Pela primeira vez, os candidatos foram obrigados este ano a informar sua cor à Justiça eleitoral. O balanço final não poderia ser mais revelador das contradições de um país que se fez, como poucos no mundo, da mistura de raças e se cobriu historicamente sob o manto da “democracia racial”, tese pela qual todos viveriam harmonicamente e em igualdades de condições, independentemente de sua raça.
Passados 126 anos da Lei Áurea, que aboliu oficialmente a escravatura, os parlamentos e o comando dos Executivos brasileiros ainda são de acesso restrito a pretos e pardos – dois dos termos empregados no Censo pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) para definir a cor dos brasileiros. Embora representem mais da metade da população e do eleitorado, esses grupos conquistaram apenas 24% das cadeiras em disputa.
Dos 1.627 candidatos eleitos, 1.229 se declararam brancos (76%). Os pardos ficaram com 342 vagas; os pretos, com 51; os amarelos (de origem oriental), três, e os indígenas, duas. Os dados são de levantamento da Revista Congresso em Foco com base nas informações prestadas pelos eleitos ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
O critério utilizado pelo TSE foi o da autodeclaração, feita em alguns casos pelo próprio candidato ou pelo diretório partidário. A lógica das urnas repete o que se vê nas grandes empresas e repartições públicas: quanto mais alto o cargo, menor a chance de um negro ocupá-lo. Dos 27 governadores eleitos, 20 são brancos. Nenhum se diz preto ou indígena. No novo Congresso, de cada 100 cadeiras, 80 serão ocupadas por políticos que se definem como brancos. Dos 540 congressistas eleitos, 81 deputados e cinco senadores se declararam pardos e apenas 22 eleitos para a Câmara se identificaram como pretos. No Senado, não há um negro sequer entre os 27 recém-eleitos. Atualmente existem apenas dois que assim se definem: Paulo Paim (PT-RS) e Magno Malta (PR-ES), ambos na metade do mandato.
As cores da eleição
Como os 1.627 candidatos eleitos em 2014 se declararam à Justiça eleitoral e a desproporção entre o resultado das urnas e a representação racial da sociedade
Eleições 2014 | Brancos | Pardos | Pretos | Amarelos | Indígenas |
Presidente da República | 1 | – | – | – | – |
Governadores | 20 | 6 | – | 1 | – |
Senadores | 22 | 5 | – | – | – |
Deputados federais | 410 | 81 | 22 | – | – |
Deputados estaduais | 776 | 250 | 29 | 2 | 2 |
Eleitos | 1229 | 342 | 51 | 3 | 2 |
Como se classificam | % da população | % de eleitos | |||
Brancos | 47,7 | 75,6 | |||
Pardos | 43 | 21 | |||
Pretos | 7,6 | 3,1 | |||
Amarelos | 1,1 | 0,2 | |||
Indígenas | 0,4 | 0,1 |
Apartheid
“O negro vive um apartheid social no país em relação à representação parlamentar. Aquele mesmo modelo segregacionista que a gente criticava na África do Sul existe por aqui de forma clara”, critica o filósofo Alexandre Braga, diretor de comunicação da União dos Negros pela Igualdade (Unegro) e defensor de cotas raciais para as eleições legislativas. Pesquisas indicam que os negros e pardos até conseguem se candidatar em níveis próximos ao de sua representação na sociedade. Mas, esmagados por problemas como falta de espaço nos grandes partidos e de captação de recursos financeiros para bancar suas campanhas, acabam engolidos pelo atual modelo eleitoral, assim como as mulheres.
“Este país é plural, mas isso não se traduz em sua representação política, que não tem nada a ver com o povo brasileiro”, afirma a deputada estadual Leci Brandão (PCdoB-SP), reeleita para o seu segundo mandato. “Isso acontece porque o sistema político só favorece quem tem dinheiro. Quem não tem fica sem representatividade e suas pautas não são atendidas”, reforça. Além da sambista, apenas outros dois parlamentares se declaram negros entre os 94 deputados estaduais de São Paulo.
Racismo
A presença tímida de negros e pardos nos cargos eletivos contrasta com o seu predomínio nos mapas da exclusão social. Eles estão no topo do ranking das vítimas da violência urbana e do contingente da população de baixa renda e escolaridade. Presidente da Comissão da Igualdade Racial da Assembleia da Bahia, o deputado Bira Corôa (PT) acredita que os obstáculos para o negro avançar na política começam na educação e no emprego, cujos indicadores, em geral, são inferiores aos dos brancos. “Apesar das conquistas sociais com as cotas e a melhor distribuição de renda, a estruturação dos poderes ainda é racista”, critica o deputado estadual, que ficou na primeira suplência de sua coligação. Há apenas dois negros entre os 63 eleitos para o Legislativo baiano, estado que reúne a maior população preta do país.
Para o historiador e cientista político Antônio Marcelo Jackson, da Universidade Federal de Ouro Preto, o racismo brasileiro é mais “sofisticado” do que o praticado em países onde negros e brancos historicamente não se misturam. Para ele, teses racistas ainda do século 19, que associam o branco ao trabalho intelectual e o negro e o índio à força física e às emoções, ainda exercem influência sobre o imaginário do eleitor brasileiro. “Nosso tipo de racismo não é de segregação espacial, como nos Estados Unidos e na África do Sul. Ele transita por outras esferas, como quem está ou não no poder. A pessoa pode adorar um jogador ou cantor negro, mas jamais votar em negro para cargo político”, exemplifica.
Embranquecimento
Uma das principais referências do movimento negro no país, o frei franciscano David dos Santos entende que as urnas evidenciam a dificuldade de grande parte dos brasileiros em assumir sua negritude. Um problema que atinge, segundo ele, tanto parcela dos candidatos eleitos que se declaram brancos mesmo não o sendo, quanto os eleitores que não votam em candidatos negros por não se sentirem por eles representados. “Não culpo aqueles que não se assumem porque eles também são vítimas da sociedade que implantou em todos nós a ideologia do embranquecimento, que está impregnada na mente do povo negro”, afirma o religioso, presidente da ONG Educafro e ativista das cotas raciais.
Para David, a mudança dessa realidade está em curso com o número crescente de jovens negros que saem formados das faculdades. Segundo ele, essa nova geração terá maiores condições de se fazer representar politicamente porque sabe da importância de reconhecer sua origem. “Hoje o negro não vota em negro porque não assume sua negritude. Quando crescer sua consciência vai balançar o poder branco. Quem não assume sua cor não tem condição de representar seu povo. A exclusão dos excluídos faz parte do jogo universal de manter que-brados os quebrados”, considera.
Veja a reportagem completa na Revista Congresso em Foco
Se você não é assinante do UOL ou da revista, entre aqui e faça a sua assinatura agora
Não concordo que “A lógica das urnas repete o que se vê nas grandes empresas e repartições públicas”, como colocado na matéria. São coisas completamente diferentes. Nessas é uma disputa baseada em formação, oportunidade das vagas e desempenho. Já nas urnas, sem nenhum desmérito à pessoa em si do deputado que citarei, elege-se até analfabeto como o Tiririca, e que votação hein!. Portanto o problema não é racismo como querem denotar os defensores de cotas. E se for, afirmo sem erro de errar que é racismo do preto com o preto e não do branco com o preto. Só para exemplificar: Se o Joaquim Barbosa tivesse sido candidato a presidente, muito provavelmente ele teria ganho as eleições.
Bom, o senhor é tão teórico que não vê na prática o que é eleição. Veja mais ao redor cara.
Não sou só teórico. Sou do meio político e com muita experiência em eleições, tanto que nas campanhas atuo nas cidades onde os candidatos para quem trabalho estão em pior situação e minha função é reverter o quadro, e sem querer me auto elogiar, não perco nenhuma. Na última, peguei as duas cidades onde Pezão mal tinha 2% e consegui fechar com 61% e 58% dos votos.
Se isso é desconhecer eleição na prática, continuarei assim!
Não tenho nenhum medo de ser politicamente incorreto.
Tem muito negro que só briga pela raça se for para ganhar algo.
Senão , ele é branquinho .