Cláudio Versiani*
O primeiro e grande erro é achar que Barcelona é Espanha. Não é. Mas ao mesmo tempo é Espanha sim. Um pouco confuso. Aliás, muito confuso. Pergunte a um catalão e a resposta é simples: Barcelona é a capital da Catalunha. Resta saber que diabo é a tal da Catalunha.
Para quem chega de cinco anos de Nova York, Barcelona à primeira vista é um paraíso. Lá na Big Apple se acorda com a sensação de estar atrasado, não importa muito saber para quê. O fato é que você está atrasado e pode começar a correr. E correr significa buscar o dinheiro, como faz todo mundo por lá.
Aqui a sensação é outra, completamente distinta. Está certo que a cidade é contemporânea, uma das mais importantes da Europa, blá blá blá. Mas a vida catalã tem outro ritmo e outro sentido. Calma. Aqui se conversa na rua, digo, parado na calçada ou nos cafés que estão em cada esquina e com suas civilizadas mesas e cadeiras ao ar livre. Peça um café, leia um periódico ou não faça nada, ninguém vai lhe molestar, muito menos o garçom.
A vida é para ser vivida e desfrutada com tranqüilidade. E isso fica claro mesmo para quem está chegando agora. Às duas horas da tarde, quase tudo fecha, supermercado, farmácia etc. Principalmente o etc. Os bancos funcionam até as 14h, tudo bem, eles abrem às 8h, mas assim mesmo 2 da tarde é cedo. No sábado o horário de fechamento do comércio é o mesmo. Depois das 14h, esquece. Só as grandes lojas ficam abertas. Alguns comerciantes trabalham aos sábados, mas escapam na segunda para compensar o esforço.
E você olha para a cidade e vê que tem muito dinheiro rolando por aqui. E de onde vem tanta plata? Ainda não descobri. A economia catalã é forte, “por supuesto”, o turismo é impressionante, mas ainda assim é pouco para se explicar a pujança da economia local. A Catalunha é o primeiro destino turístico da Espanha. Entre os turistas que visitam a Espanha, 25% vão ou vêm para a Catalunha. São mais de 13 milhões a cada ano. Barcelona fez a opção pelo chamado turismo jovem. Descobriram depois que a juventude não gasta muito. Um turismo mais sofisticado é a meta do momento. O que importa não é mais a quantidade de gente que chega por aqui e sim quanto cada um leva na carteira.
O boom imobiliário da Espanha, Barcelona incluída, é ou foi o segundo maior do mundo. Com a crise, o mico está rondando a Catalunha. A imagem mais apropriada seria um macaco em loja de louça. E tem muito prato se quebrando por aqui.
A quantidade de carros de luxo circulando por Barcelona assusta. Ferraris se vê aqui e ali. Os outros veículos de luxo, de outras marcas, se vêem em toda parte. Bons restaurantes, só com reserva, sempre lotados. E bom restaurante tem em toda parte. No quesito “comer e beber”, os espanhóis e, no caso, os catalães competem com os nossos patrícios portugueses. Um almoço nos dias da semana pode levar mais de duas horas, menos de uma hora e meia nem pensar.
E assim segue a vida na Catalunha. Muita calma pra pensar…
O país Catalunha tem Constituição, presidente, conselheiros e secretários – são ministros na realidade – e Parlamento. Autonomia?
“El Estatuto de autonomía de Cataluña es la norma institucional básica. Define los derechos y deberes de la ciudadanía de Cataluña, las instituciones políticas de la nacionalidad catalana, sus competencias y relaciones con el Estado y la financiación de la Generalitat de Cataluña.”
O Estatuto de Autonomia está neste link.
“El pueblo de Cataluña ha mantenido a lo largo de los siglos una vocación constante de autogobierno, encarnada en instituciones propias como la Generalitat – que fue creada en 1359 en las Cortes de Cervera – y en un ordenamiento jurídico específico recogido, entre otras recopilaciones de normas, en las «Constitucions i altres drets de Catalunya». Después de 1714, han sido varios los intentos de recuperación de las instituciones de autogobierno. En este itinerario histórico constituyen hitos destacados, entre otros, la Mancomunidad de 1914, la recuperación de la Generalitat con el Estatuto de 1932, su restablecimiento en 1977 y el Estatuto de 1979, nacido con la democracia, la Constitución de 1978 y el Estado de las autonomías.”
A autonomia se refere à cultura, turismo e habitação. Para os outros assuntos, quem dita as normas é a Espanha.
Um pouco difícil de entender, não?
Vamos tentando.
Não dá para pensar a Catalunha sem passar pela guerra civil e pela brutal ditadura de Francisco Franco. Barcelona foi a última cidade legalista a cair nas mãos ou garras do ditador. Franco fez questão de só entrar vitorioso em Madri depois de conquistar Barcelona.
A ditadura de Franco começou oficialmente em 1939 e acabou 36 anos mais tarde, quando o Generalíssimo morreu em 1975.
Um pouco da história da ditadura está na coluna “Franco ainda está morto”.
A ditadura reprimiu a cultura catalã, melhor seria dizer suprimiu. Até a língua catalã foi proibida, sem falar nos assassinatos e fuzilamentos.
Até hoje, para alguns catalães, Madri representa a repressão. O que vem de lá não presta, seja o que for. Pode ser o jornal El País ou qualquer outra coisa. O símbolo do desprezo por Madri é mesmo o time da capital da Espanha. Se o “Fútbol Club Barcelona” é venerado, o Real Madrid é odiado e é o diabo.
Se bem que a religião católica não é o forte dos catalães, mais um resquício da época franquista que instituiu o catolicismo como religião única e obrigatória.
O que faz sucesso por aqui é a própria Catalunha. Ninguém diz ou assume, mas existe um sentimento no ar, que obriga os catalães a serem melhores do que os espanhóis em tudo e por tudo.
Mas isso é papo para a próxima coluna. Por enquanto, vou tentando aterrissar em Barcelona. Para quem viveu e sobreviveu na cidade mais louca do planeta, isso aqui é uma bela pausa. Uma boa siesta merecida e olha que nem precisa colocar o pijama como têm por hábito os catalães mais velhos.
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