Antonio Vital*
A empresária Claudia Fagotti, de Mato Grosso, levou um susto no ano passado quando constatou que o mesmo colete de segurança que ela fabricava e vendia por R$ 18 custava US$ 1 na China. Resultado: ela optou por parar de fabricar e importar do concorrente, já que o mesmo produto chegaria aqui por US$ 5, mesmo com todas as taxas da operação, aumentando seu lucro.
O caso é emblemático dos dois lados da mesma situação, comum a vários setores produtivos brasileiros, como calçados, brinquedos e eletrônicos. O mais evidente é a dificuldade – para não dizer impossibilidade – de competir com um produtor que paga muito menos impostos e gasta proporcionalmente menos ainda com mão-de-obra. O outro é a opção pela importação. Nos últimos meses, a balança comercial entre o Brasil e a China, tradicionalmente favorável ao Brasil, passou a apresentar déficit que alguns pessimistas estimam que possa chegar a US$ 5 bilhões este ano.
As relações comerciais entre a China e o Brasil foram debatidas terça-feira (6) no programa Expressão Nacional, da TV Câmara. Participaram Charles Tang, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil-China; Fábio Faria, secretário-adjunto de Comércio Exterior do Ministério da Indústria e Comércio; e os deputados Alfredo Kaefer (PSDB-PR), que é da Associação Brasileira de Exportadores de Frango; Renato Molling (PP-RS), ligado aos produtores de calçados gaúchos; e Guilherme Campos (DEM-SP), empresário do setor têxtil. O diagnóstico não foi muito otimista.
Tang resumiu sua opinião sobre a verdadeira causa da distorção do comércio entre os dois países. "O maior problema do Brasil é o nosso modelo econômico de pobreza", resumiu. Ele classifica como componentes deste modelo o chamado "custo Brasil", com alta carga tributária e uma legislação trabalhista que encarece o produto final. Tirando o câmbio totalmente favorável às importações, apontado pelo deputado Kaefer como o principal fator da falta de competitividade dos produtos nacionais, os demais debatedores chegaram mais ou menos às mesmas conclusões de Tang.
O segredo da China, um país politicamente fechado pela mesma cortina de ferro que restringia as liberdades individuais na antiga União Soviética e seus satélites, é um esforço ultraliberal voltado para a exportação, em que a competitividade é colocada à frente de garantias sociais. Os salários são baixos lá, sim. Os chineses vivem sob uma ditadura, sim. Mas a pobreza diminuiu entre os mais de 1 bilhão de chineses, grande parte dos quais ingressou pela primeira vez no mercado consumidor. E isso está movendo a economia do mundo e do Brasil.
O comércio bilateral entre Brasil e China passou de R$ 1,5 bilhão em 1999 para mais de dez vezes este valor em 2006. Pode chegar a US$ 35 bilhões em 2010. Só que as importações da China para o Brasil aumentaram de US$ 3 bilhões em 2001 para US$ 23 bilhões em 2007. Menos mal que mais de 50% dessas importações são de máquinas, peças e equipamentos para as indústrias nacionais, o que significa pelo menos que as empresas nacionais estão se equipando para produzir mais, aproveitando os preços baixos desses produtos. E, enquanto importa produtos industrializados, o Brasil exporta produtos primários. Minérios, sementes, oleaginosas e combustíveis são 70% das nossas exportações.
Como até 2006 havia superávit comercial favorável ao Brasil, a luz amarela está acesa em vários setores – governo inclusive. Segundo a Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), o déficit comercial do Brasil com a China subiu 491% de janeiro a abril. Só em janeiro as vendas da China para o Brasil aumentaram 94%, somando US$ 1,5 bilhão. Já as vendas brasileiras não chegaram a US$ 700 milhões. Em vez de inovação ou cobrança por uma reforma que barateie o custo da produção no Brasil, vários setores já pressionam o governo, isso sim, por medidas protecionistas, as chamadas salvaguardas. Essa pressão aumentou depois do fracasso da rodada Doha, que pretendia dar mais liberdade ao comércio mundial.
A Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit) quer que o governo brasileiro crie barreiras para os produtos chineses. Em dezembro, vence o acordo de restrição voluntária de exportações da China, feito em 2006. O prazo de dois anos era para que as empresas brasileiras se adaptassem. A ABIT acusa os chineses de venderem seus produtos como se fossem de Taiwan e outros lugares. Segundo a Abit, o déficit comercial do setor será de US$ 2 bilhões este ano.
Os calçadistas também estão assustados. No primeiro trimestre de 2008 aumentou em 57% a importação da China, comparado a 2007. Isso apesar da alíquota de importação de 35%. Os fabricantes de brinquedos, idem. A Associação Brasileira de Indústria de Brinquedos (Abrinq) diz que o acordo para limitar importação da China não está sendo cumprido. O déficit do setor, previsto para US$ 100 milhões este ano, pode superar os US$ 250 milhões.
E não é só o câmbio e o custo Brasil que prejudicam os negócios com a China, que impõe barreiras às carnes bovina, suína e de frango brasileiras. Mas um acordo bilateral entre os dois países é considerado difícil pelo representante do Ministério da Indústria e Comércio, Fábio Faria. "Os empresários não querem", disse.
"Mas existem nichos de mercado para os produtos brasileiros na China, inclusive para os bens manufaturados do Brasil", ponderou Tang. "O Brasil será obrigado a mudar, a fazer reformas estruturais para enfrentar a concorrência", disse o deputado Guilherme Campos. "Eu não sou otimista na relação com a China", concluiu Kaefer.
O programa sobre a China será reprisado sexta (08), às 4h e às 11h30; sábado (09), às 12h; domingo (10), às 9h30; e segunda (11), às 6h e às 10h.
Na próxima terça-feira (12), às 22h, o Expressão Nacional vai debater ao vivo a polêmica da aplicação da Lei de Anista para torturadores do regime militar. Sugestões e perguntas podem ser enviadas pelo email expressaonacional@camara.gov.
* Antonio Vital é apresentador do programa Expressão Nacional, da TV Câmara.
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