Marcos Magalhães*
A nacionalização do gás pelo governo da Bolívia é um fato consumado. O aumento dos preços do produto é quase uma certeza. E a indenização à Petrobras pelos investimentos que fez na Bolívia, bem, essa ainda é uma questão do reino das possibilidades. Quanto ao Brasil, resta uma longa batalha jurídica e diplomática pela frente e, se houver juízo, uma boa dose de reflexão sobre o futuro.
O presidente Evo Morales tem sido econômico nos elogios ao Brasil e à Petrobras, empresa que, de certa forma, se confunde com a nacionalidade brasileira. Contratos com a estatal, disse ele, eram ilegais e inconstitucionais. A Petrobras, acrescentou, fazia contrabando de combustível na fronteira. O Brasil, afirmou ele ainda, não está no time dos que ajudam a Bolívia. E até o Acre, para o presidente boliviano, teria sido trocado por um cavalo.
A estridência de Morales pode ter lá seus efeitos junto ao público interno boliviano. Também encontra alguns ouvidos simpáticos no Brasil, desses aos quais ainda soa bem uma boa e velha retórica antiimperialista, mesmo que os imperialistas, no caso, sejam os próprios brasileiros. Mas as palavras ácidas do presidente boliviano poderiam igualmente produzir um efeito colateral positivo: o estímulo a uma política de longo prazo de busca de novas e confiáveis fontes de energia.
Os primeiros e tímidos sinais de reação já começam a chegar. Fala-se em antecipar a produção de gás na bacia de Santos, que tem a vantagem de estar ao lado do maior mercado consumidor do país. Começa a andar, no Congresso, o projeto de lei que estabelece um novo marco regulatório para o gás natural. E se tornam mais freqüentes os apelos pela construção dos dois gasodutos que vão transportar o gás de Urucu, no Amazonas, a Porto Velho e a Manaus.
A auto-suficiência de gás natural ainda vai demorar. Até lá, o Brasil terá que seguir importando o produto da Bolívia – pelo preço que vier a ser acertado, depois de uma longa e difícil negociação – e de outros países, por meio de uma complicada operação de regaseificação de gás natural liquefeito. Mesmo depois de se alcançar a auto-suficiência, porém, ela não será para sempre.
O gás, como o petróleo, acabará um dia. Sobre o petróleo, o gás tem a vantagem de ser bem menos poluente. Por isso, muitos ambientalistas em todo o mundo dizem que ele pode ser visto como um mecanismo intermediário entre a era do petróleo e um novo período histórico, em que novas fontes de energia terão de movimentar a economia de todo o mundo.
O Brasil talvez seja um dos países mais bem posicionados para pesquisar essas novas fontes de energia – de preferência, renováveis. Dispõe de um vasto território, de muito sol e de alguma tecnologia acumulada em programas como os de produção de álcool e de biodiesel. Um programa estratégico de investimento em longo prazo no aperfeiçoamento tecnológico na área de energia poderia ser um raro exemplo de convergência entre governo e oposição – passado o período eleitoral, é claro.
Se der certo, mesmo que em médio prazo, um programa como esse poderia ajudar o Brasil a depender menos dos humores de quem pode fechar a torneira dos gasodutos. E ainda abriria caminho para que o país se firme no lucrativo mercado das fontes alternativas de energia. Demora, mas vale a pena tentar.
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