Os dois principais fatos políticos do dia de ontem (26) – a queda do ministro do Esporte, Orlando Silva, e a apresentação oficial do PSD – são frutos da mesma situação: a opção brasileira pelo que se convencionou chamar de “presidencialismo de coalizão”, uma opção que, segundo o professor Kurt Weyland, num artigo publicado no livro The Third Wave of democratization in Latin America (A Terceira Onda de democratização na América Latina- Cambridge University Press, 2005), produziu a “crescente sustentabilidade de uma democracia de baixa de qualidade” no Brasil (The growing sustaintanability of Brazil’s low-quality democracy). O artigo de Kurt Weyland é citado num livro recente, organizado pelo professor inglês Thimoty J. Power, da Universidade de Oxford, e pelo professor Cezar Zucco Jr., da Rutgers University, O Congresso por ele mesmo (Editora UFMG, 2011). Especificamente sobre este livro, vou falar mais abaixo.
Como diz, agora, Thimoty J. Power, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso “escreveu uma espécie de ‘manual do usuário’ para o presidencialismo de coalizão no Brasil”, que foi seguido “à risca por Lula” e – acrescento agora, porque o livro não entra ainda no atual governo – pela presidenta Dilma Rousseff. Diante do fato de que temos uma das maiores pulverizações partidárias do mundo, Fernando Henrique construiu uma sistema de coalizão que não era baseado em afinidades políticas ou ideológicas, mas na troca de apoio por benesses: cargos, poder de influência, verbas do orçamento, etc. Tratou de construir, a partir desse sistema, a maior base de sustentação que lhe fosse possível, para ultrapassar sempre os 60% necessários para aprovar emendas constitucionais. Lula seguiu na mesma balada. E agora Dilma, que consegue ter quase 80% de apoio na Câmara e no Senado.
De fato, como diz Kurt Weyland, a “sustentabilidade” de tal modelo “é crescente”, uma vez que a cada governo essa maioria só aumenta, e os governos conseguem, na grande maioria das vezes, o quorum necessário para aprovar os projetos de seu interesse. E é também verdade que tal modelo produz uma “democracia de baixa qualidade”. Porque ela é baseada numa troca de favores. Que, por um lado, transforma o governo numa usina de escândalos. E, por outro lado, gera uma situação que torna praticamente insustentável para a maior parte dos políticos e dos partidos sobreviver na oposição. Aí, voltamos aos dois fatos principais do dia.
É como se o Brasil fosse uma espécie de cidade do México política na maior parte do tempo. A cidade do México fica em cima de uma falha geológica que faz com que ela esteja submetida sempre a pequenos terremotos de baixa intensidade. Aqui, vivemos uma situação crônica de pequenos terremotos políticos, nunca com intensidade suficiente para derrubar governos. É uma situação de crise constante, que nunca tem a capacidade mesmo de produzir rupturas institucionais. Como a base não tem consistência ideológica ou afinidade de fato com os projetos políticos do governo, nenhuma votação importante tem de saída garantia de aprovação. Tudo tem que ser negociado, por tudo se paga um preço. Quando a base fica insatisfeita, quando o governo, por razões diversas, não entrega o que a base queria, vem o troco. Estão aí, agora, as dificuldades do governo em aprovar a prorrogação da DRU.
Os ministérios são sucursais desse esquema montado. Seus projetos bancam os interesses políticos dos partidos. Com desvios de verbas, em boa parte dos casos. Quando os esquemas são descobertos, gera-se a crise, e cai o ministro.
Como não se vislumbra outro modelo possível, quem sobrevive fica à espera de que a poeira do esquecimento cubra o escândalo para que tudo volte ao normal. Veja a declaração do líder do PR, Lincoln Portela, ao Congresso em Foco: o PR foi defenestrado do Ministério dos Transportes, acusado de arquitetar ali um esquema de corrupção, e Lincoln Portela diz que o partido, mesmo esculhambado, não irá para a oposição; vai lamber suas feridas e, provavelmente, voltará à base do governo.
E, assim, a oposição não consegue lucrar de fato com a situação, a não ser que os governos deixem de ser populares, como aconteceu com Fernando Henrique em seu segundo mandato. Sufocada por não se beneficiar das benesses daqueles que aderem, fica a oposição. E é por isso que parte dela resolveu agora migrar para o PSD, para ficar mais próxima desse esquema. Como mostrou o Congresso em Foco, o PSD levou um em cada cinco deputados que estavam na oposição.
Voltemos ao livro organizado por Thimothy J. Power e Cezar Zucco Jr. Ele é fundamental para quem queira entender como pensa o Congresso Nacional. Desde 1990, Thimothy, a cada quatro anos, submete os deputados e senadores brasileiros a uma pesquisa. Essa “Pesquisa Legislativa Brasileira”, como ele chama, permite a formação de um belo quadro do pensamento do Congresso brasileiro. E é esse quadro que ele consolida no livro.
E um dos capítulos do livro fala justamente sobre o que pensam os parlamentares sobre o presidencialismo de coalizão. Quando é feita a pergunta simples sobre o modelo, a maioria, mais de 60%, diz que o modelo é “benéfico” para o país. Natural, uma vez que eles são beneficiários diretos disso. Mas, quando se desce a detalhes, os parlamentares começam a admitir os problemas. Nada menos que 56%, por exemplo, admitem que o presidencialismo de coalizão induz “práticas fisiológicas”. E assim seguimos: até a queda do sétimo ministro de Dilma por denúncias de corrupção.
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