apresentam falhas e omissões. Há anormalidades gritantes, como as verificadas nas declarações de bens dos senadores José Maranhão (PMDB-PB) e Roseana Sarney (PFL-MA), ambos candidatos ao governo. O primeiro atribuiu valor zero a cabeças de gado estimadas em R$ 14 milhões. A segunda não indicou o valor de 14 dos 15 bens que declarou.
Outros problemas são menos flagrantes. Vários candidatos simplesmente omitem bens ou optam por registrá-los em nome de parentes, reduzindo artificialmente seu patrimônio.
Não se pode dizer em qual dessas situações se enquadra o senador Tião Viana (PT-AC), candidato à reeleição, mas custa crer que os R$ 23,8 mil que ele declarou compreendam todo o patrimônio real de alguém que é médico e recebeu durante mais de sete anos o bom salário – atualmente, R$ 12,8 mil – e os excelentes benefícios indiretos garantidos aos senadores (verba de gabinete, passagens aéreas, apartamento funcional, assistência de saúde, pagamentos extras etc.).
Do valor declarado por Tião Viana, R$ 15,1 mil são depósitos em poupança mantidos em cadernetas que ele abriu para os três filhos e os R$ 8,7 mil restantes, recursos que o senador guarda no banco. Na lista, não consta nenhum imóvel, nem carro ou qualquer outro bem.
O ex-governador José Wilson Siqueira Campos (PSDB-TO), que tenta voltar ao governo do seu estado, disse à Justiça eleitoral que seu patrimônio não passa de R$ 431,8 mil. A apuração do Congresso em Foco verificou que a conta é duvidosa por duas razões básicas.
Em primeiro lugar, há subestimativa dos valores lançados. Um apartamento em Brasília, que na declaração dele aparece com o preço de R$ 105 mil, vale hoje no mercado imobiliário da capital federal quatro vezes mais. Em segundo lugar, porque ele próprio se traiu ao pedir seu registro como candidato à Justiça. Identificou-se como "empresário", mas não citou uma só empresa em que tenha participação societária.
A reportagem também verificou que os seis lotes que o senador José Sarney (PMDB-AP) possui no loteamento Ponta da Areia, em São Luís, valem no mínimo R$ 270 mil, nove vezes mais que os menos de R$ 30 mil declarados pelo ex-presidente.
Outro senador que disputa a reeleição, Alvaro Dias (PSDB-PR), atribuiu o valor total de R$ 668 mil a dois excelentes flats e dois apartamentos em Brasília. Consultas a corretores de imóveis mostraram que os quatro bens valem juntos no mínimo R$ 1,24 milhão, ou seja, quase o dobro do que foi declarado (leia mais).
"Sem-bens" chegam a 84
A omissão e a subestimativa de bens não são práticas exclusivas dos quatro grandes partidos. Nada menos que 84 candidatos a governador e senador disseram que não têm nenhum bem. Não listaram sequer valores em espécie ou depositados e aplicados em bancos. Agiram assim sete candidatos do Sul, dez da região Centro-Oeste, 15 do Norte, 20 do Sudeste e 32 do Nordeste.
Um deles é o candidato a senador Rodrigo Dantas (Psol-DF). Ouvido pelo Congresso em Foco, ele explicou: "Tenho um carro no nome da minha esposa, um apartamento que ganhei de herança do meu pai, mas que não está no meu nome. Tenho conta corrente, é lógico. Sou professor e ganho como todo assalariado em conta corrente, mas não é o suficiente para juntar poupança. Ganho o suficiente para pagar minhas contas e não dever a ninguém, e só. Mas ninguém precisa saber quanto vem no meu contracheque. Por isso, não vi necessidade de declarar tais valores".
Outro sem-bens na declaração entregue à Justiça é José Sampaio Sobrinho, que concorre pelo PCO ao governo do Amazonas: "Eu tenho conta corrente. Afinal, sou funcionário público, trabalho nos Correios. Eu não sabia que tinha de declarar isso. Mas se precisar, eu vou à Justiça eleitoral hoje mesmo e coloco isso. Eu achava que só tinha de declarar bens e isso eu realmente não tenho. Não tenho casa nem carro".
Há caso, também, de sobrevalorização de bens. Luiz Carlos da Rocha Novaes (PSDC-RJ), candidato a governador, declarou um patrimônio de R$ 19,1 milhões. A maior parte desse montante (R$ 15,099 milhões) corresponderia ao valor de uma cobertura na Avenida Beira Mar, na Praia do Morro, em Guarapari (ES). Profissionais do setor imobiliário consultados no local informaram que uma cobertura na região jamais ultrapassa a casa de R$ 5 milhões.
Não se pode esquecer ainda do senador Amir Lando (PMDB-RO), candidato ao governo estadual. Até a noite de ontem (quarta, 2), a declaração de bens do relator da CPI dos Sanguessugas não constava da base de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Procurada pela reportagem, a assessoria do senador disse que a declaração estava pronta e o senador havia esquecido de assinar.
Foi corrigido outro problema constatado pelo Congresso em Foco, a ausência do nome do senador Arthur Virgílio Neto (PSDB-AM), que disputa o governo do Amazonas, na lista dos candidatos a governador e senador do TSE. O pedido de registro da candidatura havia sido entregue ao Tribunal Regional Eleitoral (TRE) do Amazonas, mas houve erro na transmissão eletrônica dos dados ao TSE.
Aliás, o patrimônio de R$ 78,9 mil declarado pelo líder tucano no Senado também não parece muito para quem teve três mandatos de deputado federal e é senador há mais de três anos. Seu patrimônio declarado consiste basicamente de dois carros, uma BMW modelo 328, de 1996, avaliada em R$ 47,8 mil, e um Citroen C3 2005, de R$ 29,7 mil.
O advogado Joelson Barbosa Dias, especialista em direito eleitoral, diz que, de acordo com as regras em vigor, eventuais falhas na declaração podem colocar o candidato em dificuldades com a Receita Federal: "Se comprovado que o candidato apresentou valores errados ou omitiu bens, ele tem de comprovar que foi uma falha na entrega. Se não provar, primeiramente, ele tem de corrigir o erro, depois pagar uma multa e, dependendo do caso, responderá criminalmente pela falha, de acordo com as sanções da lei tributária e fiscal".
Joelson não vê necessidade de dotar a Justiça eleitoral de mais instrumentos legais para prevenir a prestação de informações falsas ou incompletas "pois a lei tributária e fiscal já responde por essas sanções". E destaca a importância da divulgação do patrimônio dos postulantes a cargos eletivos: "A lei é extremamente válida, por ajudar o poder público e o eleitorado a fiscalizar, verificando se o candidato eleito não teve um acréscimo absurdo no patrimônio durante o exercício do mandato".
Mapeamento com fins múltiplos
Até as eleições de 2004, quando foram eleitos prefeitos e vereadores, o TSE só centralizava a recepção e divulgação das declarações de bens dos candidatos a presidente e vice-presidente da República. Era extremamente difícil obter informações sobre os demais concorrentes.
Para ter acesso ao patrimônio dos parlamentares federais que se elegeram prefeito ou vice-prefeito no último pleito, por exemplo, o Congresso em Foco teve de fazer uma exaustiva pesquisa nos tribunais regionais eleitorais espalhados pelo Brasil (leia mais).
Nestas eleições, foi definitivamente implantado um novo programa de computador, o Candex, que possibilitou ao TSE receber por meio digital os bens declarados por todos os cerca de 20 mil brasileiros que pediram registro de candidatura. Antes usado apenas de forma experimental, o Candex permitiu agora ao TSE divulgar em seu portal na internet os bens declarados pelos candidatos a presidente, governador (incluindo nos dois casos os respectivos vices), senador (incluindo suplentes) e a deputado federal, estadual e distrital (este, eleito apenas no Distrito Federal).
A análise dessa massa de informações não é dificultada apenas por seu gigantismo. Os dados são publicados no site do TSE sem a totalização do patrimônio de cada concorrente e exatamente no formato entregue pelos candidatos. Assim, para avaliar os bens declarados pelos postulantes ao Senado e aos governos estaduais, o Congresso em Foco teve, antes de tudo, de corrigir erros de digitação e consultar candidatos para esclarecer problemas de preenchimento.
Outra tarefa foi a exclusão da análise das pessoas que já desistiram de participar da disputa eleitoral. Isso explica a diferença entre o número total de candidatos a governador da nossa listagem (424) e o da relação do TSE (441).
Únicos meios oficiais de avaliação do patrimônio pessoal dos políticos, as declarações de bens não servem somente para identificar os famosos "sinais exteriores de riqueza" ou fiscalizar eventuais casos de enriquecimento ilícito. Elas revelam a base econômica e social daqueles que tentam capturar o voto do eleitor, permitindo a este conhecer melhor os candidatos.
Nesse aspecto, não soam como mera coincidência os vínculos existentes entre as diversas regiões do país e a origem das fortunas dos candidatos mais ricos em cada uma delas: Sudeste – mercado financeiro e os setores de imóveis, comunicação e, com peso bem menor, agropecuária; Sul – prestação de serviços (terceirização de mão-de-obra e advocacia); Centro-Oeste – agropecuária e setor imobiliário; Norte – mineração e geração elétrica; Nordeste – agroindústria, com destaque para o setor de cana e açúcar.
As listas com os bens dos candidatos e a totalização do patrimônio de cada um, publicadas pelo Congresso em Foco nesta série de reportagens, fornecem um mapeamento que pode servir a múltiplos fins. Até mesmo para mostrar que presença os diversos partidos têm pelo país afora.
Curiosamente, o recém-criado Psol e o PSDC do candidato a presidente da República José Maria Eymael (SP) aparecem empatados como os partidos com maior número de concorrentes ao Senado e aos governos estaduais: 42.
São seguidos, de longe, pelo PSDB (29); pelo PT, PMDB e PDT (empatados com 28 candidatos a governador e senador, cada um); e por outro pequeno partido, o PCO (27).
Confirma-se, também, a coloração fortemente nordestina do PFL. Dos 20 concorrentes do partido ao governo ou ao Senado, dez disputam as eleições na região. Nas demais regiões, os candidatos pefelistas se restringem a quatro no Centro-Oeste, três no Norte, dois no Sudeste e apenas um no Sul, terra do presidente nacional da legenda, senador Jorge Bornhausen (SC).
Percebem-se ainda os sinais de encolhimento, ao menos na disputa majoritária, de três partidos da base aliada do governo Lula que foram atirados na lama pelo escândalo do mensalão. O outrora poderoso PP de Maluf e Severino Cavalcante não tem nenhum candidato ao governo ou ao Senado no Norte e no Nordeste. No Sul, tem três. Nas demais regiões, dois (um no Sudeste e outro no Centro-Oeste).
O PL de Valdemar Costa Neto (SP) apresentou três candidatos a governador e senador. O PTB de Roberto Jefferson (RJ), quatro, todos no Nordeste.
Vices milionários
Vale lembrar que o extenuante levantamento feito pelo Congresso em Foco deixou de fora os candidatos a vice-governador e a suplente de senador.
Estivessem eles no foco deste trabalho, pelo menos dois vices apareceriam entre os mais ricos. Um deles, Jorge Alberto Studart (PSDB-CE), que compõe a chapa do candidato à reeleição ao governo cearense, Lúcio Alcântara, tem um patrimônio maior que o de todos os postulantes aos cargos de governador e senador.
Grande empresário, com negócios concentrados na área agroindustrial (produção de fertilizantes), Studart declarou bens que somam R$ 519,9 milhões. Ou, para ser mais exato, R$ 519.925.682,27.
Outro que teria lugar certo na relação dos mais ricos seria o senador Paulo Octávio (PFL-DF), vice na chapa de José Roberto Arruda (PFL). Entre os seus bens, destacam-se as participações societárias no conglomerado que leva o seu nome, o grupo Paulo Octávio. Trata-se do maior complexo empresarial de construções e empreendimentos imobiliários do Distrito Federal. O patrimônio declarado pelo senador é de R$ 323.468.303,86.
Quanto aos candidatos a governador, um fato merece menção. Dois deles, ambos do Mato Grosso, disseram não ter concluído sequer o ensino fundamental; sabem apenas ler e escrever. São o comerciante Roberto Pereira, do Partido Humanista da Solidariedade (PHS), e o mecânico de manutenção Plauto Vieira (Gugu), do Partido Republicano Progressista (PRP). A grande maioria dos postulantes aos governos estaduais (74,5%) e ao Senado (69,3%) têm curso superior completo, demonstrou estudo realizado pelo TSE.
Deixe um comentário