Em entrevista para o jornal Il Manifesto, reproduzido pelo site Carta Maior, Slavoj Zizec analisa a atual sociedade capitalista, na qual a democracia é reduzida a um simulacro: Ainda assim, nem tudo está perdido”, considera o filósofo.
Mas de perdições e distorções manobras divergentes para despistar o inimigo não só o Inferno , como Hollywood, porta-voz oficial do Capital, estão lotadíssimos. Vejamos: os Estados Unidos supostamente democratas, depois de saudarem a eleição de Obama para a Casa Branca como um evento divino, agora se deleitam em discutir se é politicamente mais incisivo Avatar, de James Cameron, ou Estado de Guerra, de Kathryn Bigelow, conquanto tanto para Zizec (como para mim) Avatar é um filme rigorosamente apolítico.
Malgrado as referências à guerra do Iraque e à destruição da floresta amazônica, em ambos os casos os vilões são as multinacionais, representadas tolamente como entidades autônomas do Mal. Aliás, considerar que os críticos radicais nos Estados Unidos são uma espécie de ala marxista de Hollywood não é um mero equívoco, mas uma bobagem inominável. Estes argumentam que Avatar retrata a luta de classes, isto é, a luta dos pobres contra os ricos, com o objetivo de auto-determinarem a sua vida. Contudo, a natureza é um produto cultural que muda com a mudança das relações sociais.
Os seres sempre retiraram da natureza os meios para viver e se reproduzir como espécie. E, ao fazê-lo, transformaram a natureza. Não é, portanto, retornando a uma idade de ouro idealizada, como sugere James Cameron, que se pode derrotar o capitalismo. Avatar é pura fantasia, fascinante, claro, mas só fantasia. Que não se deve confundir com utopia, por que aí representaria uma projeção estrutural de outro mundo possível, a proposta de uma ideologia fora do capitalismo mas isso é inimaginável e impossível. Sobretudo para Hollywood, na condição de porta-voz, etc, conforme o supracitado, de forma que esta discussão retorna e retorna e gira em falso, eternamente mordendo o próprio rabo.
Para Zizek, o neoliberalismo tem sido uma adequada contra-revolução que cancelou a constituição material e formal surgida após a II Guerra Mundial, quando o capitalismo era sinônimo de democracia representativa. No início do terceiro milênio, a contra-revolução terminou, abrindo espaço para uma política radical que Zizek, em sintonia com o filósofo francês Alain Badiou, chama enfaticamente de hipótese comunista.
Até alguns anos, afirmava-se que o capitalismo era sinônimo de democracia na sua forma liberal, fundada sobre a tolerância, o multiculturalismo e o politicamente correto. Agora, ao contrário, assistimos às forças ou aos líderes políticos que invocam a mobilização do povo para combater os inimigos do estilo de vida moderno. O filósofo argentino Ernesto Laclau analisou a fundo a lógica do populismo, sustentando que existe uma variante de esquerda e uma variante de direita. A tarefa do pensamento crítico consistiria em evitar a derivação de direita (grifo meu).
A propósito do populismo: Não estou de acordo com essa posição. Em primeiro lugar, o populismo é sempre de direita. Além disso, o povo, como a natureza, é uma invenção. Para fazê-lo tornar-se realidade deve-se imaginar um universal que contenha e supere as diferenças dentro dele. Daí a necessidade de identificar um inimigo que impede a formação do povo. Não é uma coincidência, então, que a forma acabada de populismo seja o anti-semitismo, porque indica um inimigo que vive entre nós. O mesmo fazem os populistas contemporâneos quando indicam os migrantes como a quinta-coluna entre nós.
Na sua avaliação, o populismo dirigirá o conflito contra inimigos de conveniência, para esconder o sistema de exploração do capitalismo. Isso quer dizer que esta tendência ocupa um espaço político abandonado, por exemplo, pela esquerda. Como recuperar esse espaço?
Zizek: Walter Benjamin escreveu que o fascismo emerge onde uma revolução foi derrotada. Um conceito que, aplicado à realidade contemporânea, explica o fato de o populismo emergir quando a hipótese comunista, que não coincide com o socialismo real, é retirada da discussão pública. Entretanto, no tolerante capitalismo contemporâneo, assistimos à campanha midiática contra os migrantes, porque atentam contra a nossa segurança. Ou ficamos atordoados com intelectuais que, como Bernard Henri-Levy, debatem longamente sobre a superioridade da civilização ocidental e sobre o perigo representado pelo fundamentalismo islâmico, qualificado como islamo-facismo.
Há fortes pontos de contacto entre a ideologia liberal e o populismo: ambos são pensamentos políticos que levam em conta o estilo de vida capitalista ocidental como o único mundo possível. Os liberais, em nome da superioridade da democracia, os populistas em nome do único estilo de vida que as pessoas se dão. Há também diferenças. Os liberais estão impondo, mesmo com as armas, a democracia e a tolerância entre quem não é democrático nem tolerante. Os populistas desejam, ao contrário, aniquilar com política étnica suave as diversidades culturais, sociais, de estilo de vida. O populismo é, portanto, uma das formas políticas do capitalismo global, mas não a única. Silvio Berlusconi, frequentemente julgado como um humorista ou palhaço é, ao contrário, um líder político para ser estudado com atenção, porque pretende conjugar a democracia liberal com o populismo, engendrando uma democracia pós-constitucional que faz da invenção do povo o seu traço distintivo, e que elimina a antiga divisão e equilíbrio entre os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. (grifo meu)
Mas não é preciso, no entanto, desenvolver uma visão apocalíptica da realidade. Ao contrário. Como demonstrou a recente crise econômica, quando tudo parecia perdido, abriu-se espaço para uma ação política radical, comunista. Tomemos como exemplo o recente encontro sobre ambiente realizado ano passado em Copenhagen. O resultado final foi um desastre político, mas, a partir daí, pode-se pensar numa grande aliança tático-estratégica global.
A crise econômica, além disso, exigiu uma intervenção do Estado para salvar da bancarrota empresas, bancos e sociedades financeiras. Mas isso significou que o tabu sobre o perigo da intervenção reguladora do Estado foi quebrada. Isso pode reforçar os socialistas – isto é, aqueles que apontam para uma redistribuição dos rendimentos e de poder.
Em resumo, para Zizec volta forte a idéia comunista de transformar a realidade. E o que ele propõe não é um mero exercício de otimismo da razão, mas a consciência de que há forças e relações sociais que podem ser liberadas a partir da camisa de força do capitalismo.
No mais, me recuso terminantemente a comentar a morte anunciadíssima de Osama Bin-Laden o puxassaquismo pânico midiático-intergalático via Globosat deu vontade de vomitar. Mirisola tem razão: é como vender a alma para um diabo de quinta categoria.
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