Com 55 votos a favor e 13 contra, com uma abstenção, senadores confirmaram em plenário a decisão tomada pela Câmara em autorizar a consecução da intervenção federal que, formalizada em decreto assinado na última sexta-feira (16) pelo presidente Michel Temer, dará às Forças Armadas a tutela da segurança pública do Rio de Janeiro. Aprovado o decreto, caberá ao presidente do Senado, Eunício Oliveira (MDB-CE), promover a devida publicação nos canais oficiais e comunicar o resultado da deliberação à Presidência da República.
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Nos termos da lei, só com a autorização do Congresso as tropas militares já instaladas no Rio de Janeiro podem entrar em ação, apesar de operações já estarem em curso no estado. A explicação das Forças Armadas é que estavam pendentes atividades concebidas durante a vigência da Garantia da Lei e da Ordem decretada, entre julho e dezembro do ano passado, em comunidades carentes do Rio.
A intervenção foi aprovada por deputados e senadores mesmo sem ainda ter sido detalhada – sequer há plano de incursão em áreas dominadas pelo tráfico, como lembraram alguns oposicionistas. Temer, primeiro chefe de Estado brasileiro investigado no exercício do mandato e a decretar intervenção federal após a redemocratização, tem aproveitado os casos de descontrole na segurança pública Brasil afora para anunciar providências complementares como a criação do que chamou, no último sábado (17), de “Ministério Extraordinário da Segurança Pública”. Além da determinação de tropas militares nas ruas do Rio de Janeiro, a ideia do emedebista é colocar logo em funcionamento a nova pasta para, segundo suas próprias palavras, evitar que os problemas do Rio transbordem para o resto do país.
Para elaborar parecer favorável ao decreto, Eunício designou o senador governista Eduardo Lopes (PRB-RJ) – suplente que herdou o cargo de Marcelo Crivella, eleito prefeito do Rio de Janeiro em 2016. Aliado fiel de Temer, o parlamentar repetiu a tese da inevitabilidade da intervenção em seu voto a favor da intervenção. “Claro que sabemos que a situação não é exclusiva do Rio de Janeiro. Sabemos que existe altos índices de violência em outros estados. Mas, sem dúvida, o Rio de Janeiro repercute muito mais, tanto internamente como internacionalmente”, discursou o senador, na tribuna.
“No momento em que nós vemos ladrões assaltando carrinho de cachorro-quente com fuzil, isso mostra que a situação realmente é grave. Arrastões por toda a cidade, o medo imperando, pessoas com medo de sair, cancelando compromissos, não participando de eventos sociais com medo da violência”, acrescentou.
A medida virou o tabuleiro político de cabeça para baixo no período pós-carnaval, quando o Congresso de fato voltou a trabalhar. Para a maioria dos governistas, trata-se de “medida extrema negociada” – como definiu no sábado (17) o próprio Temer – que se fez inevitável diante do caos fluminense. Nesse sentido, o discurso da base centra esforços na desconstrução da tese, patrocinadas por adversários de Temer, de que está em curso uma intervenção militar no Rio, já que o interventor é o general Walter Braga Netto, chefe do Comando Militar do Leste.
Para a oposição, foi a maneira que o governo encontrou para camuflar a insuficiência de votos para a reforma da Previdência, que já saiu de cena, bem como um jeito de “sair das cordas” na reta final de um mandato marcado por denúncias de corrupção e uma impopularidade que tem superado, renitentemente, 90% em todas as mais recentes pesquisas. Além do viés “eleitoreiro” e “midiático” da decisão, que pode agradar àquele eleitorado simpático ao recrudescimento do combate à criminalidade, acrescentam os oposicionistas – o que deputados como Paulo Teixeira (PT-SP) chamaram, na votação desta madrugada, de “bolsonarização” da gestão Temer.
Renan da zoeira
Foram cerca de três horas e meia de discussões. A sessão deliberativa extraordinária teve início às 20h24 e foi encerrada logo em seguida à aprovação do decreto, por volta da meia-noite. Ao contrário da Câmara, que consumiu mais de sete horas de debates até a votação da matéria, não houve discussões acaloradas entre senadores ou as já características vaias compartilhadas por deputados.
Mas o senador Renan Calheiros (AL), ex-líder do MDB de Temer, deu curso à sua nova condição de opositor ao governo para reverter o tom monocórdico dos discursos. Com intervenções iniciadas já no início da sessão, quase tirando Eunício do sério, Renan não se conteve diante da fala de alguns colegas e fez diversos apartes, mesmo sem previsão regimental. Assim, o emedebista subtraiu de alguns deles instantes preciosos de pronunciamento, uma vez que cada senador tinha cinco minutos para defender seus pontos de vista.
As senadoras Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM) e Gleisi Hoffmann (PR), presidente nacional do PT, foram duas das “vítimas” de Renan – que, apesar das duras críticas à gestão Temer e suas medidas “decorativas”, registrou voto a favor da intervenção. Ambas manifestaram preocupação com o transcorrer dos segundos suprimidos de seus discursos pelo senador alagoano, que recorreu em abundância a ironias e metáforas para atacar o governo. E, em meio ao azul predominante do plenário, deu coloração humorística à sessão.
Por volta das 22h, Vanessa apresentava seu rosário de argumentações e se encaminhava para o fim do pronunciamento quando Renan interveio. “Vossa excelência disse que me daria um aparte”, intercedeu o senador, prontamente atendido pela colega. “Só para uma indagação. Vossa excelência acha que é sanável, corrigível, o Senado não tomar nenhuma decisão diante da omissão com relação às condições de execução do decreto? Isso é uma questiúncula? É isso?”
“Não, senador Requião, não é uma questiúncula. E eu, inclusive digo a…”, retrucou Vanessa, mais uma vez interrompida depois de trocar os nomes dos pares. “Muito obrigado pelo ‘Requião’. O Requião é o nosso jurisconsulto primeiro”, treplicou Renan, referindo-se ao senador Roberto Requião (MDB-PR), que estava ao seu lado, e desnorteando Vanessa àquela altura da intervenção da senadora. Nas cadeiras azuis do plenário, sorrisos amarelos se multiplicaram.
Duelo verbal
Segundo os ritos regimentais, cinco senadores foram à tribuna para falar contra o decreto, e outros cinco para contestá-lo. Foram cinco minutos para cada um, solenemente desrespeitados não só em razão das interrupções de Renan, mas também pela conivência de Eunício.
Segundo a falar, a presidente do PT afirmou a situação no Rio de Janeiro já era crítica antes do carnaval deste ano e questionou porque medidas não foram tomadas antes da principal festa do estado. A senadora também questionou se a falta de ação foi proposital para “criar uma situação” para o decreto, criando assim um “fato político”. Gleisi questionou ainda os critérios usados para decretar a intervenção. “Será uma vergonha o que vamos fazer com as nossas Forças Armadas”.
Já a senadora Lúcia Vânia afirmou que o tema é uma preocupação da sociedade, não apenas da população do Rio de Janeiro. Ela citou dados de pesquisas para ressaltar preocupação da população fluminense e do resto do país com a questão da segurança pública.
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“É importante que ações sejam bem desenhadas para que resultados não frustem a população”, afirmou a senadora, destacando que, apesar de ser a favor do decreto, é necessário que as regras da intervenção sejam apresentadas o quanto antes.
Com discurso forte contra a medida, o senador Roberto Requião afirmou que o “Exército e Forças Armadas sairão completamente desmoralizadas dessa operação”, com o risco de se transformar em uma “espécie moderna de força nazista voltada contra o povo do Rio de Janeiro”, matando pobres, negros e discriminados. Para Requião, o decreto é uma “farsa publicitária sem os meios necessários” para dar certo, de maneira que uma intervenção no governo se fazia necessária.
Terceiro a encaminhar a favor do decreto, o senador Lasier Martins (PSD-RS) afirmou que na segurança pública brasileira “jamais se viu coisa igual e a criminalidade avança dia a dia”. Para ele, o que está em discussão não é o presidente Michel Temer, mas sim a vida da população do Rio de Janeiro. “Estamos diante de dias imprevisíveis”, afirmou o senador.
Antes de ser desnorteada pelas interferências de Renan, a senadora Vanessa Grazziotin também afirmou que o debate deve girar em torno do decreto, explorando questões como sua efetividade, quais as reais razões e seus impactos no Brasil. “Essa intervenção não começou porque não há sequer um plano de trabalho”, afirmou a senadora, que reforçou a tese do não planejamento para a intervenção. “A população não aguenta mais viver nesse estado pleno de insegurança”, acrescentou a manauara, lembrando que as próprias Forças Armadas, em sua “quase unanimidade”, considera inócua a intervenção.
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