A proposta de um mandato democrático e eficiente pressupõe mudanças na forma tradicional de fazer política. A nova política, tão conclamada ultimamente — mas que muitas vezes não passa das velhas e nefastas ações com roupagem mal lavada —, não pode ser infectada com ideias que não são capazes de realizar a real mudança tão necessária. Para isso, as ações e atividades a serem desenvolvidas pelos mandatários precisam ser geradas em ambiente igualmente democrático, transparente e plural.
A coerência entre discurso e prática é fundamental para levar à frente a proposta que estamos construindo. Inicialmente, precisamos olhar para dentro do Poder Legislativo e investigar o que está errado e o que deve ser mantido em sua estrutura.
Quanto aos gastos de um mandato de um(a) senador(a), podemos encontrar, no site oficial do Senado, algumas informações que ajudam a traçar um diagnóstico.
A cota para o Exercício da Atividade Parlamentar — a famosa verba de gabinete — é de R$ 15 mil por mês, acumuláveis para os meses subsequentes caso não seja gasto o valor total. Esta verba não pode ser utilizada com pagamento de pessoas, combustível, serviços gráficos, despesas de correios, compra de jornais e revistas e material de escritório para o gabinete.
Pode-se gastar com alimentação, aluguel de imóvel destinado à instalação de escritório de apoio e despesas inerentes. Os parlamentares também podem usar esta verba para contratar consultorias, assessorias e trabalhos técnicos. A despesa realizada é ressarcida pelo Senado, mediante comprovação e até o limite mensal estabelecido.
Também há uma cota para passagens aéreas, e cada senador(a) faz jus ao valor que vai de R$ 6.045,00 a R$ 29.276,60 por mês, dependendo do Estado que representa. Esse valor corresponde a cinco viagens de ida e volta, com a tarifa cheia, de Brasília para a capital do Estado que representa.
Cada senador(a) pode solicitar trabalhos gráficos no valor de R$ 8.500,00 anuais, incluindo materiais de expediente personalizados, publicações relativas às suas atividades e publicações de trabalhos de sua autoria ou que supervisionou. Para membros da Mesa e Líderes, o valor é dobrado. Cada parlamentar tem direito a quatro jornais diários e duas revistas semanais de sua livre escolha, que podem ser recebidos no gabinete ou em sua residência.
Todo(a) senador(a) tem direito a um veículo oficial, que é alugado. Atualmente, o carro é o modelo Nissan Sentra, ano 2017, cujo valor médio de mercado é R$ 74 mil. Também há cota para combustível: o(a) senador(a) tem direito a 300 litros de gasolina ou 420 litros de álcool por mês, o que equivale hoje a cerca de R$ 1.350,00. Caso o carro tenha um desempenho de 10 km por litro de gasolina, cada senador/a poderá rodar 3 mil quilômetros por mês, uma quilometragem aparentemente excessiva.
Cada senador(a) também dispõe de verba de R$ 500,00 para o uso de telefone fixo em seu gabinete e mais R$500,00 de uso de telefone fixo em sua residência — eis a velha confusão entre público e privado. Tem direito também a um aparelho celular com gastos ilimitados. Em tempos de austeridade, que castiga sobretudo os mais pobres, qualquer gasto sem limite é uma afronta aos contribuintes.
E por falar em falta de limites, vamos falar do plano de saúde dos(as) senadores(as). Não é fácil encontrar informações sobre o gasto com saúde dos(as) senadores(as) no site do Senado. Mas, em reportagem de março deste ano, a Gazeta do Povo publicou que, no ano passado, foram gastos R$ 1,9 milhões com a assistência a 154 ex-senadores(as) e cônjuges.
Também foi despendido o valor de mais de R$ 8,3 milhões com o atendimento a 86 senadores(as) (incluindo alguns suplentes) e dependentes: uma média de R$97 mil por parlamentar ao ano. Para se ter uma ideia, de acordo com o Observatório de Saúde do DF, em 2012, o gasto público com saúde no Distrito Federal, per capita, foi de R$ 1.665,60 — a saúde de um(a) senador(a) vale sessenta vezes mais que a do cidadão comum?
O déficit habitacional no Brasil já passa da casa dos 7,7 milhões, mas também nesse ponto os(as) senadores(as) têm tranquilidade: têm direito a apartamento funcional ou a auxílio-moradia. O auxílio-moradia, de acordo com o site do Senado, é de R$ 5.500,00 por mês.
Esse volume de gastos não é compatível com a situação econômica atual do país nem com a situação da nossa população mais pobre, que sofre com o desemprego e com a falta de atendimento nos órgãos públicos de saúde. Acabar com privilégios e readequar os gastos de parlamentares para que se aproximem dos benefícios a que a maioria dos trabalhadores brasileiros recebe deve ser uma pauta primordial para quem quiser disputar um dos dois votos dos eleitores para o Senado nas eleições de outubro.
É necessário dar total transparência a esses gastos, com completo, fácil e rápido acesso no site do Senado. Obter informações completas e de modo simples é um pressuposto para a efetiva fiscalização e controle pela população. A responsabilidade com os recursos públicos é dever inafastável de todos os servidores, em especial daqueles que foram eleitos.
Por isso, é necessário ter o compromisso de prestar contas para população de cada região do estado que elegeu o/a parlamentar, não só quanto às ações do mandato, mas também quanto às suas despesas.
Também é necessário utilizar a tecnologia a favor da população para que de maneira rápida, simples e completa todas as pessoas possam acompanhar, com atualidade, as ações e recursos utilizados pelos parlamentares.
Temos consciência de que um mandato democrático, participativo e transformador vai muito além do acompanhamento de suas despesas. De nada adianta um mandato austero, transparente e responsável, mas sem compromisso ou absolutamente alheio às demandas sociais — como a redução das desigualdades e a defesa da democracia, para ficarmos apenas em alguns exemplos. Mas é de extrema importância conduzir um mandato com transparência e responsabilidade. Mais do que o discurso, nossos representantes devem, sim, dar o exemplo.
A defesa da democracia exige mudanças. Nos próximos artigos, vamos abordar algumas formas de tornar a destinação de emendas orçamentárias mais participativas e vamos discorrer sobre a importância de que a composição da equipe do gabinete assegure a participação de, no mínimo, 50% de mulheres, negras e negros, além de representantes dos povos indígenas, LGBTs e pessoa com deficiência.
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