O que está ocorrendo agora na Europa significa o assalto final aos resíduos do Estado de bem-estar do século XX, uma vez que a rede de seguridade social dos EUA foi desmantelada há muito. Segundo Michael Auerback e Rob Parenteau no portal Sin Permiso, a mensagem do G20 é: vamos acabar com o gasto público nacional destinado a sustentar o emprego da classe baixa. No ocidente, há 20% de postos de trabalho para a população em idade de trabalhar, e para o resto? Pobreza ao estilo sul-americano. É extraordinário que os eleitores do planeta sigam tolerando esse estado de coisas corrompido. Quanto melhor se sirva aos interesses dos banqueiros, tanto pior irá a economia, e carregada de dívidas. Os lucros dos banqueiros são comprados ao preço da austeridade. De maneira irresponsável e imoral, o Comunicado do G20 ratifica um estado de coisas que, se continuar assim, vai custar muito caro para todos.
Na UE, as elites políticas descobriram que as classes baixas já não importam politicamente e esse desinteresse está se estendendo agora para as classes médias. As pessoas comuns já não significam uma ameaça eleitoral porque 1) nenhum dos grandes partidos políticos na Europa ou nos EUA há anos representa seus interesses; 2) suas organizações (sindicatos) foram destruídas nos últimos 30 anos.
A crise atual é o meio ideal para que o FMI aplique na Europa as suas receitas ultraliberais impostas aos países em desenvolvimento no início dos anos 80. Desautorizado durante três décadas, o FMI volta ao centro do jogo político a partir do momento em que o G20 se responsabiliza pela gestão da crise, em 2008. O sul foi o primeiro campo de batalha, agora é a vez da Europa “se ajustar”. O FMI tem multiplicado empréstimos a alguns países europeus em dificuldades para pagar uma dívida pública inchada devido à desaceleração econômica e aos planos de salvamento de bancos, cuja desenfreada procura de lucros levou, justamente, a esta crise.
Para Pierre Charasse, de La Jornada, o público europeu não percebe que, com a entrada do FMI, os Estados Unidos agora têm direito de intervir na economia européia. Todas as decisões do FMI requerem necessariamente a aprovação do governo norte-americano. Na reforma dos direitos de voto no FMI, anunciada na última Cúpula do G20, os EUA conservam intacta a minoria de controle com 16% dos votos. Pediu-se à UE que reduzisse sua parte para que a cota de países emergentes aumentasse. O presidente Obama exerce plenamente o poder que lhe dá a nova arquitetura financeira internacional, ou seja, a governança mundial, exigindo da Grécia e de outros países europeus que baixem os salários de seus funcionários, reformem o regime de aposentadorias e diminuam os gastos públicos. E os europeus obedecem.
Com a crise financeira européia, aprofunda-se o domínio ianque da Europa. Com o Tratado de Lisboa, esta entregou sua defesa à Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), liquidando o velho sonho de uma defesa européia independente. E agora, com uma política financeira controlada pelo FMI, a UE renunciou a um pilar essencial de sua independência. Sem a defesa e a moeda, não lhe resta nada para afirmar sua independência dentro do bloco ocidental e frente ao resto do mundo.
Neste contexto, parece lógico que o euro se equipare ao dólar. Fala-se, nos círculos financeiros, de uma possível dolarização da zona do euro. Tecnicamente, ela interessa aos países industrializados da Europa, para recuperarem sua competitividade econômica, castigada na última década por um euro forte. Politicamente, interessa aos Estados Unidos eliminar uma moeda rival do dólar frente à China e demais países emergentes.
“Outro efeito da crise, os planos de ajuste estrutural, impostos como remédio, terão como conseqüência, a curto prazo, a tatcherização da Europa continental, ou seja, o fim do modelo social europeu”, afirma Pierre Charasse. Com a dolarização da UE vai se fechar um capítulo da história moderna aberto com a derrubada do campo socialista. “Para a corrente atlantista européia, atualmente majoritária, a desaparição da Europa como ator político e financeiro autônomo é o preço a pagar para que o Ocidente continue controlando o mundo frente aos países emergentes”, prossegue Charasse.
Para Flávio Aguiar, de Carta Maior, o Brasil passou, de repente, a ser uma pedra no sapato da União Européia. O reajuste de 7,7% aos aposentados vai na contramão de tudo o que está sendo programado e feito por lá: congelamentos de salário, limitação de pensões e aposentadorias, suspensão de subsídios destinados ao mercado da classe média e dos mais pobres, investimentos no pequeno e médio negócio. Essa é a amarga receita que está sendo enfiada goela abaixo dos países – leia-se: trabalhadores e aposentados – da UE.
Conhecemos a receita, fruto tanto do estouro do endividamento programado, como aconteceu na Ásia nos anos 90 e na América Latina no começo dos 80.
“Ou seja: a presença do Brasil, que já provocava admiração ao ser um dos países que melhor saiu da crise recente, agora provoca perplexidade, inveja e um certo ar de ressentimento, além de se ter tornado um ‘mau exemplo’”, diz Flávio Aguiar. O nosso país está se saindo bem exatamente por ter feito tudo ao contrário dessas receitas que há meio século se constituem a bula das finanças internacionais.
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