Cláudio Versiani, de Nova York*
Quem presenciou os atentados terroristas às torres do World Trade Center não se esquecerá jamais do acontecimento. Não é só a imagem da destruição que ficará gravada para sempre no cérebro, é também o som, o cheiro, a poeira e o gosto amargo da tragédia. Enfim, o atentado marcou os cinco sentidos e, literalmente, ainda está dentro das pessoas. Passados quase cinco anos, o 11 de Setembro continua fazendo vítimas, por mais que as chamadas autoridades não admitam ou não queiram admitir o fato. O detetive James Zadroga, da Polícia de |
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NovaYork, morreu no último dia 5 de janeiro. Zadroga trabalhou vários dias ajudando na limpeza do Ground Zero (mais conhecido no Brasil como Marco Zero), logo depois que as torres despencaram. O detetive passou mais de 500 horas no local. |
A autópsia revelou que o detetive morreu de falência respiratória causada por exposição à poeira tóxica. O resultado se transformou numa grande polêmica. A prefeitura de Nova York não aceita que o detetive tenha morrido em conseqüência do trabalho de limpeza do World Trade Center. A associação dos policiais, alguns médicos, pesquisadores e muitos advogados não concordam. Como sempre acontece na terra de Tio Sam, a disputa foi parar nos tribunais e promete se arrastar por muitos anos. A família de Zadroga preferiu não entrar com nenhuma ação judicial.
Zadroga é mais um numa macabra lista de policiais, bombeiros, médicos, paramédicos, e voluntários que trabalharam na limpeza do Ground Zero.
Timothy Keller, 41 anos, e Felix Hernandes, 31 anos, ambos da equipe médica de emergência, morreram em junho e dezembro de 2005, respectivamente. Uma ação coletiva reclama que outros 40 trabalhadores morreram por exposição ao ar tóxico do lugar. Eles fazem parte de uma segunda leva de vítimas dos atentados às torres do World Trade Center. Mas para se provar cientificamente que as mortes estão relacionadas à exposição das toxinas do Ground Zero talvez leve uns 20 anos, explicam os especialistas. Os 7.300 trabalhadores que entraram na Justiça pedindo indenizações de seus empregadores vão ter de esperar um bom tempo. Talvez tempo demais.
O médico que fez a autópsia em Zadroga declarou em entrevista: "Eu não posso entender como alguém que viu o que eu vi nos pulmões (do detetive) e sabendo que ele esteve exposto ao Ground Zero não faça as mesmas ligações que eu fiz". A família de Zadroga também acredita que as toxinas do WTC foram responsáveis pela morte prematura do policial de 34 anos.
Em outra ação judicial, esta contra a agência do governo federal que monitora a qualidade do ar, residentes e alunos das escolas da área perto do WTC reclamam que a agência garantiu que o ar estava limpo semanas após o atentado. Hoje se sabe que o local estava contaminado por resíduos de fibra e lã de vidro, além de amianto e outras substâncias tóxicas.
Os trabalhadores que participaram da árdua tarefa de limpar os prédios em volta do WTC também foram expostos às mesmas toxinas. A paranóia se estabeleceu entre eles. A cada dia que um deles apresenta os sintomas de doenças respiratórias ou desenvolve um câncer, os trabalhadores ficam imaginando quem será o próximo da lista. O primeiro sinal de complicações tem nome, foi batizado como "tosse do WTC".
Três bombeiros morreram de doenças pulmonares, mas a corporação não confirma que eles tenham morrido por ter participado da limpeza do Ground Zero. O Departamento de Polícia, que também tem sua lista de vítimas, muito menos. Mas as associações de classe da polícia e dos bombeiros e as famílias pensam de forma diferente. Eles estão lutando para reativar os programas de monitoramento da saúde dos trabalhadores. Na nação mais rica do planeta, esses programas estão desativados sob a alegação de falta de dinheiro, enrolados numa burocracia digna de país de quarto mundo.
A resposta da prefeitura de Nova York enfureceu os familiares dos mortos e dos doentes. Para ela, os grandes culpados são os próprios trabalhadores, que se recusaram a trabalhar de máscara, mesmo quando os supervisores pediam que usassem os equipamentos. Eles simplesmente ignoraram as regras de segurança, diz um comunicado da prefeitura.
Os advogados rebatem. Na maioria das vezes, dizem, só existiam máscaras de papel que perdiam a eficiência algumas horas depois, permitindo assim a passagem das toxinas.
O detetive James Zadroga deixou uma filha de quatro anos. Ela vai receber uma pensão apenas parcial porque legalmente o pai não morreu em serviço. O presidente da Associação dos Policiais, Michael Paladino, disse ao jornal Daily News: "Nós não podemos virar as costas a quem respondeu de pronto para ajudar no WTC. Nós temos que fazer o que é certo. Eles são heróis e assim devem ser tratados".
Mas parece que a fase do heroísmo já passou ou, como disse a mãe de Zadroga, as autoridades "não querem mexer com uma situação problemática e provavelmente estão mais preocupadas com a quantidade de dinheiro que terão que gastar".
A fumaça do World Trade Center ainda paira sobre Nova York e, junto com ela, uma grande vergonha se abate sobre a cidade.
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