Um clássico da propaganda brasileira do início do século passado é o jingle que promovia as Pílulas de Vida do dr. Ross, aquelas que fazem bem ao fígado de todos nós. Descobri graças ao bom Google que elas ainda existem. É uma boa notícia para a presidenta Dilma Rousseff. Porque o trabalho de articulação política de sua base de sustentação que Dilma resolveu agora chamar para si vai provocar diversos males ao fígado da presidenta. Assim, para que a bile não venha a amargar a vida da nossa comandante, ainda é possível a ela buscar nas boas pharmacias do ramo as tais pílulas de vida.
Pode até ser que a solução dada pela presidenta para contornar a crise provocada com a saída do ex-ministro da Casa Civil Antonio Palocci venha a dar certo, mas o fato é que Dilma chegou a essa solução com o fígado. E o que o senso comum costuma dizer é que não é bom resolver qualquer questão de relacionamento usando o fígado. Mas vamos ao que conta um interlocutor bem próximo da presidenta sobre os acontecimentos das últimas semanas e as decisões de Dilma.
Clique abaixo para ouvir o “jingle” do dr. Ross:
Quem achou de pegar Antonio Palocci de jeito e defenestrá-lo do Palácio do Planalto, fez um estrago imenso na lógica que até então movia a estrutura do governo. Há quem fale em fogo amigo, há quem ache que tudo foi estruturado pelo PSDB quando percebeu que as primeiras pesquisas do novo governo apontavam para um crescimento da popularidade de Dilma sobre as classes mais altas, área que os tucanos ainda preservavam no governo Lula. O fato é que Palocci foi ampliando, desde a campanha presidencial, seu espaço de protagonista. Habilidoso, com fortes contatos no empresariado e no meio financeiro, tornou-se figura fundamental na campanha. De tal modo que Dilma orientou a montagem inicial de seu governo para que Palocci atuasse como um primeiro-ministro, uma figura superpoderosa acionado para tudo e por todos.
A verdade é que, antes mesmo da crise, já havia sinais de problemas com o modelo. Muito demandado, Palocci não conseguia resolver os problemas que apareciam com a velocidade necessária. As pendengas acumulavam-se. Líderes contam que iam ao Palácio falar com Palocci e voltavam sem conseguir, porque ele estava sempre em alguma reunião com Dilma.
A denúncia contra Palocci serviu como um catalisador. Por um lado, se a rotina de Palocci já era complicada, ficou muito mais tendo de administrar o que saía contra ele. Enrolado, ele não consegue a tranquilidade necessária, justamente no momento em que a agenda política voltou-se para o Congresso Nacional, com o Código Florestal. Por outro lado, como ele não se explicava e, assim, não dava elementos para que pudesse ser defendido, Palocci foi sendo abandonado. E, com seu enfraquecimento, os políticos passaram a considerar que suas demandas não seriam atendidas. Assim, as insatisfações começaram a desaguar nas votações de interesse do governo.
E foi aí que o fígado de Dilma começou a lhe provocar incômodos. Primeiro, foi com o líder do PMDB na Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN). A presidenta até agora não engoliu o discurso de Henrique Eduardo na ocasião, quando desafiou Dilma dizendo que a bancada peemedebista não aceitaria sua orientação, e que ela ficasse na dela porque ele também era governo. Naquele momento, Dilma resolveu que, acontecesse o que acontecesse, ela não ampliaria os espaços de ação política do PMDB.
Depois, foi com o líder do governo na Câmara, Cândido Vaccarezza (PT-SP). No início da tramitação do código, Vaccarezza inclinou-se a apoiar as posições dos ruralistas, que eram as posições do PMDB. Dilma reclama que Vaccarezza fez acordos com os peemedebistas sem negociar primeiro com ela. Ao mesmo tempo, os problemas de Palocci tornavam mais agudos outros problemas na base. Palocci participou diretamente da articulação para eleger Marco Maia (PT-RS) presidente da Câmara, em detrimento das aspirações de Vaccarezza. Na crise, Vaccarezza começou a tentar puxar a corda para um lado, e os petistas ligados a Marco Maia, como o líder do PT na Câmara, Paulo Teixeira (SP), começaram a puxar para o outro. Ao final da tramitação do Código Florestal, Vaccarezza, Paulo Teixeira, Henrique Eduardo Alves tratavam-se nas votações como inimigos públicos.
Identificado o problema especialmente no PT na Câmara, Dilma pediu que eles se entendessem. Ficou danada da vida quando viu que Vaccarezza começava a construir uma solução para a crise que tinha como eixo central promovê-lo ao cargo de ministro das Relações Institucionais. Ah, é? Então, não vai ser nenhum de vocês. A articuladora política vai ser a Ideli, reagiu Dilma, referindo-se à então ministra da Pesca, Ideli Salvatti. Se eram os deputados petistas que lhe causavam problemas, ela resolveria escolhendo uma petista, mas ex-senadora.
Evidentemente, foi uma solução com o fígado. Mas é a partir dela que Dilma espera resolver as coisas. De saída, a escolha de uma ex-senadora em nada ajuda a resolver um problema que era identificado na Câmara. A única coisa que ela fez com os deputados petistas foi fazer uma escolha que equivale a um pito. Ela espera que os meninos tenham juízo. Quanto ao PMDB, se a intenção de Dilma é mantê-lo à margem da articulação política, o partido continuará pressionando por mais espaço.
Dilma sabe que o problema com o Congresso não foi resolvido com as suas soluções. Tanto que ela planeja um conjunto de ações nas quais o Congresso seja personagem secundário. O que ela quer e conta com a ajuda de Gleisi Hoffmann na Casa Civil é estabelecer uma agenda de programas de impacto que independam do Congresso para suas realizações. Ações de governo, nada de reformas. O Brasil sem Miséria já foi o primeiro deles. Ainda esta semana, ela deverá anunciar a segunda fase do Minha Casa, Minha Vida, também nos mesmos moldes. Além disso, na sua rotina, Dilma pretende fazer pelo menos uma viagem a algum ponto do país. E ir formando assim uma agenda própria, longe do Congresso.
Pode funcionar. Mas é difícil se imaginar que um governo possa ser bem sucedido num país que tem o mau hábito de nunca conseguir consolidar seu conjunto de leis e vive precisando reformá-las sem o Congresso, ou com um Congresso mínimo. Porque, se Dilma não quer vem nem pintados seu líder do governo e o líder do PMDB, ela está limando das suas boas relações um pedaço substancial da sua base de sustentação.
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