Venício A. de Lima*
À longa lista de ilicitudes que vem sendo reveladas pela grande mídia, cometidas no e pelo Senado Federal, deveria ser acrescentada outra que, todavia, nunca mereceu atenção proporcional à sua importância: o descumprimento do artigo 224 da Constituição de 88 e da Lei 8.389 de 30 de dezembro de 1991.
O artigo 224 reza que o Congresso Nacional, para os efeitos do disposto no Capítulo V – da Comunicação Social, do Título VIII – Da Ordem Social, instituirá, como órgão auxiliar, o Conselho de Comunicação Social (CCS) na forma da lei. A Lei que instituiu o referido CCS foi aprovada pelo Congresso, sancionada pelo presidente da República e publicada no DOU em 31 de dezembro de 1991.
As atribuições previstas
Para reativar nossas memórias, transcrevo abaixo as atribuições previstas no artigo 2º da Lei para o CCS:
O Conselho de Comunicação Social terá como atribuição a realização de estudos, pareceres, recomendações e outras solicitações que lhe forem encaminhadas pelo Congresso Nacional a respeito do Título VIII, Capítulo V, da Constituição Federal, em especial sobre:
a) liberdade de manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação;
b) propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias nos meios de comunicação social;
c) diversões e espetáculos públicos;
d) produção e programação das emissoras de rádio e televisão;
e) monopólio ou oligopólio dos meios de comunicação social;
f) finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas da programação das emissoras de rádio e televisão;
g) promoção da cultura nacional e regional, e estímulo à produção independente e à regionalização da produção cultural, artística e jornalística;
h) complementariedade dos sistemas privado, público e estatal de radiodifusão;
i) defesa da pessoa e da família de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto na Constituição Federal;
j) propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens;
l) outorga e renovação de concessão, permissão e autorização de serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens;
m) legislação complementar quanto aos dispositivos constitucionais que se referem à comunicação social.
Nenhuma determinação cumprida
No seu artigo 8º, a Lei 8.389 estabelecia o prazo de até sessenta dias após sua publicação para a eleição dos membros do CCS e de até mais trinta dias para sua instalação. Apesar disso, o CCS só foi instalado 11 anos (!!!) depois, em 2002. Além disso, o CCS funcionou até dezembro de 2006 e de lá para cá, simplesmente foi “desativado” numa afronta indiscutível às normas legais.
Mas não é só isso.
A Lei 8.977 de 6 de janeiro de 1995 (Lei do Cabo) diz em seu artigo 44 que o CCS deve ser ouvido em relação a todos os atos, regulamentos e normas necessários à sua implementação.
A Lei 11.652 de 7 de abril de 2008 (Lei da EBC) diz em seu artigo 17 que o Conselho Curador da empresa de radiodifusão pública deve encaminhar ao CCS as deliberações tomadas em cada reunião.
Por óbvio, nenhuma dessas determinações pode estar sendo cumprida se o CCS está “desativado”.
“Não é novidade”
O descaso do Senado Federal para com o cumprimento da Lei é de tal forma desavergonhado que nem mesmo uma audiência pública convocada pela CCTCI da Câmara dos Deputados para discutir as razões da “desativação” do CCS, no dia 18 passado, mereceu a presença dos principais atores responsáveis pela atual situação.
Embora convidados, o presidente do Congresso Nacional, senador José Sarney, e o presidente da Comissão de Ciência, Tecnologia, Inovação, Comunicação e Informática do Senado Federal, senador Flexa Ribeiro, não só estiveram ausentes como sequer designaram representantes.
A deputada Luiza Erundina, autora da proposta de audiência pública, comentou que a ausência dos senadores revelava a disposição do Senado, que possui a prerrogativa de indicar os membros e instalar o CCS, em reativar o conselho: “Mais uma vez, o Senado não designou representante. Isso não é novidade. Na outra tentativa de realização da audiência isso se repetiu”.
A omissão da grande mídia
Em artigo anterior (“Por que o CCS não serã reinstalado”, edição 524 do OI), afirmei que o Congresso Nacional e, sobretudo, o Senado Federal, abriga um grande número de parlamentares que tem vínculos diretos com as concessões de rádio e televisão. O CCS é um órgão que – mesmo sendo apenas auxiliar – discute questões que ameaçam os interesses particulares desses parlamentares e dos empresários de comunicação, seus aliados. Na verdade, eles não querem sequer debater. Essa é a razão – de fato – pela qual o CCS não funciona.
Nesse tempo em que decisões fundamentais sobre o campo das comunicações estão sendo tomadas no Poder Judiciário, o Senado Federal se omite de suas responsabilidades e não se faz presente, nem mesmo utilizando dos instrumentos que a Constituição já coloca a seu dispor. Mais do que isso, descumpre a Constituição e a Lei. E, acima de tudo, não serve ao interesse público que é, afinal de contas, sua única razão de existir.
E por que será que a grande mídia também se omite inteiramente em relação à “desativação” do CCS?
*Pesquisador sênior do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política (NEMP) da Universidade de Brasília e autor/organizador, entre outros, de A mídia nas eleições de 2006 (Editora Fundação Perseu Abramo, 2007). Escreve para o Observatório da Imprensa.
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