Ronaldo Brasiliense
A eleição acabou, Lula será presidente por mais quatro anos, e a Amazônia, com seus 25 milhões de habitantes e dois terços do território nacional, foi a grande esquecida na campanha. O futuro da maior floresta tropical úmida e do maior rio do mundo em extensão e volume d’água foi ignorado nos debates entre Lula e Alckmin e até mesmo na disputa entre os candidatos ao governo dos nove estados que compõem a chamada Amazônia legal.
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, bem que tentou criar um factóide na reta final da campanha eleitoral, divulgando os índices de desmatamento na Amazônia no período de agosto de 2005 a agosto de 2006, mas o tiro saiu pela culatra: embora a taxa registrada no último ano do governo Lula tenha sido menor – talvez em função da pressa em divulgar os números preliminares coletados pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) antes do segundo turno eleitoral – a quantidade de floresta derrubada na Amazônia durante toda a gestão de Lula foi maior do que em qualquer um dos mandatos do tucano Fernando Henrique Cardoso.
De acordo com os dados do Prodes, sistema utilizado pelo Inpe para calcular o desmatamento, durante os quatro anos do governo Lula (2003-2006), foram derrubados 84.473 quilômetros quadrados de floresta, a uma média anual de 21.118 quilômetros. No primeiro mandato de FHC, o Brasil perdeu 77.830 quilômetros quadrados a uma velocidade média de 19.457 quilômetros quadrados por ano. FHC e Lula foram responsáveis, portanto, por desmatamentos numa área superior a cinco vezes a do estado de Alagoas.
É bom que se diga, antes que apareça um ardoroso petista dizendo que estou crucificando o presidente Lula: entre agosto de 1994 e agosto de 1995, em parte do primeiro mandato de FHC, portanto, o Brasil registrou a maior destruição de mata virgem na Amazônia: foram 29.059 quilômetros quadrados de florestas derrubados. O triste feito quase foi repetido dez anos depois, no governo Lula. Entre 2003 e 2004, sumiram 27.200 quilômetros quadrados de floresta, principalmente para dar lugar a pasto de gado e plantações de soja.
No segundo mandato tucano (1999 a 2002), foram ao chão 74.855 quilômetros quadrados de floresta, a uma média de 18.713 quilômetros por ano. Tanto em números absolutos quanto em média, o petista bateu o tucano em seus dois mandatos. Não é pouco para um governo que levou para a área ambiental o carisma de Marina Silva e uma legião de técnicos cooptados de ONGs ambientalistas como Greenpeace, WWF, ISA e outras menos votadas. Os verdes, no poder, amarelaram.
Os índios – mais de 80% deles estão na Amazônia – também foram sumariamente esquecidos pelos candidatos. Se FHC pouco fez pelos índios, Lula – pelo histórico grau de comprometimento com a causa – decepcionou. É verdade que os 600 mil indígenas brasileiros tiveram um notável crescimento populacional e obtiveram mais terras no governo Lula. Mas, por outro lado, ocorreu uma visível deterioração no atendimento na área da saúde. Os indicadores são os piores possíveis: aumentou o número de mortes causadas por desnutrição infantil entre os caiovás, do Mato Grosso do Sul; a malária ressurgiu com toda força entre os ianomâmis, de Roraima, e os casos de tuberculose aumentaram em várias etnias, em diversos estados.
O livro editado pelo acreditado Instituto Socioambiental (ISA) sobre o tema exibe ainda o recrudescimento de epidemias, como doenças sexualmente transmissíveis – como ocorreu no Parque Nacional do Xingu – e casos de hepatite B e D no Vale do Javari, no Amazonas.
Ao fazer um balanço do período, os organizadores da obra, os antropólogos Beto Ricardo e Fany Ricardo, observam que o atendimento sanitário piorou no governo de Lula em decorrência de dois fatores: a excessiva burocratização do setor e a influência política ao qual ele foi exposto.
A taxa de mortalidade infantil, importante indicador das condições de vida, aumentou entre 2004 e 2005. Ela tinha caído de maneira acentuada nos dois primeiros anos da década. Com Lula, primeiro a queda perdeu o ritmo e, finalmente, deu lugar ao aumento dos óbitos em 2005. Para o vice-presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), Saulo Feitosa, a precariedade na saúde indígena ocorre devido à terceirização dos serviços, iniciada por Fernando Henrique e mantida por Lula.
Embora o orçamento do setor tenha aumentado, com maior repasse de verbas para ONGs, o atendimento piorou. Sem esquecer que, como ressaltou Feitosa, o governo Lula loteou entre políticos do PT e do PMDB os cargos da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), a instituição responsável pelo serviço na área indígena.
Os próximos quatro anos mostrarão para os brasileiros – e para o mundo – os erros e acertos da política ambiental do governo Lula. Isto num momento crítico em que a política energética do governo federal contrapõe estrelas reluzentes do governo Lula, lideradas pelas ministras Dilma Roussef, da Casa Civil, e Marina Silva, do Meio Ambiente, em torno da construção de usinas hidrelétricas na Amazônia: uma no rio Madeira (Santo Antônio), em Rondônia, e outra no rio Xingu (Belo Monte), no Pará.
Discussões fundamentais para o futuro da Amazônia como essas, sobre a construção de novas usinas hidrelétricas, foram esquecidas pelos candidatos. Depois do fato consumado, restará um longo tempo para se lamentar sobre desastres ambientais como o da usina hidrelétrica de Balbina, no rio Uatumã, no estado do Amazonas, construída no final da ditadura militar, um verdadeiro monumento ao desperdício de dinheiro público e ao descaso dos brasileiros para com um patrimônio nacional de valor inestimável, como é a Amazônia.
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