Cláudio Versiani, de Nova York* |
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A estrada para o aeroporto de Bagdá é sabidamente um dos lugares mais perigosos do Iraque. No sábado 16 de abril, mais três mortes confirmaram a má fama da estrada. Marla Ruzicka, 28 anos, uma norte-americana da Califórnia, e dois iraquianos estavam no lugar errado na hora errada. Um homem-bomba atacou um comboio de seguranças. O carro de Marla estava passando pelo comboio naquela hora. Ela e seus dois ajudantes morreram no atentado. Marla lutava outra guerra. Ela trabalhou com vítimas da Aids no Zimbábue, com refugiados na Palestina e camponeses na Nicarágua. No Afeganistão, descobriu as vítimas civis da guerra. Em 2003 foi para o Iraque, porque achou que ali precisavam mais dela. Publicidade
Aos 15 anos de idade, já era uma ativista. Aos 20, juntou-se ao Global Exchange, uma ONG de direitos humanos da Califórnia. Em 2003 fundou o Civic (sigla que significa campanha para as vítimas inocentes de conflitos), sua agência para ajudar as vítimas civis da guerra. Publicidade
Bombas não escolhem suas vítimas. Bombas são artefatos estúpidos. Elas explodem e matam, pronto. Ou como dizia Marla: “…cada morte, cada ferido ou casa destruída representa uma história e alguém necessitando de ajuda.” No Iraque ela trabalhava 15 horas por dia, indo de porta em porta, perguntando sobre as vítimas da guerra. Usava um lenço na cabeça e uma abaya, vestido árabe, que cobria seu corpo do pescoço aos pés. O lenço escondia seu cabelo louro, e a roupa negra disfarçava sua aparência de gringa. Ser estrangeiro no Iraque é ser potencial alvo de seqüestro ou morte. De fato, só não corre risco de morte no Iraque quem morto já está. PublicidadeCom a ajuda de 160 voluntários iraquianos, ela conseguiu contabilizar 2082 civis mortos, 4083 feridos e 1657 casas ou estabelecimentos comerciais destruídos. Em dezembro de 2004, os dados do Departamento de Estado Americano apontavam 440 mortos e 2470 feridos. Fazendo lobby junto ao Senado norte-americano, ela conseguiu que o governo dos Estados Unidos destinasse US$ 3,5 milhões para o Afeganistão e US$ 20 milhões para o Iraque. A administração George Bush nunca demonstrou muito interesse em ajudar as vítimas civis da guerra, mesmo porque, para o Pentágono, isso é uma confissão de culpa dos erros da guerra, normalmente chamados de “danos colaterais”. Numa coletiva de imprensa no Afeganistão em dezembro de 2002, o General Tommy Franks, que comandou as tropas norte-americanas no Iraque, disse: “Nós não contamos corpos (cadáveres)”. A máxima do general, que hoje está aposentado, parece que ainda é regra. “Contar” os civis mortos continua não sendo uma prioridade para os militares. Outros ativistas humanitários foram mortos no Iraque. Margareth Hassan, uma inglesa da Care International foi seqüestrada e morta em novembro passado. Quatro religiosos norte-americanos também foram mortos em março de 2004, perto da cidade de Mosul. Marla é a numero 6 nessa infame lista. Seus dois ajudantes estão na lista, igualmente infame, das vítimas civis da guerra do Iraque. Um oficial norte-americano que chegou ao local do atentado minutos após a explosão ainda viu o carro em chamas. Marla estava com o corpo todo queimado, mas ainda consciente. Um médico que prestou os primeiros socorros ouviu as suas últimas palavras: “Eu estou viva”. A mãe de Marla disse que vai se lembrar para sempre do amor que sua filha espalhou pelo mundo. O diretor da Global Exchange comentou: “É uma terrível tragédia e uma trágica ironia que alguém que dedicou sua vida ajudando as vítimas da guerra tenha se tornado ela mesma uma vítima da guerra”. Ajudar aos outros era a maneira como ela se sentia viva. Perguntada por um repórter se não preferia outro tipo de trabalho um pouco mais seguro, Marla respondeu: “Ter um trabalho em que você possa melhorar a vida das pessoas? Isso é abençoado”. A norte-americana seguiu seu caminho na contra-mão da história até que uma bomba numa estrada em Bagdá interrompeu sua trajetória. Marla merecia estar viva, e os iraquianos não mereciam estar morrendo. Se toda guerra é estúpida, essa parece ser um pouco mais. |
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