Concurso público virou assunto popular. A imprensa geral resolver falar sobre as maravilhas de se trabalhar para o governo: bons salários e estabilidade. Jornais e emissoras que sempre ignoraram a pauta decidiram enxergar a “galinha dos ovos de ouro” da audiência: o Jornal Nacional fez série rasa sobre o assunto, o Fantástico denunciou os concursos municipais sem nenhuma avaliação do mercado e, nesta semana, o Jornal Hoje dispôs de oito minutos ao vivo e 23 minutos de um quadro online para prestar praticamente um desserviço aos candidatos. Estou ficando preocupada.
A abordagem irresponsável não é privilégio da TV Globo: no último ano, vi brotar o blog “Mural dos Concursos” do Estadão que chove no molhado, reportagens simplórias nas semanais Veja e Época e no diário Folha de São Paulo. Ao mesmo tempo vejo o maior veículo de Brasília, a “Meca dos Concursos”, que tinha tudo para ser referência no assunto, ir à contramão. O Correio Braziliense eliminou o caderno Eu, Concurseiro – único em seu assunto entre os jornais nacionais; e encolhe as reportagens sobre concursos públicos a notas e notícias diminutas.
O alerta tocou quando recebi por e-mail o link do último quadro Sala de Emprego que vai ao ar todas as segundas-feiras no Jornal Hoje. A extensão multimídia do telejornal tem 23 minutos e o professor de inglês da Central dos Concursos, Roberto Witte, a missão de tirar dúvidas enviadas pela internet por telespectadores.
Nada contra a pessoa do professor, mas como especialista em concurso público como ele, discordo da postura e da abordagem clichê que escolheu. Ao longo do programa, o professor reforça os pontos mais questionáveis e discutíveis entre os profissionais que se dedicam a auxiliar milhões de candidatos a uma vaga no setor público.
São muitos os exemplos que posso dar dos equívocos cometidos pelo professor. Quem tiver a paciência de assistir ao quadro perceberá o que digo. Vou destacar aqueles que mais chamaram a atenção e que confirmam minha preocupação sobre como a instituição concurso público está sendo tratada de qualquer jeito pela imprensa.
Witte argumenta que concursos públicos são para pessoas espertas, que aprendem a estudar matérias que não gostam, que estão preocupadas só com o salário e a estabilidade oferecidas, e por tudo isso, sacrificam a vida, a família, o tempo e a saúde rumo a aprovação. Ele também diz que as seleções mais concorridas são as que oferecem maiores salários e cita o desconhecido concurso para prático de embarcações como exemplo. A saber, este processo seletivo é destinado a um público bastante limitado e mesmo com remuneração alta – até R$ 130 mil por mês – não está nem de perto entre os mais disputados.
O especialista mostra desconhecer informações recentes sobre os concursos. Em uma das perguntas, o internauta quer saber se o concurso da Polícia Federal pode ser alterado em função da possibilidade de aceitar candidatos portadores de necessidades especiais. Além de não entender o questionamento, ele desvia do assunto, diz que podem ocorrer mudanças nos editais a qualquer tempo, o que não está errado, mas comete um “crime” ao dizer que os candidatos com deficiência têm mais tempo para estudar porque muitos são aposentados por invalidez. Sinto muito, mas aqueles que não estão aptos a trabalhar também não serão aprovados na perícia médica pela qual passam os concorrentes às vagas de portadores de deficiência. Em outros momentos do programa, as recomendações do professor são vazias e paradoxais.
Posso me estender ainda mais apontando pontos que me decepcionaram na participação do professor, mas quero falar também da postura dos jornalistas. A matéria que deu origem ao quadro fala em 43 mil vagas com inscrições abertas em concursos distribuídas em todo o país. Por mais de oito minutos do telejornal mais importante do horário do almoço, o que se vê é a empolgação exagerada dos apresentadores Sandra Annenberg e Evaristo Costa e da repórter Monalisa Perrone. A sensação que tive, como colega de profissão, é que anunciavam o pote de ouro no fim do arco-íris.
Não se pode falar de concursos desta forma. O assunto é sério, complexo e digno de abordagens mais bem elaboradas por parte dos colegas jornalistas. As seleções públicas de servidores não existem só para satisfazer a vontade de ganhar bons salários, ter estabilidade e, enfim, “colocar o burro na sombra”, como afirma o professor e é comemorado pela repórter. Tão pouco é um processo que privilegia espertos que dedicam muitas horas por dia, pobres coitados que sacrificam a vida para a tal “tão sonhada vaga no serviço público”.
A sociedade clama por um Estado ético, que aja como uma máquina eficiente, na busca por melhores serviços ao cidadão, na busca pelo progresso sustentável de um país que por anos encarou o setor público apenas como um mero cabide de emprego. Hoje ser servidor público é muito importante, não existe mais aquela figura do “cara encostado” na repartição pública. Por isso, precisamos de pessoas que estejam preparadas para esse desafio, pois elas vão trabalhar por um Brasil melhor, que busca o progresso. Mas para que tudo isso funcione bem, não existe fórmula mágica, as seleções estão cada vez mais difíceis e a competição está cada vez mais acirrada. Justamente para que o Estado funcione cada vez melhor, com funcionários que estejam dispostos a mexer de corpo e alma na engrenagem.
Enquanto os showmen do concurso ganharem holofotes, é isso que será visto em rede nacional, e eu continuarei preocupada e atenta.
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