Os Atana – Capítulo Final
Seu Atana e Dona Suíça conheceram-se e se casaram em algum lugar do município de Chaves, no arquipélago do Marajó. Algum tempo depois foram morar na Ilha Caviana, na costa atlântica, onde veio ao mundo a metade da prole. Mais tarde, antes dos Capiberibe e dos Camarão, os Atana desembarcaram no Igarapé das Mulheres.
Ela se consumia com os filhos que nasciam um depois do outro, enquanto ele, nos tempos em que viveu no interior, pegava no pesado, revezando-se entre a roça e a pesca para garantir o sustento da família. Uma vez na capital, mudou de ramo, vida nova, nova profissão, de roceiro e pescador virou padeiro, construiu uma padaria artesanal nos fundo do quintal, onde passou o resto da vida mourejando com os filhos. Com exceção de Heitor, os demais seguiram o mesmo ofício do pai.
Entre lá e cá, o casal gerou quatorze filhos, dos quais dois viraram anjos antes de completar um ano. Vingaram doze: Jacinto, Vitor, Flora, Dalva, Zé Breca, Dico, Valdenor, Heitor, Binoca, Regina, Vera Lúcia e Maria Lúcia.
Vivos, dessa numerosa trupe, restam seis. A um deles, Binoca, que encontrei há poucos dias, perguntei: – quem dos irmãos foi mais longe nos estudos? – Eu, mas abandonei na terceira série do ginásio, que hoje corresponde à sétima do fundamental.
Alguns dias depois desse encontro liguei para Binoca que me repassou o telefone de Flora, com quem conversei longamente. Refrescou-me a memória, disse-me que seu pai sabia ler e escrever, mas sua mãe não, que Binoca estava quase certo, mas esquecera de Heitor, o único da família a concluir o segundo grau, o que lhe permitiu fazer carreira no Exército, de onde foi para a reserva como tenente.
Os meninos de Seu Atana abandonavam cedo a escola. Não era para menos, varavam a noite batendo massa na padaria do pai e, antes de o dia amanhecer, saíam pedalando uma bicicleta cargueira, entregando pão quentinho de porta em porta.
Gente do Igarapé: uma história comum com final diferente.
Dezinho e Raimunda, Manduquinha e Nenê, Atana e Suíça, atravessaram os anos envoltos num emaranhado de dúvidas e incertezas. Percorreram caminhos tortuosos, às vezes paralelos, cruzando-se eventualmente. Em condições semelhantes, cada família tocou a vida a seu jeito, arranjando-se com o que logravam conseguir, em alguns momentos vendendo o almoço para comprar a janta. Nesse cenário constituíram suas famílias, escreveram suas histórias com começo, meio, e continuidade na geração do presente e nas que estão por vir. As decisões tomadas para encarar os obstáculos que lhes surgiram ao longo da caminhada foram determinantes para diferenciar os resultados obtidos por cada núcleo familiar.
Sem sombra de dúvidas, o esforço de Raimunda, que considerava a escola um valor em si, contribuiu decisivamente para a relativa projeção dos Capiberibe – cujos descendentes, mesmo sem grande destaque financeiro, ocuparam e ocupam espaços importantes no cenário sócio-político do Estado do Amapá.
Os Camarão também fizeram da educação instrumento de transformação de suas vidas, e conseguiram. Os dez filhos concluíram o segundo grau. E mais: vários dentre eles alcançaram graduação superior. Todos obtiveram empregos estáveis que lhes garantiram a sobrevivência sem sobressaltos ao longo de suas existências. Uma trajetória de sucesso que aguça minha curiosidade em saber a quem da família atribuir os louros de tamanha vitória. A Manduquinha? A Nenê? Aos dois? Paciência… Infelizmente para essa questão não temos resposta, mas o importante é que o casal soube aplainar o caminho para a passagem dos filhos.
Os homens da família Atana, esforçados e dedicados ao trabalho, tiveram que abandonar os estudos muito cedo para ajudar o pai, cuja padaria exigia muita mão de obra. Não havia máquinas, todo o processo era manual. Enquanto não havia concorrência, o negócio, ainda que não fosse tão lucrativo, permitia o sustento da família. Mas, com o crescimento da cidade e da demanda, outros empreendimentos mais modernos foram surgindo, oferecendo qualidade e preços mais em conta, dificultando o negócio da família. Enquanto os homens se dedicavam ao trabalho, as mulheres, segundo os costumes da época, não trabalhavam, e nem mesmo lhes era exigido que estudassem. Cresciam na expectativa do casamento – o que em geral acontecia muito cedo.
Concluo na certeza de que os resultados diferentes obtidos pelas três famílias dessa história se devem ao grau de escolaridade e conhecimento alcançado por cada uma delas. Diferentemente dos Capiberibe e dos Camarão, o fato de não preencher esse quesito tributou os Atana com uma sobretaxa de incertezas, limitando sua ascensão econômica e social.
Obrigado!
Encerro esse capítulo agradecendo a todos e todas que embarcaram comigo nessa viagem pela linha do tempo, redesenhando paisagens, relembrando pessoas e acontecimentos que deram origem ao bairro do Igarapé das Mulheres – hoje, por influência da igreja católica, conhecido com Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
O Igarapé das Mulheres no tempo da lamparina
O Igarapé das Mulheres no tempo da lamparina II
O Igarapé das Mulheres no tempo da lamparina III
O Igarapé das Mulheres no tempo da lamparina IV
O Igarapé das Mulheres no tempo da lamparina V
O Igarapé das Mulheres no tempo da lamparina VI
O Igarapé das Mulheres no tempo da lamparina VII
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