Manhattan, Broadway 799, esquina com a Rua 18, o prédio é antigo como
quase tudo nessa parte da cidade. O corredor é tortuoso, a escada de madeira já
foi gasta pelo tempo há muito tempo. O escritório fica no fim de um outro
corredor no segundo andar, é pequeno e entulhado de livros e pastas de arquivo.
É aí que se encontra o simpático e orgulhoso Moe Fishman, o secretário-executivo
da Brigada Abraham Lincoln.
A figura de Moe é acompanhada por um retrato
de Dolores Ibarruri, a “Pasionaria” da Guerra Civil Espanhola. Foi Dolores quem
um dia disse: “Los fascistas no pasarán” (em português: Os fascistas não
passarão).
A Guerra da Espanha foi o prólogo da Segunda Guerra Mundial. A
história do mundo passa pela Espanha em 1936. Cerca de 50.000 voluntários de 55
países (França, Alemanha, Polônia, Itália, EUA e Reino Unido, foram os
principais) se juntaram aos republicanos espanhóis para combater o fascismo do
general Franco, que teve como aliados nada menos que Hitler e
Mussolini.
Dos EUA partiram 2.800 homens que formaram a Brigada Abraham
Lincoln. Eram, na sua maioria, trabalhadores, filiados ou simpatizantes de
partidos ou agremiações de esquerda. O Partido Comunista foi o grande
arregimentador de voluntários.
Moe Fishman era um desses voluntários.
Filho de pai socialista e mãe “apolítica”, ele se juntou à liga dos jovens
comunistas quando ainda tinha 18 anos. O ano era 1934, período da Grande
Depressão. As condições de vida eram péssimas, e os partidos de esquerda faziam
sucesso na terra do Tio Sam. Em 1937, aos 21 anos, decidiu que seu lugar no
mundo era a Espanha em guerra. Contra a vontade dos pais, Moe embarcou para a
França junto com outros sete voluntários de Nova York. Na França já eram 20,
cruzou a fronteira com a Espanha e o contingente aumentou para 80.
As
razões que levaram Moe para a guerra foram o ódio ao fascismo e o perigo que
representava para o mundo uma vitória de Franco, Hitler e Mussolini, além, é
claro, do desejo de viver uma grande aventura. Viajar naquela época não era
possível para os pobres ou trabalhadores como ele. Se não conseguia nem sair de
NY, ir para a Europa, nem em sonho. E aos 21 anos as balas são para os outros,
nunca para você, diz Moe. Mas não foi bem o que aconteceu. Numa vila perto de
Madrid, na primeira vez em que Moe Fishman entrou em ação, foi ferido na perna
esquerda. Passou um ano no hospital se recuperando dos ferimentos. Foi tratado
como herói pela população civil e se apaixonou de vez pelo povo
espanhol.
Mas Moe estava certo em seu temor ao fascismo. A Guerra da
Espanha serviu de laboratório para novas armas de Hitler e para experimentar
novas técnicas de propaganda em massa. Mussolini mandou 47.000 homens para
ajudar Franco, além de armamento pesado. Aconteceu em Guernica o primeiro
bombardeio de uma população civil, obra da aviação alemã em abril de 1937.
Picasso registrou e denunciou o massacre na sua pintura mais famosa.
A
guerra civil espanhola atraiu artistas de todo o mundo. George Orwell foi um
deles. Eric Blair, seu nome verdadeiro, era socialista e se interessou desde o
começo pelo conflito. Em dezembro de 1936 chegou à Espanha como repórter, mas
logo trocou o bloco e a caneta pelo uniforme. Ou “multiforme”, como ele mesmo
disse, porque nenhuma farda era igual a outra. Foi atingido por um tiro no
pescoço, o que causou uma paralisia no lado esquerdo do corpo e perdeu,
temporariamente, a voz. Ele conseguiu escapar para a França e voltar para a
Inglaterra. Pagou seus tributos escrevendo “Lutando na Espanha (Homenagem à
Catalunha)”.
Ernest Hemingway foi outro repórter que andou pela Espanha.
Entre 1937 e 1938, passou oito meses cobrindo a guerra para jornais americanos.
Em 1940 publicou “Por quem os sinos dobram”, livro em que narra a historia de um
jovem idealista americano lutando contra o fascismo de Franco. Foi esse livro
que abriu as portas da fama para o escritor de “O velho e o mar”. Um dos mestres
do fotojornalismo, Robert Capa fez sua foto definitiva na Guerra da Espanha.
Andre Malraux foi mais um que se envolveu com a causa dos legalistas.
Moe
se lembra da guerra como uma experiência terrível. Os sons das batalhas, os
pedidos de socorro dos feridos. Cérebros explodindo ao seu lado, a fome, o
terror dos ataques e a sensação da morte, tudo isso faz da guerra uma lembrança
miserável.
Moe voltou para os EUA em 1938 e ainda teve que visitar os
hospitais por mais dois anos para recuperar a perna ferida. Os brigadistas que
retornaram para casa foram espionados e perseguidos pelo FBI e pelo governo.
Durante o período conhecido como Macartismo, logo após a Segunda Grande Guerra,
o cerco apertou. Os veteranos da Brigada Abraham Lincoln foram considerados
subversivos, faziam parte da ameaça vermelha que pairava sobre os EUA nas ondas
da guerra fria.
A Brigada se orgulha de ter sido a primeira unidade
militar americana a congregar negros e brancos. Um negro, Oliver Law, chegou a
ser um dos comandantes. Não voltou para contar sua história, morreu na Espanha,
assim como outros 800 americanos que embarcaram na causa
republicana.
Hoje ainda existem 70 brigadistas vivos e ativos. Nas
manifestações anti-guerra do Iraque em NY, eles fazem sucesso. Ganham aplausos e
beijos e são requisitados para fotos. Moe acredita que os republicanos lutaram a
guerra justa, a chamada “boa luta”. Já o Iraque é só uma disputa pelo petróleo.
É por isso que os EUA estão lutando lá, completa o brigadista.
Moe
Fishman, 89 anos, exibe um cansaço histórico de quem viu o mundo em guerra aos
21 anos de idade e continua vendo a mesma cena até hoje. Mas, se depender dele,
o grito de Dolores ainda está valendo: No pasarán!
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Autoria
Cláudio Versiani
Jornalista há mais de 30 anos, foi editor de Fotografia do Correio Braziliense e repórter fotográfico de Veja, IstoÉ e O Globo. Seu trabalho como fotógrafo já lhe rendeu vários prêmios nacionais e internacionais, como o Líbero Badaró, o Nikon Awards e o Abril de Fotojornalismo. Atualmente, é fotógrafo free lancer em Barcelona, onde co-edita a revista eletrônica sobre fotografia Pictura Pixel.
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