José Rodrigues Filho *
Segundo a imprensa, o ministro Francisco Fausto, do Tribunal Superior do Trabalho (TST), afirmou ter sido vítima de estelionato eleitoral, referindo-se à eleição do presidente Lula. Boa parte da população brasileira, principalmente a classe média, parece também admitir esse fato.
A política econômica de um governo de esquerda, orientada para bajular o mundo financeiro, desmantelar a organização sindical do país e surrupiar a classe média, foi suficiente para se tentar desmoralizar o pensamento de esquerda neste país.
Com razão, a sociedade hoje afirma não haver mais diferença entre esquerda e direita. Contudo, é preciso esclarecer por que razão isso aconteceu. Nos últimos anos, boa parte da esquerda mudou totalmente o seu discurso e suas elaborações teóricas, antes em defesa dos trabalhadores. Em resumo, essa parte da esquerda abandonou a política de classe, defendida pelo marxismo clássico. Ou seja, o que importa não é mais a defesa da classe dos trabalhadores, mas a construção de elites partidárias, razão pela qual os partidos de esquerda deixaram de ser partidos de massas para se tornarem partidos de elites, dominados apenas pela cúpula partidária.
Nesse caso, não há diferença entre o discurso da direita e da esquerda dominante. O objetivo é o mesmo: chegar ao poder a todo o custo. Contudo, é preciso esclarecer que existem na esquerda, nos dias de hoje, três segmentos diferentes. Um deles é a maioria dominante, mascarada de esquerda, que sempre se aproveitou das oportunidades para chegar ao poder a todo o custo.
O segundo grupo é constituído dos que sempre defenderam a chamada democracia radical, cobrando princípios éticos, principalmente na construção partidária, e sempre acreditando num maior envolvimento da sociedade nas decisões políticas. Esse grupo defende os trabalhadores, mas não pela luta de classes, mas pela ampliação da democracia. O terceiro grupo, o menor de todos, ainda segue defendendo a luta de classes, com base no marxismo clássico.
No Brasil, ao chegar ao poder, a maioria dominante mascarada de esquerda começa a perseguir, dentro dos partidos políticos de esquerda, os grupos minoritários. É nesse grupo dominante que se encontra a esquerda mafiosa que foi capaz de construir a maior máquina de corrupção já registrada neste país, cuja ponta do iceberg já é conhecida. A verdadeira esquerda tem seus ideais, defende princípios éticos e democráticos e deve continuar lutando para expurgar essa esquerda mafiosa do comando dos destinos do país.
A política econômica adotada por esse grupo de esquerda foi mais perversa que a do governo Fernando Henrique, que adotou um liberalismo de práticas selvagens. A única diferença entre o governo de esquerda e de Fernando Henrique foi que neste foram acentuadas as práticas da "nova administração pública", ou gerencialismo, que significa a adoção de práticas gerenciais do setor privado aplicadas ao setor público. Ele incluiu um duvidoso processo de privatizações.
Talvez o único mérito do lulismo tenha sido o de barrar o discurso gerencialista na gestão pública no Brasil, a exemplo do que vem acontecendo nos países desenvolvidos, que criaram tal modelo desastroso. Depois de quase 20 anos, eles começaram a rever e até reverter desastrosas políticas de privatização, surgidas com as práticas da "nova administração pública". Aliás, considera-se que o discurso do gerencialismo já morreu nos países europeus, na Inglaterra e nos Estados Unidos.
A Inglaterra privatizou sua rede ferroviária. Depois de algum tempo, com a falência das empresas privadas, que não conseguiram gerenciar o setor, voltou atrás, estatizando-a novamente. Os Estados Unidos, que haviam privatizado os serviços de aeroportos, recuaram e devolveram esses serviços para o Estado após o 11 de setembro.
Portanto, são vários os exemplos de que o gerencialismo significou a desagregação do setor público, associada a uma competição desastrosa. Hoje, acredita-se que o gerencialismo já morreu e o único caminho rumo a mudanças benéficas deve ser alcançado por meio da utilização das tecnologias de informação. O discurso de Alckmin é dúbio pelo fato de que ora o candidato parece apresentar uma agenda do discurso gerencialista, ora parece apontar mudanças com a introdução das tecnologias de informação.
Aliás, é o único candidato que dá um bom exemplo da utilização de tecnologias de informação no setor de compras do estado de São Paulo. Alckmin afirma que o governo de São Paulo economizou alguns milhões com as compras eletrônicas. Similarmente, o governo da Inglaterra está também economizando alguns bilhões de libras por intermédio de compras eletrônicas. Esses são bons exemplos da utilização das tecnologias de informação provocando mudanças benéficas para a sociedade.
É preciso compreender que as tecnologias de informação podem, também, causar sérios danos. É o que vem acontecendo no âmbito do governo federal na área de saúde. Gastam-se mais com o cartão de saúde, os chamados smart cards, do que com muitos programas sociais, muito mais benéficos para a sociedade brasileira. Em geral, pessoas da população mais pobre detêm um cartão eletrônico de saúde, mas não têm acesso aos serviços de saúde. Em resumo, os vendedores de tecnologia ganham dinheiro às custas da miséria dos pobres deste país.
Neste sentido, o candidato Alckmin tenta, de um lado, demonstrar que o seu governo será centrado em mudanças causadas pelas novas tecnologias de informação, se utilizadas de forma apropriada. Mas, por outro lado, não demonstra se desvincular do discurso da "nova administração pública", que dominou o governo Fernando Henrique.
O candidato tem que demonstrar, principalmente para os servidores públicos deste país, que o seu governo não será de desagregação do setor público, mas de reintegração, baseada numa visão holística das necessidades humanas, o que pode ser alcançado pela digitalização da governança. Se o seu governo for para as pessoas, como diz, a reintegração de serviços para atender às necessidades humanas deveria ser o foco de seu discurso. A exemplo dos países desenvolvidos, este país poderá, também, dar sinais de entrar na era da governança digitalizada, criando as condições para a transparência, eliminando a corrupção, investindo em educação e eliminando a pobreza.
Há quem diga que a social-democracia trouxe mais benefícios para os trabalhadores do que a esquerda mafiosa. O candidato Alckmin não consegue explorar esse fato para conquistar boa parte da esquerda para o seu lado. Se suas propostas de social-democracia estiverem baseadas no modelo desastroso do governo FHC, tudo será desastroso. Aliás, países que adotam a social-democracia sempre resistiram ao modelo do gerencialismo, tendo alcançado muita prosperidade. Querer privatizar isso ou aquilo, sem observar o que está acontecendo nos países que adotaram tais práticas, é suicídio, além de ser uma forma de desagregar o setor público.
O lulismo atacou a classe média para beneficiar a classe pobre, tirando direitos dos aposentados, enquanto o lucro dos bancos continua exorbitante com a atual política econômica. Assim sendo, a tentativa de querer aumentar o volume de esmolas para os miseráveis deste país, às custas da classe média, é inaceitável. A riqueza deste país está concentrada nas mãos de uma minoria muita rica e não nas mãos de uma classe média já bastante sacrificada. Paradoxalmente, foi essa classe média a grande responsável pela eleição de um governo de esquerda no Brasil. Mas ninguém vai esquecer, nunca mais, o que representou um governo de esquerda. O momento é de reflexão e apreensão, mas todos são unânimes em dizer: esquerda mafiosa nunca mais.
* José Rodrigues Filho, ex-pesquisador nas universidades de Harvard e Johns Hopkins, é professor da Universidade Federal da Paraíba, onde realiza pesquisas na área de governo eletrônico.
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