Antonio Vital |
Só seis deputados participaram de um debate que levou um pouco do ar do século XXI à Câmara na tarde de segunda-feira (24). No plenário 13 do anexo 2, a Comissão de Ciência, Tecnologia, Comunicação e Informática discutiu propriedade intelectual e software livre. O que a maioria da população tem a ver com isso? Tudo. Softwares livres são programas de computador que vêm com seu código aberto. Ou seja, o usuário pode modificá-los de acordo com suas necessidades, sem ter que comprar um programa novo. Aliás, não precisa pagar pelo trabalho intelectual que permitiu sua criação, ao contrário do que ocorre com os produtos de determinada empresa que, de micro, só tem o nome. Pois o governo brasileiro, esse mesmo que apresenta facetas tão antigas quanto o Gordini quando o assunto é transparência ou criatividade para tratar de nossas mazelas, tem efetivamente se empenhado em enfrentar grandes corporações do setor, o primeiro passo para diminuir a gigantesca exclusão digital que nos assola. Só 10% dos brasileiros têm computador e estão conectados à internet. Os demais, ou não têm dinheiro para se conectar ou não têm a mínima idéia de como e por que fazê-lo. São 100 milhões de pessoas que não fazem down load, não participam de chats, não opinam em blogs, não baixam MP3, não recebem e-mails – e, em compensação, não são submetidas a pop ups. Sobretudo, não têm como acompanhar o mundo em que vivemos. Estão condenadas a permanecer à margem da economia e da cultura, a menos que se considere cultura programas estúpidos de TV ou músicas da moda impostas pelas gravadoras. Isso é só um lado do problema. O outro é econômico. A estratégia comercial das grandes empresas produtoras de softwares é tornar o usuário dependente de suas invenções. E o usuário, no caso, pode ser você ou o governo. Só os órgãos públicos brasileiros gastam R$ 80 milhões por ano com programas básicos e R$ 250 milhões com licenças. Ao todo, os usuários brasileiros pagam às empresas americanas US$ 1,1 bilhão, anualmente, pelo uso das licenças. Então, é claro que essas megaempresas não estão gostando nada dessa história de software livre, cujo melhor exemplo é o sistema Linux, aquele que tem um pingüim desenhado. O que se discutiu na Câmara, na presença de seis deputados, foi justamente como dar um caráter legal a essa situação, já que os melhores e mais bem pagos advogados do mundo foram contratados por essas empresas para processar quem desrespeitar suas patentes ou copiar seus programas. E não existe consenso nem um ordenamento jurídico internacional sobre o asSunto. A advogada inglesa Maureen O’Sullivan, professora da Faculdade de Direito da University of the West of England, esteve lá. Uma das mais importantes militantes do software livre, ela disse, em outras palavras, que o sistema legal que protege a propriedade intelectual dos fabricantes de programas foi produto de forte lobby das megaempresas. "As leis de propriedade intelectual dos softwares foram escritas pelas grandes corporações e impostas de cima para baixo", disse. Isso não deve ter soado estranho em uma casa que fabrica leis, atividade que alguém já comparou à de fazer salsichas. No caso dos softwares, o Brasil está entrando em uma área nebulosa do direito internacional, em que se discute se esse tipo de produto pode ser patenteado – ou seja, se é o caso de dar o monopólio sobre seu uso para quem o inventou. Há uma forte pressão dos Estados Unidos nesse sentido em todas as grandes negociações internacionais que o Brasil trava atualmente, da Alca à Organização Mundial do Comércio. Os militantes do software livre, que travam uma quase guerrilha mundo afora na defesa da causa, argumentam que não, que não se pode patentear algo que não foi fruto de um grande investimento por parte de ninguém, mas produto apenas de esforço intelectual que não justificaria tal monopólio. É diferente do que ocorre, por exemplo, na indústria farmacêutica, setor que investe milhões de dólares em pesquisas para desenvolver determinado medicamento só porque tem a garantia de que terá exclusividade sobre o produto e sua comercialização. Mas até mesmo os grandes laboratórios já foram obrigados a se render a pressões que vieram "de baixo para cima". Uma tragédia social, a epidemia de Aids na África e nos países do Terceiro Mundo, permitiu a quebra da patente de remédios contra a doença, única maneira de os pobres se tratarem. Os poucos parlamentares que estão atentos ao mundo contemporâneo e participaram do debate na Câmara saíram de lá com uma pergunta na cabeça: será que 100 milhões de pessoas excluídas do mundo globalizado não são, também, uma tragédia social? O grande desafio da democratização da informação, hoje, está no aspecto jurídico e não no tecnológico. É uma discussão mais complexa que a de saber se vai haver ou não reeleição nas mesas da Câmara e do Senado. Mas o debate sobre o tema, por enquanto, envolve poucos interessados no Congresso. |
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