Quem fica indiferente às luzes do Natal, aos fogos cortando a noite na virada do ano? Costumamos simbolizar nossa eterna busca de felicidade com o que ilumina. Queremos sempre luz na escuridão, claridade vencendo as sombras. Parte dessa ânsia de luz talvez venha da nossa ancestralidade: bichinhos frágeis, a escuridão da noite nos deixava ainda mais desamparados. Nem nas cavernas estávamos protegidos. Os sinais do alvorecer nos punham de pé. Domesticar o fogo garantiu nossa sobrevivência de sapiens.
Você já reparou que em todas as tradições religiosas, que buscam trazer o infinito à nossa finitude, a luz tem centralidade? Nossa existência, como pessoas e como sociedade, é uma constante batalha entre as sombras e a luz. Quando nascemos, apesar do quartinho escuro e aconchegante do ventre materno, há o júbilo por quem “veio à luz”.
Na religiosidade de matriz africana, a mais antiga, pois naquele continente está o berço da humanidade, o fogo congrega e comunica com o transcendente. No candomblé e na umbanda, os espíritos superiores são “de luz” e os trajes brancos favorecem a abertura de caminhos. Os judeus celebram sua “festa das luzes”, o Hanuká, relembrando a vitória do pequeno grupo dos macabeus sobre o poderoso exército do rei da Síria. A Menorah, seu símbolo maior, é um candelabro de sete hastes. No Corão, “Alá é a Luz dos céus e da terra” e um candeeiro com o óleo da oliveira, “árvore bendita”, faz o fogo brilhar ainda mais (grato por me explicar, Arnaldo Bloch).
O central no budismo é o exercício da elevação na direção da sabedoria, da iluminação. A luz da estrela de Belém conduziu os magos ao lugar perdido onde nasceu Jesus, cujo coração de adulto, na estampa tradicional, é adornado por uma chama. Sua ressurreição é celebrada com a “benção do fogo novo” e o círio pascal. O que se ingere em rituais indígenas de diversas etnias, vindo das plantas da floresta, ajuda a produzir visões, enxergar o que está além, ver o invisível, alcançar a plena lucidez. Até os drogaditos, em sua alucinação, querem a luz absoluta, ainda que efêmera.
Por isso, o desafio de sempre e atualíssimo é buscarmos a luz. “Luz, quero luz!”, clama o poeta na canção, mesmo sabendo que “além das cortinas são palcos azuis e infinitas cortinas com palcos atrás”. Procura vital que nunca terá fim. Estou entre os que creem que morte mesmo é a imersão indesejada nas trevas, na escuridão do nada, do não ser. O anúncio do profeta falando do nascimento de Cristo sempre me comove: “e o povo que vivia nas trevas viu uma grande luz!”. Até “século das luzes” e “iluminismo” já criamos, na secular luta contra o obscurantismo.
Há luz no nosso caminho quando nos abrimos ao outro, combatendo a sombra do egoísmo. Há luz na nossa estrada quando, na contramão do sistema de consumo e do mercado total, valorizamos mais o ser do que o ter. Há luz no nosso dia a dia quando deixamos de lado as mesquinharias e nos convertemos a valores como a solidariedade e a justiça, traduzindo-os em atitudes concretas. Há luz em nossa existência quando, mesmo diante da perda e da dor, encontramos força para seguir na viagem, alimentados pela fé – que é sempre um face-a-face no escuro. A luz do amor brilha em nós quando nos colocamos, uns com os outros, em marcha para superar preconceitos, dominações, todas as opressões. Afinal, como disse Maiakovski, “gente é pra brilhar: esse é o meu slogan. E o do sol também”. Mais um ano chegou: lúmen!
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