Conheci um cãozinho, Bob, que envia e recebe emails. Sua dona jura que sim, e disse que a caixa de entrada do Bob está sempre cheia. Às vezes, ela mesma tem de responder aos emails do “filhão”, tamanho o assédio internético da cachorrada. Imagino os compromissos e as coisas que passam na cabeça dele, e dela. Além de responder emails, Bob anda de skate e toca piano. Um gênio da raça, a dona garante que sim.
Pensei: esse cãozinho ainda vai ser entrevistado pela Ana Maria Braga, e cheguei a uma conclusão definitiva e incontestável: Bob é um gênio porque atende às expectativas da dona, deve ser o Einstein do Pet Shop.
A partir daí dei uns tratos à bola. O segredo do graal é simples: atenda–se às expectativas. Tudo é uma questão de correspondência, e não de valor. Sob esse ponto de vista, para a grande maioria da população brasileira, Lula é um Abraham Lincoln. Quem se atreve a dizer que não? A expectativa foi correspondida e, embora não seja uma verdade necessária, também não é uma mentira incontrolável: trata-se de um fato perfeito e acabado. O contrário disso é burrice.
Assim, fica fácil de entender por que os meganhas do bispo Edir curam paralíticos. É simples! Porque eles efetivamente fazem milagres. Sasha é filha da Xuxa, a banda Calypso é uma revolução estética e – para as necessidades da Ilustrada – Caetano Veloso é o maior pensador da língua portuguesa desde o padre Antônio Vieira. O que mais? Ah, claro. Obama vai salvar o mundo porque é negão e deve ter o pau grande. Alguém vai contestar?
Entrementes também posso ser arbitrário e fazer minhas escolhas. Ninguém tem nada com isso. O Papa Bento XVI não vai canonizar Pio XII, então? Cada um no seu quadrado. Conheço uma garota chamada Cacá Lopes. Para mim, ela é a inteligência mais rápida do Rio de Janeiro. E esse gatilho rápido transcende a voz do Tim Maia que vai do Leme ao Pontal; garota tijucana, importada de Vila Isabel, às vezes, dá uma canja e passeia comigo no calçadão de Copacabana. Ela tem olhos de cais que não fazem questão de esconder a melancolia das despedidas, e – embora faça aniversário no dia de Iemanjá – não gosta do mar.
Eu, paulistano deslumbrado com o canto das sereias (ah, as falecidas ancas de Clara Nunes…), iodo e o sargaço, não entendo essa garota. Apenas tento acompanhar o seu raciocínio e as suas despedidas. Cacá é testemunha que Bob existe.
Mas vamos ao que interessa. Como eu dizia, minha querida Cacá é uma garota que pensa mais rápido do que muito marmanjo metido a sabichão por aí. Para mim, pensar é o oposto do que faz o Caetano Veloso, e não tem nada a ver com expectativas correspondidas. Um negócio até simplório: basta juntar alhos com bugalhos para chegar a qualquer lugar diferente da banda Calypso, geralmente chega-se a uma conclusão brilhante e divertida. Isso sempre funcionou com Mencken, Bierce, Shaw e com o Brecão**.
E é assim, resumidamente, que eu e Cacá flanamos pelo Rio de Janeiro: chutando poodles, tirando da cara dos outros, ouvindo as conversas nas mesas vizinhas ( essa é a melhor parte) e, quase sempre, chegando a conclusões brilhantes e divertidas, mais ela do que eu – que prefiro apenas olhar o oceano enquanto não estou falando um monte de besteiras.
Naquela manhã, as sereias e o mar encapelado urgiam. Estávamos a caminho do Forte de Copacabana. Pra variar, Cacá – contrariada com o canto brega das minhas sereias – chutava pombos e evidentemente implicava com a paisagem. Eu ainda estava traumatizado com a visão que tivera no dia anterior, quando cruzei com um Nelson Motta velho e barrigudo. Quase mando um email pro Bob: “Oi, Bob, au au: como é que o cara que produziu Tim Maia pôde inventar Lulu Santos e Marisa Monte?”
Enfim, pensava na decadência da espécie humana e da espécie canina, quando – sub-repticiamente – Cacá atingiu o alvo em cheio: “O que essa Tartaruga Ninja tá fazendo aqui?”
Sacanagem que fizeram com Dorival Caymmi. O baiano virou Tartatuga Ninja. Está lá, defronte à colônia de pescadores, eternizado no Posto 6. Logo ele, o homem que escreveu que “é doce morrer no mar” – diferentemente de Drummond – além de pagar mico de Tartaruga Ninja, não tem nem um tiquinho de mar que sirva de fundo para uma fotografia besta e inocente. No lugar da paisagem, uma tenda ridícula chamada Orla Digital. Assim não dá. Nem Bob vai mandar emails pra ele. Nem eu vou ter ânimo para mijar em cima do seu violão.
* Brecão é um amigo meu das antigas que ninguém conhece. A última notícia que tive dele foi a de que – antes de fugir do presídio de Curitibanos – andou vendendo antenas parabólicas e cosméticos no Vale do Itajaí. Mas isso já faz um bom tempo, idos dos 90. À época, dividíamos nosso amor com a falecida Marisete, cabeleireira profissional e massagista tailandesa que atendia nos classificados eróticos do Diário Catarinense. Fiquei sabendo que ela morreu de Aids, até hoje não sei se fui eu ou se foi o Brecão quem a contaminou. Que Deus a tenha e que cuide do Brecão também.
*Marcelo Mirisola, 42, é paulistano, autor de Proibidão (Editora Demônio Negro), O herói devolvido, Bangalô, O azul do filho morto (os três pela Editora 34), Joana a contragosto (Record), entre outros.
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