“(…) não deixe de ser nunca a eterna dançarina do efêmero; e em sua incalculável imperfeição, constitua a coisa mais bela e mais perfeita de toda a criação inumerável.” Vinicius de Moraes
Nos últimos instantes de 2011, eu estava bem no meio da Puente de La Mujer, em Puerto Madero, Buenos Aires – infere-se, nos primeiros instantes deste ano também. Alguém aí imagina um começo melhor para 2012, justamente quando eu “homenageio”, pela quinto ano consecutivo aqui neste espaço, a mulher – com ou sem ponte? Trata-se de uma (já?) tradição: eu sento em um lugar jamais qualquer, reúno minhas melhores lembranças e inspirações, e escrevo para vocês (por favor, amigos homens, sintam-se excluídos deste texto, mas o leiam mesmo assim…). Acabo de ficar muito tempo, no nobre propósito do capricho, tentando achar um vídeo no Youtube – nada é em vão, mas não o encontrei. Logo mais, trataremos desse filmete de uns 30 segundos. Inevitavelmente, este texto manterá a “tradição” e veiculará vídeos. Amor é assim mesmo.
Tendo sido agraciado pelo réveillon na “ponte da mulher, eu pensei em seguida: é óbvio que vou iniciar o texto-loa mencionando o privilégio. Além de Deus e dos mais nobres e bondosos anjos, eu estava acompanhado de uma pessoa especialíssima e homônima da mestra Clarice Lispector – na verdade, Haia é o nome batismal da escritora para quem as mulheres, quando comem docinhos, o fazem com a “delicadeza dos roedores”. Lembrei-me disso sem ter a mínima ideia do porquê. Pisciano é assim mesmo.
E sem ter a mínima ideia de como, vou continuar este texto. E farei diferente neste ano: não vou “homenagear” nominalmente, como fiz no ano passado, ao direcionar meus suspiros para Pola Oloixarac (a escritora-musa), Diana Krall (a cantora-pianista), Marta (a Pelé de saias), Amy Whinehouse (o que era aquela mulher?) e Dilma Rousseff (?!). É muita injustiça com tantas sílfides que merecem ser citadas nos mais belos textos de Olavo Bilac, em poema, e de Chico Buarque, em canção. É muita injustiça com minha mãe, por exemplo. Lindas homenagens serão prestadas neste 8 de março – véspera de meu aniversário, aliás. E eu faço das mais nobres minhas palavras, meus próprios tributos. Jornalista é assim mesmo.
Então, voltemos àquele humilde primeiro parágrafo para falar do tal filmete. Trata-se de uma cena de Ruas de fogo (Streets of fire, 1984), o filme que mais marcou a minha adolescência – romântico nato, eu não ia me deixar seduzir pelo intelecto estelar de Federico Fellini. Fui de Walter Hill mesmo. Na tal cena, a cantora protagonista, a mais estelar ainda Ellen Aim (vivida lindamente por Diane Lane) está em um momento, digamos, “memórias” e aparece interpretando “Never be you”, baladinha da californiana cinquentona Maria Louise Mckee (confira aqui – a baladinha, não a cena supracitada –, mas releve a animação teenager e a tradução tosca):
A cena é indescritivelmente sublime, por mais prosaica: na reclusão de sua casa, e com a boca surreal a dominar a câmera, Ellen estava a lembrar do ex-namorado Tom Cody (Michel Paré), um ex-combatente sem rumo. E (ainda) apaixonado. Homem é assim mesmo.
Bem, qualquer um de vocês pode comprar o DVD ou mesmo baixar o filme na internet. Vale muito a pena. Como não consegui achar o vídeo, registro aqui outra cena musical do longa, no último instante dele, em que Diane Lane mostra por que é a mais bela atriz de cinema de sua geração – com o devido pedido de licença a Kelly Mcgillis, Brooke Shields e Jodie Foster. Pra ficar só nas gringas, já que estamos falando de um filme gringo. Com sua permissão, Sônia Braga.
Eis o momento em que, lá nos idos dos anos 80, vi muita menina chorar ao meu lado durante a exibição no vídeo cassete lá de casa – balzaquiano é assim mesmo… (aí, galera da cueca, vocês acreditam que o sujeito foi embora e deixou a mina dando sopa no palco? A partir dos 3 minutos e 47 segundos de filme, a linda sente uma fisgada no peito por causa da ida do mané… pode? Vejam aí…)
Bem, retomemos o fôlego, ajustemos o tênis Topper e voltemos à caminhada textual. E agora para cometer uma “traição” ao que eu disse lá em cima: vou declarar cada letra deste texto a Diane Lane – com a obrigatória extensão, por óbvia e até atávica analogia, a todas vocês que (ainda!) lêem estas linhas. Algum “internerd” perturbado deve gostar dela a ponto de ter feito um tributo musicado com passagens da obra da bela. Esse vídeo não tive dificuldade em achar.
A partir do instante 3:03, ela mostra por que merece minhas flores totais em 2012. E agora, embora pareça que a homenagem às mulheres se transmute em um presente a quem tanto as ama, esclareço que não é nada disso. Esse registro não é uma celebração masculina. Ouso parafrasear Vinicius em “Receita de Mulher” e digo que todas as mulheres do mundo vieram à vida com a suprema beleza: elas nos completam e justificam a existência. Por tudo o que é mais sagrado, elas sempre estão ao redor. Deusas são assim mesmo.
http://www.youtube.com/watch?v=W6tVxAwAEx0
P.s.: o primeiro texto, de 2008, reunia Chico Buarque, Cartola e outros davam início à empreitada e viam “flores em vocês”; no texto do ano seguinte, “mais flores em vocês” eram lançadas com ainda mais verve, e a “alvorada do amor” de Bilac realizava um sonho meu; em 2010, já na condição de pré-clássico, o texto fazia menção à “menina do pedido de criança” – eu chorava ao escrever; no ano passado, ousei registrar um micropoema ao fim do texto, tudo para mostrar a “auto-homenagem” que vocês são. Tomara que gostem do texto deste ano, até porque teremos uma longa jornada em perene aprimoramento – serão mais 62 textos anuais até meu último suspiro, aos cem anos. E prometo: “Apenas seguirei, como encantado, ao lado teu”;
P.s.2: Clarice e Chico são os mais assíduos nas minhas homenagens. Para o mestre, peço emprestada “Todo sentimento”, na voz de uma mulher. Verônica Sabino também merece buquês diários, mestre…