Márcia Denser
A pós-modernidade começou nos anos 60 com a revolução cubana, significando que, pela primeira vez na história, um evento periférico atingia a consciência desperta dos países centrais, tal o deslocamento de paradigmas que provocou à direita e à esquerda, sem contar os desdobramentos sociais que estimulou quanto às guerras de libertação nacional.
No Brasil, a pesquisa universitária, atendendo a um ideal da dialética, buscava a ligação viva e contraditória entre as contingências locais e o andamento global da história contemporânea. Citando Fernando Henrique Cardoso no livro Empresário industrial e desenvolvimento econômico, Roberto Schwarz demonstra que o trajeto em direção ao desenvolvimento não é o mesmo nos países desenvolvidos e subdesenvolvidos, embora os desenvolvidos nos sirvam de modelo.
O desenvolvimento dos periféricos corre em outros trilhos, encontra problemas diversos e é levado adiante por categorias sociais que também não são as mesmas, mas é no interior dessas diferenças que o "desenvolvimento" acontece. Razão pela qual, na crise de 64, quando o confronto interno daria chance a uma verdadeira revolução social e política, a classe dominante atalha as aspirações populares e sai pela brecha do subcapitalismo, que a nova configuração da economia internacional lhe abria.
Em síntese, o desenvolvimento dos países subdesenvolvidos não leva ao desenvolvimento senão em aparência, pois assim como repõe o seu travejamento social arcaico, o capitalismo global, em plena ação modernizante, também repõe a situação subdesenvolvida, que faz parte do travejamento arcaico da própria sociedade contemporânea cujo desenvolvimento, repetidamente protelado e frustrado, então vai para a casa do caralho.
Assinalo que no Brasil a implantação e desenvolvimento dos meios de comunicação de massa, rádio, televisão, computador, ocorre a despeito e de forma independente da integração e desenvolvimento da sociedade como um todo: mesmo sem comida na mesa e dentes na boca, neofavela é um mar de antenas parabólicas.
Assim como em 64, em 94 (ano em que Lula perde novamente as eleições, desta vez para FHC), a evolução geral do capitalismo desarma o confronto interno de conteúdo sociológico claro, dando chance à recondução do bloco do poder. O fator decisivo é a liberdade absurda e anti-social de que a classe dominante dispõe no país, fortalecida ainda mais por sua conexão com o mundo globalizado.
Em 94, ocorre também o genocídio de Ruanda, que só se tornou genocídio porque durante quatro longos meses os conflitos tribais assim evoluíram sob o olhar indiferente dum mundo globalizado. Afinal, quem se preocupa com Ruanda?
Em 2002, Lula finalmente é eleito presidente, mas as conseqüências das políticas neoliberalizantes, implantadas desde os anos 90, já se faziam sentir: em 2006, além das antenas parabólicas e aquém de Ruanda, agora os celulares interferem na guerrilha urbana, provocando o confronto entre dois grupos organizados e armados até os dentes, polícia e PCC, com uma população indefesa e acuada de permeio. Ruanda à parte, isto é definido como "barbárie secundária" pelos sociólogos alemães.
Entre alguns futuros possíveis, o Brasil tanto pode aceitar o desafio da integração social que logo à frente lhe acena o pós-neoliberalismo latino-americano no plano externo, e a reeleição de Lula, no interno, como negar totalmente esse caminho, resignando-se a disputar com Serra Leoa o primeiro lugar no ranking dos países com pior distribuição de renda no mundo.
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