Ao final de um discurso de 50 minutos, o deputado João Paulo Cunha (PT-SP) criticou duramente a imprensa. Segundo ele, a imprensa brasileira deveria expor claramente suas opiniões políticas, como ocorre em outros países. No Brasil, na sua opinião, as opiniões dos veículos de comunicação muitas vezes não são explícitas nos editoriais, mas conduzem a distorções na cobertura dos fatos.
"É muito ruim isso", declarou, ao afirmar que em outros momentos da história nacional as posições dos jornais eram mais claras, permitindo à sociedade distinguir opinião de informação.
Num discurso menos empolgante que o do relator Cezar Schirmer (PMDB-RS), porém mais aplaudido ao final, o ex-presidente da Câmara pediu a absolvição, considerando injustas as acusações de que foi alvo e lamentando ter sido "carimbado" por elas. "Vossas excelências não estarão absolvendo uma pessoa do mal", declarou, dirigindo-se aos deputados.
"Dediquei a maior parte da minha vida no povo. Não acumulei riquezas", afirmou. "O que tenho é o suficiente para a minha vida, quero a minha honra de volta".
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João Paulo disse que o relatório do Conselho de Ética que sugere sua cassação foi muito duro. Citando o escritor Padre Vieira (1608-1697), afirmou que "coisas em excesso causam efeito colateral". Em instantes, o relatório será votado pelo Plenário.
"(O relatório) foi demasiadamente forte para comigo. Passou uma imagem de figura pública que não corresponde com a minha vida", afirmou o petista. O parecer do caso, de Cezar Shirmer (PMDB-RS), foi considerado um dos mais contundentes já feitos no Conselho.
PublicidadeEm seu discurso de defesa, João Paulo lembrou de quando esteve na presidência da Câmara, entre 2003 e 2005. "Graças a Deus, ao final do meu mandato, a imagem da Casa era boa", disse. O petista ressaltou que o contrato com a SMP&B, do empresário Marcos Valério, durante sua gestão trouxe vários benefícios aos deputados.
O contrato com a empresa de Valério, no valor de R$ 10,7 milhões, foi fechado em 14 de setembro de 2003, dez dias após a mulher do deputado, Márcia Milanesi, sacar R$ 50 mil no Banco Rural. "Basta ver aqui, nos corredores da Casa. O contrato foi benéfico para todos nós", disse.
O petista ressaltou ainda que a ética é um conceito que não se conquista em um dia e se perde no outro. Em seguida, enfatizou ser um político da ética. "Eu tomar medidas para prejudicar o povo? Não é verdade. Tenho opção de vida pelo oposto", declarou.
João Paulo reafirmou ter usado os R$ 50 mil para pagar pesquisas eleitorais para candidatos a vereador pelo PT em Osasco. Disse que foi procurado pelos correligionários e pediu ajuda ao diretório nacional do partido. "Devia ter colocado um diretório em contato com o outro. Mas se eu achasse que tinha erro, eu mandaria minha mulher?", defendeu-se.
Em seu relatório, Schirmer disse que João Paulo utilizou notas fiscais provavelmente falsas para justificar o serviço. Isso porque os impostos só foram recolhidos em 2005, somente após a crise. "Se recolheu os impostos depois da crise, que culpa eu tenho disso?", questionou João Paulo.
O deputado disse ainda nunca ter negado o saque nas contas de Valério. "Eu disse que a minha mulher foi ao Banco Rural ver uma conta de TV a cabo e disse que ela foi fazer o saque. Eu não menti", enfatizou.
Veja a íntegra do discurso de João Paulo Cunha:
"O SR. JOÃO PAULO CUNHA (PT-SP. Pronuncia o seguinte discurso.) Sr. Presidente, Deputado Aldo Rebelo, companheiros da Mesa, Sras. e Srs. Deputados, público presente, minha família, meus amigos, meus companheiros e povo brasileiro que assiste a esta sessão, em momentos difíceis como este, que nos põem à prova como seres humanos, imediatamente vem a nossa cabeça um questionamento comum de por que. Por que seráque temos de passar por experiências como esta?
Permita, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, inverter a lógica da pergunta. E neste momento gostaria de perguntar: para quê? Essa pergunta vem a calhar, porque no fundo da minha alma resgato um pouco a resposta para minha própria pergunta: para quê? Descubro que é exatamente para que possamos aprender, para que possamos enfrentar esta provação e dela tirarmos lições e sairmos mais fortes, mais humildes, mais dispostos a continuar nossa jornada.
Não tenho dúvida nenhuma de que a resposta ao para quê é para que eu possa, depois disso, ser um outro homem, um outro cidadão, um outro companheiro, um outro político. Essa é a razão básica da pergunta inicial que me faço, a qual tento responder, com a permissão de V.Exas.
E é com esse sentimento de honestidade, de confiança e de respeito que me dirijo a cada uma das Sras. Deputadas, a cada um dos Srs. Deputados, à minha família, aos meus amigos, aos meus companheiros e ao povo brasileiro, para prestar conta desse episódio, para tentar convencê-los de que a circunstância muitas vezes leva-nos a um questionamento profundo. E há mudanças para as quais temos de estar abertos.
O filósofo espanhol Ortega y Gasset cravou, no século passado, a máxima utilizada no mundo todo de que o homem é um eu e sua circunstância. E completou dizendo que a vida e a circunstância integram o próprio homem e que, portanto, viver é viver em alguma circunstância.
E vejam os senhores em que circunstância eu me encontro hoje. Tenho 22 anos de mandato. A metade da minha vida, um pouco mais, eu me entreguei para esta ação – e me entreguei com prazer, não reclamo disso. Fui Vereador, Líder da bancada na minha cidade, DeputadoEstadual, Líder da bancada no meu Estado, Deputado Federal, Líder da bancada nesta Câmara dos Deputados e me transformei Presidente da Câmara. Fui Presidente do meu partido no meu Estado, dirigente do meu partido no meu Município, dirigente no meu partido no Plano Nacional.
Antes disso, pratiquei diversas atividades: fui dirigente do Centro de Defesa dos Direitos Humanos da minha cidade, da Pastoral da Juventude, da Pastoral Operária e militei pela democratização do País. E, nesse tempo todo, Sr. Presidente, eu nunca precisei comparecer a canto nenhum para responder sobre os meus atos e minhas ações. Eu sempre tive, e tentei ter, um comportamento condizente com aquilo que eu falo e com aquilo que eu pratico. Nunca precisei. Mas, a circunstância me impõe vir aqui ao Plenário desta Casa justificar e conversar com os Srs. Deputados, que é exatamente o meu interesse. É muito duro, Sr. Presidente. Confesso aos nobres Deputados e às nobres Deputadas: é muito duro para mim. Eu sofro, sofri e sofrerei, eu e as pessoas que me conhecem.
Confesso até a V.Exas. que eu pensei, no começo desta crise, em deixar o resto que remanesce do meu mandato e ir embora – não para tentar buscar no próximo pleito o retorno. Aqui não. Confesso que eu pensei em tentar reconstruir um novo caminho, repensar minha vida e buscar eventualmente até uma outra atividade, pensar uma outra coisa, enfim. Mas resisti. E resisti a partir de 2 coisas simples que talvez nem interesse muito a V. Exas, mas que eu gostaria de partilhar.
Há um retrato do meu pai, no meu escritório, em São Paulo. Abaixo do retrato há uma frase do Raul Seixas que diz assim: Se me faltar coragem para seguir viagem, a fé que me faltar eu vou buscar em você, meu pai.
Meu pai foi um operário: 25 anos como metalúrgico em Osasco. Ele me ensinou 4 coisas básicas: a primeira foi a honra; a segunda, a moral; a honestidade; e a solidariedade. Eu pratico isso, como meu pai falou e me ensinou.
E depois, se não bastasse isso, a minha filha, no início da crise, disse-me: Mas, pai, por que? E a partir daí, eu disse o seguinte: Eu não vou partir. Eu vou ficar, vou resistir e vou falar. Como eu trago a V.Exas. 2 coisas aqui: em uma mão, a minha história; e na outra mão, a verdade.
Mesmo que em muitas vezes – e na maioria delas – a arte de marchetar dá a impressão de ser uma coisa bonita.
A arte de marchetar é a arte de cortar madeiras das mais diversas origens e colocar uma ao lado da outra, formando figuras bonitas, figuras geométricas. Com madeiras diferentes é uma arte bonita.
Muitas vezes as palavras são utilizadas com a arte do marcheteiro. Você pega uma palavra, forma uma frase; pega uma frase e forma um período e do período forma um texto. Você forma o que quiser com as palavras. Elas estão dispostas na prateleira para serem usadas do jeito que você quiser, mas eu decidi ficar e conversar com os senhores com essas duas coisas: com a minha história e com a verdade. Tenho certeza que, mesmo que não seja o meu caso, posso evidentemente estar errado, mas os companheiros e companheiras que lutarem com a história e com a verdade certamente serão bem recebidos e certamente serão absolvidos.
Esse tipo de processo, Sr. Presidente, é um processo muito duro e que nos leva a pensar numa frase dita, que é uma frase importante: A política é quase tão incitante quanto a guerra e tão perigoso quanto ela. A diferença é que na guerra você morre somente uma vez, e a gente permanentemente está morrendo.
Digo isso para afirmar desta tribuna, perante cada um dos Deputados, que quero pedir desculpas ao Deputado Cezar Schirmer. Quero pedir desculpas ao Deputado Cezar Schirmer se no encerramento do Conselho de Ética, há alguns dias, eu o ofendi. Quero pedir desculpas e quero estender essas desculpas aos seus companheiros, à sua família, aos seus amigos do Rio Grande do Sul, se se sentiram ofendidos. Isso não é do meu feitio, não é da minha vida.
Isso não é do meu feitio, não é da minha vida. Então, peço desculpas e deixo registrado. Afinal, nós somos diferentes. Espero que S.Exa. receba minhas desculpas de bom coração.
Consciência é a palavra chave que tenho utilizado neste período e que quero utilizar nesta reflexão com os senhores.
Após a meditação, após meu silêncio, atitude que tomei de forma pensada e como opção, tenho que dizer que fiz o que era correto porque, muitas vezes, lutar contra o poder que está instalado por meio da mídia é coisa ingrata. Pode-se pensar que se pode contê-lo, mas não há, absolutamente, força capaz disso. A mídia acaba atropelando qualquer pessoa que se põe diante dela. Exatamente por isso fiz opção pelo silêncio, e hoje me sinto confortável, mais tranqüilo, em particular com minha consciência e com as pessoas com quem conversei.
Tive a oportunidade de mandar aos Srs. Deputados, salvo engano, 3 correspondências. Para alguns Deputados, membros da Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, para os Srs. Líderes, para os membros da Mesa, para nosso Procurador e para nosso Ouvidor, mandei o Voto em Separado, peça mais substanciosa, de quase 80 páginas, para que os companheiros pudessem lê-lo.
Fiz isso seguro de que estava prestando um serviço à Casa; estava prestando um serviço aos Srs. Deputados para que, hoje, pudessem se posicionar com um pouco mais de tranqüilidade.
A tranqüilidade do posicionamento se dá fundamentalmente na Ética. É na Ética, Sr. Presidente, que gostaria que pudéssemos buscar o gancho para o voto de hoje.
Vejam bem, há quase 400 anos antes de Cristo, em Atenas, tivemos um grande filósofo, um marco na história da Filosofia, porque trouxe à luz a idéia de se compatibilizar a discussão ética com a política. Aristóteles conseguiu fazer isso de forma perfeita, de forma muito combinada, 400 anos antes de Cristo.
Desse episódio de Atenas, Sr. Presidente, é importante considerarmos que, naquela época, já existia opinião pública – e quero que V.Exas. considerem como parêntese que havia opinião pública na época de Sócrates. A opinião pública de Atenas, à época, fez um julgamento sem direito à defesa e condenou Sócrates à morte. Os crimes cometidos por Sócrates foram dois: o primeiro, afrontar o Estado da época no questionamento aos seus deuses e, segundo, corromper a sua juventude.
Então, V. Exas. podem perceber que a opinião pública nem sempre acerta. A opinião pública nem sempre tem o condão de dizer o que é certo e o que é errado. Muitas vezes ela toma uma posição que o tempo se encarrega de desmentir.
Sócrates é tão marcante na história da humanidade que consideramos os pré-socráticos e os pós-socráticos para marcar definitivamente a sua passagem na História da humanidade.
O desenvolvimento da Ética continuou em nossa História. Hoje nos deparamos com a exigência singular e imperiosa de qualquer cidadão que queira desenvolver uma atuação política na Ética. Mas a Ética não é algo circunstancial, que se adquira num dia e se perca no dia seguinte; não é algo que não se tem e, de repente, passa-se a ter; algo que se pratique somente no ramo de sua atividade. A Ética é algo que se incorpora em sua vida. Você é ético em sua família, com seus amigos e companheiros, em sua ação parlamentar, na relação com seus eleitores.
Quero dizer com muita tranqüilidade que tenho atuado todos esses anos baseando-me essencialmente na Ética. Por isso, muitas vezes fico indagando de mim mesmo como posso ter caído nessa circunstância se essa é exatamente a razão de minha ação política de tantos anos.
Sr. Presidente, considero esse aspecto importante, assim como a necessidade de responder aos pontos destacados no relatório do nobre Deputado Cezar Schirmer para o esclarecimento dos senhores.
Confesso – e já disse isso no Conselho – que, quando vi o relatório do Deputado Cezar Schirmer, lembrei-me do Padre Vieira, que dizia que as coisas em excesso causam efeito contrário.
O Padre Vieira dizia o seguinte:
A dor, faz gritar; mas se é excessiva faz emudecer; a luz faz ver; mas se é excessiva cega; a alegria alenta e vivifica; mas se é excessiva mata.
Com a permissão dos nobres Deputados, acho que o relatório foi demasiadamente forte para comigo. Passei alguns dias com uma figura pública que não corresponde efetivamente à minha vida. Falo isso com tristeza.
Os Deputados, as Deputadas, as pessoas que me conhecem sabem que não sou essa figura apresentada naquele relatório. Não é verdade que tramo de maneira sorrateira medidas para prejudicar o povo. Não é verdade que ouso assinar qualquer medida que possa causar prejuízo ao Erário. Nada disso é verdade. Tenho opção de vida pelo oposto. Essa é a minha opção de vida.
Veja, Sr. Presidente: em meados de 2003, os diretórios municipais da minha região me procuraram pedindo ajuda. É uma coisa estranha pré-candidatos a Prefeitos nos procurarem? Será que isso é uma coisa estranha? Acho que não. Fui procurado. O que fiz? Procurei o diretório nacional do partido. O que fez o diretório do meu partido? Como ele estava produzindo diagnóstico em várias cidades, o que se faz em todos os partidos, apontei as cidades que gostaria de ver analisadas na minha região. Então, o diretório nacional se dispôs a pagar as pesquisas que seriam aplicadas naqueles Municípios.
Foi isso o que fiz. Na minha concepção, segui o caminho correto. Qual foi o caminho correto? Ir ao tesoureiro do meu partido, ao diretório nacional, e ele disponibilizou esses recursos. Hoje, e disse isso no Conselho, claro que penso que teria sido melhor providenciar um contato entre o diretório estadual e o diretório nacional e proceder a uma transferência direta para a conta, mas fazer engenharia de obras prontas é fácil. Ah, se pudéssemos consertar todos os nossos erros, se pudéssemos refazer os nossos caminhos em determinados períodos da nossa vida! Posso fazê-lo daqui para frente, mas não posso modificar o que já foi feito.
Digo a V. Exas. que foi disponibilizado. Hoje também digo o seguinte: poderia não ter sido disponibilizado em Brasília, poderia ter sido em São Paulo. Lógico. Mas eu estava onde? Aqui,e dentro de um contexto absolutamente intenso. Mostrei aos nobres Conselheiros que, em 3 de setembro, acabara de ter sido realizada uma reunião, em meu gabinete, com Governadores, com Prefeitos de Capitais, com sindicalistas, porque estávamos discutindo duas reformas. O movimento na Casa estava muito intenso, havia muito trabalho, e eu a estava presidindo – e queria presidi-la bem, em particular, naquele período. Foi por isso que mandei a minha esposa.
Agora, pergunto: isso agrava a minha situação, eu ter mandado a minha esposa? Se eu soubesse que havia algum traço, algum risco, alguma dúvida, ia mandar minha mulher? Então, eu passaria o constrangimento e muito mais a minha mulher, ao ponto de ela não conseguir comparecer hoje aqui?
Então, com a permissão de V.Exa., eu acho que isso não é razoável. Ela foi e assinou o documento. Não era uma operação escondida. Ela assinou, porque o tesoureiro do partido tinha dito que teria de ir àquele lugar, naquele dia, naquela hora, buscar os recursos para pagar as pesquisas. As pesquisas foram feitas? Foram feitas. Foram pagas? Foram pagas. Foram entregues? Foram entregues.
Qual é a relação que a gente estabelece entre a Direção Estadual, a Municipal e a Nacional? Disse à Direção Nacional: as pesquisas foram feitas, os resultados são positivos, estão aqui as pesquisas. Mostrei as pesquisas. Mostrei as pesquisas. As pesquisas têm nota fiscal. São notas fiscais expedidas pelo instituto.
Srs. Deputados, levando ao extremo, para reflexão nossa, desconfia-se que as notas não foram emitidas na época. Permitam-me, Srs. Deputados, para refletirmos juntos: se as notas não foram emitidas na época, então a tese é que elas teriam sido emitidas agora. Se elas foram emitidas agora, por que foram emitidas 3? Por quê? Poderia ter emitido uma só. É porque efetivamente elas foram emitidas. Se o instituto recolheu os impostos somente após o início da crise, que culpa eu tenho? Que culpa eu tenho? Comprei o produto, o produto foi entregue, as notas fiscais foram apresentadas, foi pago.
Vejam V. Exas. que do recurso recebido no início de setembro, ao final de setembro só ficaram 20% dos recursos, até o início de dezembro. Não foi todo o recurso que ficou.
A contratação do serviço foi feita, o serviço foi prestado, a nota fiscal foi tirada e foi positivo para a região. Repito: foi positivo.
Encaminhei, de fato, o ofício à CPMI. Vejam, Srs. Deputados, por que encaminhei à CPMI? Deixe-me esclarecer a V. Exas. Havia 3 pessoas no meu gabinete que tinham ido ao prédio do Brasília Shopping: o meu assessor, chamado Luís Carlos Gomes, a minha secretária e a minha esposa. Não seria razoável que prestasse contas de que eles foram ao prédio? Foi o que acabei fazendo. Fiz uma carta dizendo que eles tinham ido lá. Quanto ao período em que a minha secretária tinha ido, havia uma incorreção. O que fiz? Fiz outro ofício retificando, não é setembro, é abril. A minha secretária foi fazer o quê? Foi pagar a conta da TV a cabo. Seria uma tremenda fantasia ou uma tremenda coincidência da vida que tivesse uma fatura de uma empresa de TV a cabo de São Paulo, com vencimento no dia, com o banco da compensação sendo o Rural e com o valor diferente? Vejam V.Exas. que coincidência! Daí alguém pode falar: Não, mas, então, foi má sorte, João Paulo. Mas não se pode considerar a hipótese de ter, de fato, havido um erro, de ela ter recebido a informação? O banco de compensação era o Rural. O valor estava diferente. Efetivamente, a conta existia, existe e está à disposição de V.Exas. Foi o que efetivamente aconteceu. E vejam V.Exas. que informei no dia 10 de julho, no dia 10 de julho.
No dia 19 de julho saiu a notícia do saque. Eu anexei ao meu processo. Eu fui o primeiro a dizer que houve o saque.
O jornal Folha de S.Paulo estampou: João Paulo admite o saque. Eu admiti mesmo. Então, onde foi que neguei? Eu disse que minha mulher foi ver o problema da TV a cabo e que foi fazer um saque. Não menti. Eu disse exatamente o que aconteceu. E isso, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, é a absoluta realidade, é a absoluta verdade do que aconteceu. Se fosse para montar uma história, talvez montasse outra história. Na verdade, essa éa verdade. Essas são as verdades. Esse é o fato. Esses são os fatos, efetivamente.
Depois, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, o contrato da Câmara. Às vezes, tratar tão mal e de forma bruta os números que quem está de longe tem a impressão de que, de fato, tem verdade nisso.
Vejam bem, o contrato era de 10,7 milhões. Disse que 99% foram terceirizados. O que os nobres Deputados pensam? Nove milhões e tantos foram terceirizados. Só que dos 10 milhões, Deputado Aldo Rebelo, Presidente desta Casa, 7,3 milhões foram gastos com vinculação às revistas Veja, IstoÉ, Época, aos jornais Folha de S.Paulo, O Estado de S. Paulo, O Globo, Jornal do Brasil. Cento e cinqüenta e seis jornais do nosso País receberam recursos. Então, dos 10,7 milhões, 3 milhões foram para isso.
Depois refizemos todo o cenário aqui, são quase 700 milhões. Os Deputados são prova disso, não precisa falar, é só ver o estúdio. Por que a agência precisou contratar marceneiro, encanador, eletricista, pintor? Porque em agência de publicidade não há esse tipo de profissional.
O nosso estúdio foi refeito. Foi preciso contratar várias pessoas para refazê-lo. E, comprovadamente, companheiros, a audiência da TV Câmara aumentou, e muito. Só ver a nova grade que tem a TV Câmara a partir do final de 2004, só reparar a qualidade e a quantidade. Isso é algo positivo. Se não bastasse, poderia citar para V.Exas. os livros que fizemos. Os Deputados de Goiás, de Brasília, de Minas, da Bahia sabem que fizemos o Gabinete de Arte, que tinha uma publicação bonita que ia para os Estados para ser distribuída. Fizemos o Estatuto do Torcedor, o Estatuto do Idoso, milhares e milhares. Vários Deputados levaram milhares para seus Estados.
O contrato foi rigorosamente utilizado a bem da Câmara. A nossa Instituição ganhou com isso. Ganhou porque melhorou a sua imagem. Graças a Deus, ao final do meu mandato, a imagem da Câmara era boa.
Sr. Presidente, fora isso, o questionamento do contrato.
Sras. e Srs. Deputados, aqui vejo muitos ex-Prefeitos, ex-Governadores, ex-Secretários de Estado. Estou sendo acusado com um relatório preliminar.
Quem pediu auditoria ao TCU fui eu, mais ninguém. Eu pedi. O tribunal está investigando. Ainda não fui notificado. A Câmara não foi notificada, nem o Sr. Sérgio Sampaio Contreiras nem o Dr. Márcio Araújo. Como posso responder por algo se não tive o direito de tomar conhecimento da acusação que me fazem? Como a Câmara responderá se sequer sabe do que está sendo acusada? V.Exas. sabem quanto tempo leva um processo no Tribunal de Contas da União, sabem como são feitas as licitações, a exigência feita por aquela instituição para que se apresentem justificativas. Não tenho receio algum nem do contrato nem do meu sigilo bancário, nem do meu sigilo fiscal, nem do meu sigilo telefônico.
Sras. e Srs. Deputados, anexei ao Voto em Separado parte do meu sigilo telefônico para provar como era minha relação com o Sr. Marcos Valério. Eu o apresentei. E não tenho problema algum com a quebra dos meus sigilos, assim como tenho tranqüilidade para dizer que esse contrato foi bom e legal para a Câmara dos Deputados. Eu e a Câmara responderemos a todas as perguntas do Tribunal. Foi de fato positivo para a nossa Casa a questão do contrato que ora se questiona. E vejam, Srs. Deputados, o Diretor não foi nomeado por mim. Ele já estava no cargo e nele continua. E devo dizer, por ofício, que se trata de um excelente funcionário, tanto que já estava no cargo antes que eu fosse Presidente, passou pela minha gestão e continua no mesmo cargo.
Srs. Deputados, a licitação assinada em 31 de dezembro de 2003 iniciou em maio – 2 grandes seminários na Casa, com assessores de vários Deputados e de Lideranças e funcionários de carreira da Casa. Fizemos pesquisa com mais de 100 Deputados de todos os Estados para buscar um pouco mais de informação para embasar o edital, que saiu em setembro e foi assinado em dezembro. Não há nenhum vínculo com as coisas com as quais tentam vincular – não há – , e digo isso com a tranqüilidade que V.Exas. conhecem.
Independentemente disso, Srs. Deputados, V.Exas. sabem – e agradeço ao Relator, Deputado Cezar Schirmer, aos Deputados Carlos Sampaio, Edmar Moreira, Jairo Carneiro e vários integrantes do Conselho – que retiraram qualquer relação do meu mandato, minha relação, com o denominado mensalão. Mas, vejam V.Exas., continuarei sendo chamado pela imprensa de mensaleiro. Continuarei, pelo resto da vida, com esse carimbo, com essa marca.
Precisamos fazer pequena reflexão sobre a imprensa. A imprensa pode muito, mas não pode tudo. A imprensa precisa entender como é a composição desta Casa. A imprensa precisa entender que a opinião pública não é a opinião dos jornais. Se descuidarmos e levarmos isso até as últimas conseqüências, daqui a uns dias, o povo não elege mais. Quem vai eleger é a opinião pública, os jornais. Mas e o povo?
Eu respeito muito os Deputados que trabalham com a opinião pública, mas nós temos Deputados que trabalham no seu Município, que tem uma relação diferenciada com o povo, uma relação diferenciada com o seu eleitor. Nem por isso essa prática pode ser condenada. É desconhecer o Brasil e se vendeu uma imagem como se o Parlamento do Brasil fosse de fato um problema grave. Não, não é o Brasil. O Parlamento na África do Sul, nos Estados Unidos, em Portugal, o Parlamento em grande parte do mundo tem sofrido os mesmos que nós sofremos. Alguns anos atrás o Parlamento da África do Sul tinha 7% de bom e ótimo. No Parlamento americano, quando o sujeito quer protestar não vai votar, porque o voto é facultativo.
Então, há de fato um questionamento sobre isso, porque não é somente nós, por isso é que não precisamos ficar ajoelhados no milho sempre. Nós precisamos responder à sociedade, mas à sociedade brasileira, ao conjunto do povo, porque é ele que precisa de resposta. Muitas vezes o jornal levanta uma tese, sustenta essa tese e depois transforma essa tese como se fosse opinião pública e pede no seu editorial o cumprimento daquela tese que é dele.
Será que estamos muito diferente do restante dos países? Por que na maioria dos países não há instrumento do Deputado cassar o próprio Deputado? Por que nos Estados Unidos agora o Bush perdeu o principal articulador do Parlamento, que foi cassado por corrupção, sem o voto de um Deputado. Por que será isso? Para os companheiros preocupados com a democracia, vale a reflexão. Levando ao extremo esse raciocínio, vejam bem, numa situação hipotética, temos no Parlamento 450 de um partido e 50 de outro partido.
Quem me garante que daqui a alguns dias não serão instalados processos a partir dos 450 contra os outros 50 e os retirem do Parlamento? Por que não? Por que os países em que a democracia está consolidada há mais tempo não existe esse instrumento? Por que será? Porque há uma preocupação com a democracia e, mais do que isso, no nosso específico, companheiros, temos um problema na estrutura do nosso sistema.
Vejam bem, o Brasil seguindo esse caminho ninguém vai conseguir governar, porque se pressupõe uma relação de confronto e não é uma relação da instituição. Pressupõe-se uma relação de confronto, sem conhecer como se formam o Parlamento e os votos do nosso País. Precisamos buscar a partir dessa crise um novo padrão do nosso sistema eleitoral, do nosso sistema partidário.
Hoje, somos nós, mas amanhã pode ser qualquer outro companheiro, porque esse sistema vai ser mantido e ele é um risco permanente.
Falamos reiteradamente e precisaremos em alguma hora fazer a tal reforma política, porque é verdade, que a democracia corre no extremo. E, a longo prazo, pode correr risco. É verdade que não há condições, dependendo do ambiente, de estruturar Maioria num Parlamento como o nosso, para o qual vêm representantes de 27 Estados da Federação com composição absolutamente diferenciada, com partidos absolutamente diferenciados, não há condições para isso. E o sistema eleitoral permite o risco permanente de que eventualmente possa não ser eu, mas qualquer companheiro. Por isso precisamos, então, buscar uma forma de superarmos.
E vale, companheiros, uma reflexão que a imprensa brasileira da época, agora do período, do atual momento, era diferente de outros períodos da nossa história. Se lembrarmos do Brasil Colônia, se lermos a história do Brasil Colônia, é muito clara, havia a imprensa para Portugal e a imprensa pela independência. Se a gente buscar a história da imprensa, na véspera da República, tínhamos os favoráveis à República e a imprensa favorável à Monarquia; tinha a imprensa que era favorável à Abolição e há aquele que era favorável à manutenção do status quo. Mesmo em 50, agora recente, os jornais estampavam sua opção pelo Brigadeiro Eduardo Gomes contra Getúlio Vargas. Era uma coisa clara, a imprensa tinha opção política.
Hoje, o método é grave, porque se faz opção política pelo editorial e pelas matérias, mas não se assume. Faz-se opção por determinada política e não se mostra. É ruim isso. Diferentemente, insisto, de outros países em que a imprensa atua claramente, o editorial é de determinada linha, os temas são enfrentados em diversas linhas.
Por isso, Sr. Presidente, precisamos tirar várias lições dessa crise. Falo do sistema eleitoral, do sistema partidário, do comportamento das CPMIs, que eu por obrigação tive de acompanhar e vejo a crueldade da CPI. Crueldade, porque botar qualquer cidadão ali para ficar respondendo por 12 horas ou 15 horas, não é nem problema de Direito, não é o problema da legalidade, o que deixo para os nossos companheiros, mas éo problema da crueldade, é problema desumano, porque depois de 10 horas você pode responder qualquer coisa.
Lembro aqui uma história de Eduardo Galeano: um advogado, na periferia de Montevidéu, encontrou uma senhora presa por homicídio chamada Alma de Agosto. Era uma senhora cega, de paz e de repente estava presa e condenada. O advogado foi buscar conhecer a razão de sua prisão e descobriu que ela descrevia todos os detalhes dos crimes com a frieza e a crueldade de um assassino contra suas vítimas.
O advogado ficou espantado. Como uma senhora cega, de idade, bondosa, tinha esse instinto de crueldade, dizendo que matou tantas pessoas assim? Depois foi ver que ela conseguiu inventar aquelas histórias a partir da tortura e da pressão psicológica, o que acabou por condená-la.
Para surpresa do advogado, quando foi ao bairro onde ela morava, perguntou aos vizinhos quem era D. Alma. Eles responderam que ela era culpada. O advogado perguntou por que, e eles responderam que era o que os jornais diziam. O advogado retrucou dizendo que os jornais mentem. Os vizinhos falaram que a TV e o rádio também diziam o mesmo.
Essa história equivale a muitos momentos por que passamos. Por mais que se tente repetir, reproduzir e demonstrar, na realidade ficamos absolutamente impotentes diante do grande mecanismo da imprensa e das informações.
Sras. e Srs. Deputados, colegas e assistentes, peço a minha absolvição, consciente do papel que cumpri durante todos esses anos, quer na Câmara dos Deputados, quer na minha vida pessoal, quer na minha história. E o faço com absoluta tranqüilidade e segurança.
V.Exas. não absolverão uma pessoa do mal, que trama de forma sorrateira, um homem que não trata o dinheiro público como trata da sua própria casa, mas estarão absolvendo um homem que construiu sua estrada com a sua própria luta.
V. Exas. conhecem um pouco da minha história; que fui metalúrgico como meu pai e minha irmã; que dediquei a maior parte da minha vida para a causa do povo brasileiro; que por opção não acumulei riqueza na minha vida, com 22 anos de mandato. E podem ter segurança, se chegarem à cidade de Osasco e perguntar onde mora o João Paulo, as pessoas vão responder: na vila São José. Esta é a minha segunda casa na cidade.
Morei com os meus pais no Jardim das Flores. Casei e morei neste bairro. O que tenho é suficiente para viver. Não quero ter mais nada, apenas a minha honra resgatada.
Diferente do meu amigo Deputado Roberto Brant. De fato, a amargura e o deserto tocaram também a minha alma. Mas o deserto é um bom lugar para dialogar, refletir. Exatamente por isso, Jesus Cristo, no momento mais difícil, optou por ficar no deserto. Eu fiquei e estou, agora, pedindo o voto de confiança, para continuar lutando pelo povo brasileiro ao lado de V.Exas.
A diferença é que agora eu conheço muito mais as senhoras e os senhores. Conheço muito mais o que é a vida.
Tem uma frase com a qual a pintora Tarcila do Amaral terminava suas cartas de amor ao seu amante chamado Luiz Viana, um jornalista carioca. Toda vez que ela terminava a carta ela dizia: Aí vai o meu coração. Para os companheiros que confiam e acreditam, para o povo que confia e que acredita, aqui vai o meu coração.
Muito obrigado. (Palmas)"
*Fonte: notas taquigráficas da Câmara (sem revisão do autor).
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