Marcos Magalhães*
A Convenção sobre Diversidade Biológica, que já entrou em vigor há mais de dez anos, tem dois objetivos que todo o mundo aceita e aplaude: a conservação da biodiversidade e o uso sustentavel da natureza. Mas países ricos e pobres se dividem na hora de discutir a terceira meta da convenção: a repartição justa e equitativa dos benefícios do uso dos recursos genéticos do planeta.
As divergências, já esperadas, ficaram um pouco mais nítidas durante a 8ª Conferência das Partes sobre Diversidade Biologica (COP 8), realizada em Curitiba. Países ricos e pobres não chegariam mesmo nessa conferência a um entendimento sobre a criação de um regime internacional de divisão de benefícios pela utilização dos recursos genéticos. Mas colocou-se em jogo até mesmo a possibilidade de se alcancar um acordo até a próxima conferência, COP 9, prevista para dentro de dois anos.
Muito dinheiro está em jogo, naturalmente. Pelo menos US$ 100 bilhões são movimentados no mundo, a cada ano, em produtos cosméticos e farmacêuticos que tenham base em amostras da diversidade biológica, como extratos de plantas ou microorganismos. Até hoje, apenas os laboratórios internacionais têm lucrado com esse negócio. A maior parte dos recursos genéticos utilizados vem de países pobres, onde estão situadas as florestas remanescentes do planeta.
Caso um regime internacional venha a ser aprovado, cada patente a novo produto baseado na biodiversidade dependerá da apresentação de um certificado de origem e procedência legal. Ou seja, a biopirataria poderia vir a sofrer um forte ataque. Sem o estímulo da atual impunidade, laboratórios internacionais poderiam pensar duas vezes antes de usar extratos de plantas, por exemplo, colhidos ilegalmente.
As dificuldades encontradas até aqui nas discussões, porém, indicam que ainda se poderá esperar um bom tempo – pelo menos dois anos – para que um regime como esse comece a entrar em funcionamento. Os países ricos em biodiversidade, naturalmente, terão muito a perder com a demora. Especialmente aqueles das regiões mais pobres da África e da Ásia, que lutam desesperadamente para aumentar suas receitas em moeda forte.
Detentor de 20% a 30% da diversidade biológica do planeta, o Brasil certamente sairá no lucro no momento em que um regime internacional dessa natureza for aprovado e entrar em funcionamento. Mas o país não deveria esperar sentado por uma solução global. Em primeiro lugar, e disso o governo já cuida, precisamos de uma boa legislação nacional para regulamentar o acesso, aqui mesmo, dos recursos genéticos. Um projeto de lei com esse objetivo deve ser enviado em breve ao Congresso Nacional.
Em segundo lugar, o Brasil precisa passar a pensar nos seus recursos genéticos de uma forma mais ativa do que passiva. Será muito bom que o governo passe a receber uma compensação pelo uso dos recursos naturais do país, como deve vir a estabelecer o novo projeto. Mas será ainda melhor o dia em que o país vier a encarar a sua biodiversidade como uma das melhores oportunidades de que dispõe para unir os esforços de sua pesquisa e de sua indústria.
Se famosos perfumes internacionais, como o Chanel 5, usam extratos de plantas brasileiras em sua composição, por que outras plantas a serem descobertas não podem servir de base a novos cosméticos idealizados aqui mesmo? Se grandes laboratórios internacionais costumam recorrer aos recursos genéticos brasileiros na pesquisa de novos medicamentos, por que as nossas instituições de pesquisa na Amazônia não podem aproximar-se da indústria nacional e indicar as possibilidades de novos investimentos para a produção de fármacos? Empresas brasileiras já deram os primeiros passos nessa direção, mas as possibilidades de crescimento do setor são muito grandes.
Até hoje, o governo brasileiro tem mencionado a possibilidade de criação de uma política industrial para setores como microeletrônica e software. Nada contra. Afinal, são setores que crescem a taxas aceleradas em todo o mundo. Mas se existe uma área em que o Brasil tem uma vasta vantagem comparativa, esta área e a da biodiversidade. Em poucos setores, uma política industrial bem definida – e que venha a promover a aproximação da pesquisa e da indústria – poderia vir a ser tão útil para o país.
Deixe um comentário