Com a pendência de dezenas de projetos sobre o tema da vez – a questão da segurança pública, na esteira da intervenção no Rio de Janeiro – o Senado preferiu promover nesta terça-feira (6) uma sessão temática que, em vez de servir para a votação de proposições, consumiu seis horas de discursos em plenário. Em plena terça-feira, dia normalmente reservado para apreciações importantes, parlamentares, ministros, militares e especialistas no assunto se revezaram no palco das decisões legislativas mundos de argumentos e sugestões. Ao final da sessão não deliberativa, o presidente da Casa, Eunício Oliveira (MDB-CE), resumiu a jornada de debates.
“Fizemos um debate aberto, franco, transparente. E eu acho que útil para toda a sociedade brasileira”, disse o emedebista ao sair do plenário.
Ao todo, 35 oradores expuseram suas opiniões em plenário – apenas três mulheres: Fátima Bezerra (PT-RN), Lídice da Mata (PSB-BA) e Simone Tebet (MDB-MS). Na maioria dos pronunciamentos, principalmente por parte dos governistas, o consenso expresso na sessão foi o de que há necessidade de união para enfrentar os problemas no combate ao crime.
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Desde o início da força-tarefa temática, proposta por Eunício no retorno do recesso parlamentar, senadores só aprovaram três dos projetos do pacote de segurança pública pautados para o plenário. Um deles, aprovado há um mês, determina a obrigatoriedade de bloqueadores de celular em presídios. O segundo, aprovado em 28 de fevereiro, libera recursos para o sistema penitenciário. O terceiro, também apreciado no mesmo dia, avalizou o poder de investigação da Polícia Federal sobre milícias e organizações criminosas.
Os três projetos seguiram para a análise da Câmara, que também adotou a pauta da segurança pública como prioridade, em articulação entre Eunício e o presidente daquela Casa, deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ). Em ano eleitoral, ambos foram pegos de surpresa com o anúncio da intervenção de Temer e, agora, buscam tirar algum proveito da pauta positiva e algum protagonismo nas ações de apelo popular – há pesquisas que já revelam os altos percentuais de aprovação das medidas de combate ao crime.
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Sob a tutela de Eunício, senadores agora vão priorizar a votação de propostas de alteração do Código Penal e da Lei de Execuções Penais. Também está pautado um projeto de lei que versa sobre a construção de colônias agrícolas para abrigar presos condenador por crime de baixa periculosidade. No local, os apenados poderão trabalhar e, remunerados pela produção, ajudar suas famílias.
Outro projeto exclui do Código Penal o atenuante para autores de crimes entre 18 e 21 anos e a redução do prazo de prescrição para menores de 21 anos. Relatora da matéria, a sanadora Simone Tebet já apresentou parecer pela aprovação e também ficou responsável pelo projeto que restringe a saída temporária de presos, endurece a pena para detentos que reincidirem em crimes durante o “saídão” e diminuiu a quantidade de dias ao ano em que condenados podem deixar a cadeia.
Participaram da sessão de debates desta terça-feira (6), entre outros, os principais ministros da gestão Temer envolvidos com a intervenção federal no Rio, como Raul Jungmann (Segurança Pública), Joaquim Silva e Luna (general que comanda a pasta da Defesa), Torquato Jardim (Justiça) e Sérgio Etchegoyen (general à frente do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência).
Crítica e loas
A longa jornada de debates alternou discursos moderados de especialistas com pronunciamentos efusivos de lado a lado – estes, divididos entre a defesa da intervenção, tarefa que coube à base aliada de Temer, e as críticas oposicionistas ao caráter “eleitoreiro” da medida de exceção. Ao final da sessão, Eunício encerrou o debate com os agradecimentos protocolares e, em mais cerca de cinco minutos de fala, disse que a discussão “preencheu um vazio necessário” a respeito da problemática da criminalidade.
“A parceria do Senado Federal e da Câmara dos Deputados é fundamental. Afinal de contas, nós somos o corpo legislador deste país e responsáveis por dar o amparo legal às ações que venham a ser tomadas – evidentemente não só de legislação, mas de legislação também. Nós temos responsabilidade, até porque nos nossos estados somos cobrados. ‘O que está acontecendo com a segurança? Tem jeito? O que vai ser feito?’. E não temos resposta porque temos, apenas, via imprensa, notícia do que se está planejando e de onde se está agindo”, disse o primeiro subscritor da sessão temática, Tasso Jereissati (PSDB-CE).
Um parlamentares mais críticos à gestão Temer, o líder do PT e do bloco Resistência Democrática, Lindbergh Farias (RJ) voltou a condenar a intervenção em seu estado. Diante dos artífices da ação militar, o petista defendeu que “política de guerra às drogas fracassou”.
“São 61 mil assassinatos por ano, 50% jovens, 77% jovens negros moradores das favelas, pois essa guerra acontece em territórios pobres. Todo mundo sabe que se vende droga em Copacabana, Ipanema e Leblon, mas ninguém faz guerra lá”, protestou o senador.
Mentira
Ex-líder do MDB no Senado e atualmente no papel de opositor a Temer, Renan Calheiros (AL) também subiu à tribuna para se pronunciar. Mas, diferentemente das ironias e alfinetadas que têm desferido contra o ex-aliado, muitas vezes em tom exaltado, moderou na crítica e até fez menção ao “legado” que o presidente e seus comandados podem deixar em termos de segurança pública. No entanto, o ex-presidente do Senado manteve o viés oposicionista e chamou de “mentira” a fonte de custeio apontada pelo governo para a intervenção.
“Tenho uma preocupação com o prestígio das Forças Armadas, que não pode incondicionalmente ser colocado à prova. O decreto precisava conter os meios de execução da intervenção – vamos chamar de intervenção. O decreto não continha. Até hoje, nós não temos uma definição clara dos recursos que pagarão a intervenção. Essa ideia de financiamento pelo BNDES para modernização e aquisição de equipamentos e construção de penitenciárias é uma mentira. Com todo o respeito, é uma mentira! Os estados estão falidos!”, discursou Renan, que lembrou ter votado a favor do decreto da intervenção quando a matéria foi levada ao plenário, em 20 de fevereiro.
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Protagonista do governo para a segurança pública, Jungmann fez um dos mais longos discursos do dia. “Gostaria de lembrar o que disse aqui o meu colega, o ministro Etchegoyen: ‘O crime se nacionalizou, algo com que o Constituinte de 1988 não lidava, e se transnacionalizou’. Se a globalização serve para os fluxos financeiros, para o transporte e para a informação, serve também ao crime”, declarou o ministro da Segurança Pública, mencionando o colega do Gabinete de Segurança Institucional e acrescentando que a pasta que comanda veio para ficar, seja quem for o sucessor de Temer. “Esse ministério não deixará de existir, porque ele é uma exigência.”
Também participaram da sessão o presidente da Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal), Edvandir Felix de Paiva; o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Renato Sérgio Lima; o secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, Dom Leonardo Ulrich Steiner; o conselheiro da Universidade Federal do Ceará e do Laboratório de Estudos da Violência, César Barreira; e o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, José Robalinho.
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