Acredito que valha a pena tornar mais conhecida uma resposta que dei no site do CMI a um comentarista sectário e desrespeitoso para com o Jacob Gorender, a quem acusou de haver jogado a toalha quando defendeu a necessidade de um estado democrático, ao invés da abolição pura e simples do estado.
A frase que ele citou do Gorender, de 2006, foi a seguinte:
“Eu considero que o Estado não vai desaparecer. A sociedade moderna é de tal maneira complexa, constituída de segmentos, não só de classes sociais, mas são os idosos, os homens, as mulheres, os profissionais de várias áreas, a diferença entre países. Quer dizer, tudo isso exige uma escala de prioridades. E quem é que vai tomar a iniciativa disso? É necessário um órgão superior que é o Estado. E que seja um Estado democrático, obviamente. Por isso eu falo em democracia…”
Preferi não partir para o bateboca costumeiro nesses fóruns virtuais, aproveitando, isto sim, a oportunidade para aprofundar a questão. Creio que as colocações abaixo contribuem para a reflexão sobre caminhos possíveis para a esquerda, agora que os trilhados no século passado parecem definitivamente exauridos.
O espontaneísmo poderá ter um novo papel?
O Gorender, como eu, procurou uma alternativa ao esgotamento dos modelos revolucionários do século passado. Mas, ao erigir coletivos minoritários, conjugados, como o novo sujeito da revolução, parece-me ter superestimado o poder de fogo e a disposição para atuação conjunta dos comunistas, anarquistas, gays, militantes ambientais, feministas, idosos, negros, desempregados, estudantes engajados, jovens revoltados, adeptos da descriminalização da maconha, etc., etc.
De certa forma, ele apenas substituiu o proletariado por essa espécie de sujeito revolucionário múltiplo, mas manteve os conceitos tradicionais, inclusive o da necessidade de uma vanguarda regendo a orquestra ao longo do processo, e também de um estado, ainda que democrático.
Partindo da mesmíssima constatação – a de que nossos desafios atuais exigem uma mudança profunda de estratégia e táticas -, eu cheguei à conclusão de que a era da internet faculta um novo tipo de espontaneísmo, com o Movimento do Passe Livre, os Occupy, os escrachos de ex-torturadores e outros protestos articulados pela web, as respostas imediatas às medidas autoritárias (proibição da Marcha da Maconha) e a posicionamentos antipáticos (churrascão da gente diferenciada), etc.
Isto tudo não irá muito longe em circunstâncias normais, pois a indústria cultural vai continuar mesmerizando seus públicos, sem que tenhamos como furar o bloqueio e fazer a consciência penetrar nas grandes massas bovinizadas (pois submetidas à lavagem cerebral ininterrupta do sistema).
Mas, com o agravamento da crise econômica capitalista e das catástrofes ambientais decorrentes das alterações climáticas, em meio ao caos que vai se estabelecer e à indignação dos viciados no consumismo quando sua droga escassear e eles sentirem os rigores da abstinência, poderá, sim, abrir-se uma janela revolucionária.
Então, esses grupos que desde já lutam nas ruas, com a experiência acumulada nos muitos confrontos que até então travarão, talvez somem forças para oferecer uma alternativa à sociedade. Ou seja, a vanguarda seria mais ou menos a que o Gorender anteviu, só vindo, contudo, a afirmar-se na fase superior, decisiva, da luta. Por enquanto, os coitadezas por quem os manifestantes paulistanos lutam continuarão vendo-os como vândalos, pois assim falou Globotustra…
Na hora da verdade, contudo, estará em jogo a própria continuidade da espécie humana, que o capitalismo conduz diretamente à extinção. Vamos torcer para que o instinto de sobrevivência, no frigir dos ovos, fale mais alto.
Por último: depois de tudo isto, haveria, com certeza, condições para substituir-se o estado pela democracia direta. Mas, difícil mesmo é chegarmos até lá.
Então, não há por que nos digladiarmos desde já em intermináveis arranca-rabos sobre o que virá depois.
Darmos um fim ao pesadelo capitalista será uma tarefa coletiva; idem, a reconstrução da sociedade por cima dos escombros da exploração do homem pelo homem. Se as pessoas conseguirem se libertar dos grilhões atuais, decerto encontrarão, no momento certo, os melhores caminhos para a instauração de uma sociedade de homens livres, igualitária e justa.
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