Claudio J. D. Sales e Eduardo Müller Monteiro *
A Aneel está conduzindo a revisão do custo de capital regulatório das 62 distribuidoras de energia elétrica brasileiras por meio de uma audiência pública que durou dois meses e se encerrou em 12 de janeiro. O tema, tecnicamente complexo, parece estar distante da realidade dos consumidores de energia atendidos por estas empresas, mas é importantíssimo para a formação das tarifas de eletricidade que pagamos todos os meses.
O custo médio ponderado de capital (ou “WACC”, do inglês “Weighted Average Cost of Capital”) é calculado pela Aneel seguindo o modelo CAPM (“Capital Asset Pricing Model”), que busca expressar a relação entre risco e retorno do investimento em um ativo. Portanto, a essência da revisão é definir um WACC que reflita o risco ao qual a atividade de distribuição de energia elétrica no Brasil está submetida e, assim, balizar o retorno adequado às empresas.
Se o retorno estabelecido pelo regulador for permanentemente inferior ao custo de oportunidade de capital, a atividade de distribuição tornar-se-á insustentável ao longo do tempo. Por outro lado, se o retorno estabelecido for permanentemente superior ao custo de oportunidade de capital, a tarifa se torna mais cara que o necessário. Eis o dilema do regulador.
Na prática, a Aneel enfrentará dois desafios principais para vencer este dilema: os “desafios técnicos”, que envolvem escolhas metodológicas, e os “desafios de coerência”, que exigem mais senioridade e abrangência analítica, pois requerem clareza em relação aos objetivos de longo prazo buscados.
Os desafios técnicos de maior impacto são três: tratamento dos “outliers” (valores atípicos) das séries de dados, seleção de horizontes temporais das séries, e adoção de média ou mediana como estatística central.
Já em relação aos desafios de coerência, uma pergunta é crucial: “o risco capturado pela metodologia estaria adequado ao risco vivido pelas distribuidoras?” Alguns argumentam que não, e uma defesa para essa tese é expressa pelos “Betas” (parâmetros que expressam volatilidade no modelo CAPM) computados no Reino Unido para diversos setores regulados, que ficaram entre 0,90 e 1,00, maiores que o Beta de 0,72 calculado pela Aneel. Seria a distribuição de eletricidade no Brasil menos volátil que setores regulados no Reino Unido?
O WACC submetido à audiência pública para o período 2018-2020 é de 7,71%, em termos reais e após os impostos, o que implica queda em relação ao WACC anterior de 8,09%. Faria sentido, neste momento, diminuir o WACC, considerando os desafios futuros das distribuidoras?
Como o WACC da distribuição de eletricidade no Brasil já é um dos menores entre vários setores e diversos países, uma redução do seu valor em 2018 parece estar na contramão da necessidade de investimentos crescentes, inclusive para cumprir as metas de qualidade de serviço impostas pela mesmo Aneel.
A queda do WACC de 8,09% para 7,71% implicaria queda média de apenas 0,3% da tarifa, mas representaria perda de 3% do EBITDA (Earnings Before Interest Taxes, Depreciation and Amortization) regulatório do setor. Estamos falando de uma perda anual de cerca de R$ 400 milhões em EBITDA, ou cerca de R$ 3 bilhões a menos em investimentos.
O diretor da Aneel que presidiu a audiência pública declarou que os “stakeholders” envolvidos no processo tarifário têm o papel de “pesar os prós e contras” e ajudar a Aneel a decidir. Disse ainda que a decisão “envolve ‘trade off’, envolve escolha”. Pois essa escolha parece ter sido clara para a maioria dos participantes da audiência pública, inclusive para vários representantes de consumidores.
Diversos representantes de conselhos de consumidores defenderam a manutenção do WACC atual “pensando ‘lá na frente’, e não só no momento atual”, porque “esse pequeno aumento na conta … seguramente poderá trazer benefícios no médio e longo prazo bem maiores … porque precisamos de investimentos na distribuição”.
Estaria o consumidor disposto a perder qualidade por uma tarifa 0,3% menor, que representaria 30 centavos para uma conta de 100 reais?
A redução do WACC neste momento é incompatível com o papel esperado das distribuidoras nacionais. Este momento deveria ser usado para estimular investimentos, melhorar o serviço e modernizar as redes. Se esses objetivos forem considerados, a resposta ao dilema da Aneel parece ser auto-evidente.
* Claudio J. D. Sales e Eduardo Müller Monteiro são presidente e diretor Executivo do Instituto Acende Brasil (www.acendebrasil.com.br)
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