O futuro do projeto de lei enviado pelo governo ao Congresso no mês passado, propondo uma forma de contratar servidores públicos sem estabilidade de emprego (veja íntegra), virou uma incógnita. Ele foi abalroado pela liminar concedida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no último dia 2.
O Supremo resolveu suspender, por oito votos a três, a vigência de um artigo da Emenda Constitucional 19, de 1998, que eliminava a exigência do regime jurídico único (RJU) e dos planos de carreira para o funcionalismo. Segundo o STF, o tal artigo não pode prevalecer porque não teve a aprovação mínima exigida pela Constituição, de três quintos dos deputados federais, no primeiro turno da votação na Câmara.
Deputados ouvidos pelo Congresso em Foco acreditam que a decisão inviabiliza o projeto elaborado pelo Executivo, que flexibiliza as relações trabalhistas em nove áreas da administração federal. De acordo com o Ministério do Planejamento, os servidores seriam admitidos por concurso público. Mas eles deixariam de ter a estabilidade hoje assegurada pelo RJU. Na avaliação dos parlamentares, porém, o governo só poderá tratar do assunto agora por meio de proposta de emenda constitucional (PEC), que requer o apoio de pelo menos 308 dos 513 deputados e de 49 dos 81 senadores, em dois turnos de votação.
Já o governo argumenta que a decisão não altera em nada a intenção de criar as fundações públicas de direito privado, idéia que é defendida pelo Executivo desde o mandato de Fernando Henrique. Para a Advocacia Geral da União (AGU), a liminar do STF não prejudica a tramitação do projeto, que pode ser aprovado pela maioria simples dos parlamentares presentes no plenário. “Ele simplesmente descreve em quais áreas devem ser criadas fundações e não como serão feitas as mudanças”, disse ao Congresso em Foco o ministro José Antônio Toffoli, advogado-geral da União.
Pressões do PT
O grande defensor do projeto enviado pelo Executivo ao Congresso no último dia 11 de julho é o ministro da Saúde, José Temporão. Toffoli afirma que, caso o texto seja aprovado, o governo ainda terá de propor novo projeto de lei, a ser preparado com base na discussão com os ministérios interessados, estabelecendo regras para a constituição das fundações e a contratação dos servidores.
Ele ressalva ainda que a decisão do Supremo foi baseada no artigo 39 da Constituição, enquanto a proposta do governo é baseada em outro (37). “Esperamos que o STF reverta, mas se isso não acontecer, o projeto segue sua tramitação normalmente”, acrescenta Toffoli. O Supremo não tem previsão de quando vai julgar o mérito da ação.
Por ironia do destino, foi uma ação apresentada por três partidos hoje governistas (PT, PDT e PCdoB), em 2000, que levou o STF a manter o regime jurídico único, inviabilizando a contratação de funcionários públicos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), como pretendia o governo petista. O modelo de admissão pela CLT estava em vigor desde 1998, quando foi realizada a reforma administrativa durante o governo FHC (1995/2002).
Agora, pressionados principalmente pelos sindicatos dos servidores públicos federais, deputados do próprio PT e da base aliada exigem do governo mudanças no texto para apoiar a proposta. Ou seja: trata-se de um assunto, entre outros tantos, no qual a maioria dos petistas e a tecnocracia do governo Lula não falam a mesma língua.
“Empacou”
Para os deputados governistas Flávio Dino (PCdoB-MA) e Márcio França (PSB-SP), o projeto do governo “empacou” depois da decisão do STF. “Como será necessário alterar a Constituição, a mudança terá que ser feita por meio de uma proposta de emenda constitucional”, diz Flávio Dino. Márcio França, líder do PSB na Câmara, brinca com o fato de uma representação do PT, ingressada anos atrás, ter “atrapalhado” um projeto do governo petista: “Nada como um dia após o outro”.
Deputados do PT, partido que sempre se posicionou contra mudanças nas relações trabalhistas dos servidores públicos, admitem que o projeto precisa de alterações, que devem ocorrer na Câmara, onde o projeto já se encontra. “Nós vamos mudar, não pode ficar do jeito que está. Ele está cheio de erros, tem muitos problemas”, pensa o deputado Cândido Vaccarezza (PT-SP), sem especificar quais são os principais equívocos do texto. Segundo ele, há muitas queixas de integrantes de sindicatos e movimentos sociais em relação à proposta.
É o que expressa o presidente do Sindicato dos Servidores do Legislativo (Sindilegis), Magno Mello. No seu entender, o projeto do governo representa uma ameaça para os servidores públicos. “Para que se ocorra uma mudança efetiva, só por meio de uma proposta de emenda constitucional”, diz. “Se aprovado, seu efeito será totalmente nulo”, complementa.
Já o deputado Miro Teixeira (RJ), líder do PDT – um dos partidos que entraram com a representação em 2000 –, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara deve sanar eventuais dúvidas sobre a constitucionalidade do projeto de lei. Na avaliação dele, a decisão do STF não condiciona a aprovação das novas regras a uma mudança na Constituição. “A previsão de fundações é constitucional”, defende. “Isso pode ser alterado no Congresso”.
“Uma grande dúvida”
A oposição não é contra o projeto, o que pode ajudar na sua tramitação e aprovação. Há, contudo, críticas pontuais, como a do líder do PSDB, deputado Antônio Carlos Pannunzio (SP), que alerta para o fato de o governo não ter deixado claro como se darão as contratações. O temor, diz ele, é de haver um aparelhamento do Estado em um nível ainda maior do que o atual.
Mesmo temor tem Rafael Guerra (PSDB-MG), presidente da Frente Parlamentar da Saúde, uma das áreas mais visadas pelo projeto. Segundo Rafael, é preciso “descentralizar” o serviço de saúde para os estados e municípios, e não criar fundações, como quer o governo, para serem administrados pelo governo federal. &ldqu
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