Como eu disse, e repito: “Publico em editora pequena, mas sou limpinho”. Aqui, um trecho de Hosana poluída, meu novo romance. Que deve ser lançado pela editora Barcarolla até o final desse ano. Em setembro deve sair O Cristo empalado pela editora Oito e Meio, o primeiro volume de uma coletânea das crônicas publicadas no Congresso em Foco ao longo dos últimos cinco anos. Talvez na próxima edição da Revista Cult (a se confirmar) seja publicado meu Obituário – texto inédito que abre o Cristo empalado e prova que, apesar da contrariedade de muitos concorrentes metidos a críticos e escritores, continuo vivo e produzindo os biscoitos mais finos da literatura brasileira.
Hosana Poluída:
“(…)
Três da tarde. Ariela tinha vinte minutos pradarumazinha e voltar correndo pro escritório. Armei uma recepção de filme pornô: abri a porta da suíte 63 e era ela mesma de óculos escuros. Enfiei o linguão em suas amídalas. Depois a joguei na cama e chupei sua buceta até o momento que o protocolo diz que o cavalheiro deve introduzir o pênis na vagina lubrificada de sua dama. Brochei, apesar de ter tomado meio comprimido de Viagra. Ela voltou ao trabalho feliz da vida, e prometeu reiniciar a sacanagem depois do expediente, às 19 horas.
Das 15h30 até as 19h, apaguei. Do lado errado do colchão, que afundou exatamente no ponto que os chineses chamam de nervo ciático. Quando Ariela apareceu, o lado esquerdo do meu corpo não existia. Mesmo assim, segui o protocolo dos Sábios do Rasputinha’s, puteiro vizinho do Biro’s Bar. Só não contava com os pesadelos. Tive vários mergulhado na retroxota de Ariela. Entrementes, ela recebeu uma ligação do maridinho e os dois combinaram de se encontrar na lanchonete da quadra, dali uma hora.
O jovem corno disputava uma partida de futebol de salão. Aos pesadelos, pois.
Vi Jeanne Hébuterne no desenho da vagina espichada de Ariela e também nas convulsões antes de ela gozar, e nos espasmos apaixonados idem e espichados ibidem. Chupei desesperadamente. Abri e fechei, fingi festa, debochei e assoprei língua-de-sogra como se Ariela fosse a quarta-feira de cinzas de Modigliani e a primeira parte do meu pesadelo: eu dentro dela vendo Jeanne suicida grávida de oito meses, então espargi e tratei de engolir tudo de volta, feito uma cânula de sucção.
A segunda parte consistia na folha corrida de Ariela. Ou na felicidade de uma menina de 17 anos grávida de um garoto de 17 anos: ele a resgata de um moquifo no Largo do Paissandu e a leva desacordada para a casa da mãe, em Guarulhos. A garota promíscua viciada em crack, agora, tinha teto, três refeições diárias, um filho no bucho e o amor de um príncipe encantado. Eu chupava o amor do príncipe e sentia um gosto amargo de sangue e chantagem, ela se contorcia de culpa e gozava agradecida na minha boca. Espargi e engoli, engoli e espargi. O celular tocou novamente. Ariela atendeu com requintes de crueldade e acionou o viva-voz, caprichou na mentira que já fazia parte da terceira parte do pesadelo; do outro lado da linha, o príncipe corno. Outra vez Gui, feliz da vida e credor dos piores pesadelos de Ariela. Ele a espancava porque antes de tudo era um príncipe e um ótimo pai e – eventualmente – descobria que a felicidade matrimonial dos dois não existia. Ela o traía porque antes de tudo ele era um príncipe e um ótimo pai. No meio desse moto-contínuo, o filho.
Ariela se penitenciava, e amassava minha cabeça com força entre suas coxas. O gaiato aqui trabalhava lá embaixo e garantia mais um orgasmo à ex-princesa do largo Paissandu. Nessas horas, o prosaico tem sabor de sangue e veneno. Uma pizza depois do futebol soçaite tem o poder de amolecer a língua de qualquer velho degenerado: não era meu caso, ou não devia ser. Explico. De alguma forma, fui induzido a acreditar que se tratava de uma baita de uma sacanagem chupar a princesa Ariela, porém, ao mesmo tempo, sorvia, lambia e fazia – muito bem, diga-se de passagem – o papel do velho degenerado. Ela, vinte anos mais nova, queria os dois – o corno e a cânula. Independentemente de quem traía e de quem era traído, naquele momento, por alguma conspiração sinistra do universo, irrompeu o quarto e derradeiro pesadelo; ou seja, era eu mesmo o sujeito de careca grisalha mergulhado no meio das pernas roliças de Ariela, engolindo e espargindo, espargindo e engolindo.
Não muito longe dali – depois de a princesa despedir-se com um “eu te amo” no viva-voz – Gui confraternizava com os amigos de faculdade. Uma espécie de esquenta pro baile de carnaval . O jovem e corno príncipe e os amigos bebiam cerveja, churrasqueavam e disputavam a melhor de três nas dependências da Free Ball Society Club – dá-lhe Gui!
Nunca tive o amor de uma ex-adolescente drogada, nem de uma mulher madura viciada em anfetaminas, amor nenhum que eu identificasse a ponto de querer terminar meus dias em Guarulhos. Não, garanto que não. Infelizmente não. Não terminaria meus dias nem feliz para sempre, e muito menos ao lado de uma princesa ninfomaníaca curada de uma dependência de crack na base da chantagem e da porrada. Inveja do Gui, o jovem corno que logo depois do futebol soçaite levaria a mulherzinha e o filho pra comer uma meia calabresa, meia muzzarela na pizzaria da Mamma, perto de casa. Não termina aí. Depois da pizza, tinha o grito de carnaval no Centro Cultural Adamastor. Iam todos pra lá.
Um lar em Guarulhos, ah, um lar em Guarulhos fode com as idéias de qualquer um.
Quando a gente cumpre a função de lambedor e estepe nem percebe, apenas quando ama é que o gosto amargo de sangue toma conta das gengivas, nessa hora pode ser tarde demais, voce pode ter engolido veneno além da conta. Da parte de Ariela, tudo aparentemente oquei. Da minha, um princípio de torcicolo. Era o sinal. Hora de meter. Brochei novamente. Nem tanto pelas assombrações que encontrei nas entranhas suculentas da adúltera, nem mesmo pelo ciático que apitava, mas aquela pizza depois do futebol soçaite, e o grito de carnaval no C. C. A , acabaram comigo.
Gui, o jovem corno, era o Príncipe, o Valete de Copas que se intrometia no meu carteado, ele sim a verdadeira ameaça, o pau que eu chupava por tabela.
(…) Traguei, suguei, espargi e ainda bem que deu tempo de ir ao banheiro e vomitar o sopão. Mas não aliviou. Eu não era Modigliani, Ariela não era Jeanne, e a gente não sofria as agruras do inverno de Paris em janeiro de 1920. Era bem pior: quinta-feira de carnaval em Guarulhos, e eu nem podia me mexer – tamanha a dor que começava a partir dos rins e subia e descia a espinha até fisgar a nuca e descer feito um tiro através da paleta esquerda … e de lá irradiar até o ponto onde jazia roto e esfarrapado aquilo que um dia chamei – ou chamaram – meu caráter.
—- Você tem um fosso dentro dos olhos – ela me disse.
Um fosso, eu sabia disso. Que vinha de longe, e advogava em causa própria. Que fazia Ariela enxergar poesia onde somente existia egoísmo, solidão e desespero. Eu sabia do fosso, e muito raramente conseguia ser sincero comigo mesmo, como dessa vez consegui: a enxotei do quarto de hotel. O próximo passo era chamar um táxi ou uma ambulância para me remover dali. Ou uma equipe de cinema para registrar mais um final bonito de uma história triste com direito a encontros, desencontros e despedidas irremediáveis. Optei pelo mais trivial, e liguei pro táxi.
(…)”
Bão, né? Em breve, Hosana poluída, nas melhores casas do ramo.
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