Rafael Araripe Carneiro *
Após intenso debate acadêmico e político foi recentemente sancionada, com vetos, o projeto de lei que inclui disposições sobre segurança jurídica e eficiência na criação e aplicação do Direito Público. É a Lei n. 13.655/2018, de autoria do senador Antonio Anastasia (PSDB-MG). A nova lei estabelece normas gerais sobre a interpretação e aplicação do Direito Público, além de fixar critérios objetivos para a responsabilização pessoal do agente público.
O objetivo deste artigo é analisar possíveis consequências da nova legislação na aplicação da Lei de Improbidade Administrativa, que prevê a responsabilização pessoal de agentes por ilícitos contra a Administração Pública. A Lei n. 8.429/1992 é um importante instrumento criado para combater ilícitos de maior reprovabilidade, estabelecendo severas sanções aos agentes ímprobos, tais como a suspensão dos direitos políticos e a perda da função pública.
A Lei n. 13.655/2018 não revogou ou modificou disposições da Lei de Improbidade Administrativa, mas, como norma geral que é, estabeleceu diretrizes de interpretação do Direito Público, que repercutirão no âmbito da improbidade administrativa, seja para o Ministério Público quando da análise sobre a propositura ou não da ação, seja para o magistrado quando do julgamento do caso.
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Selecionamos três inovações que merecem reflexões. Uma das novas disposições estabelece que “nas esferas administrativa, controladora e judicial, não se decidirá com base em valores jurídicos abstratos sem que sejam consideradas as consequências práticas da decisão”. A importância dessa norma decorre do fato de que os conceitos jurídicos indeterminados permitem mais de uma interpretação jurídica e, consequentemente, mais de uma solução. A partir de agora se proíbem condenações com motivações vazias, sem análise concreta dos fatos.
Essa novidade vai ao encontro de antigas críticas à Lei de Improbidade Administrativa na parte em que permite a condenação com base em valores jurídicos abstratos como, por exemplo, “qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições”. É premissa básica do direito sancionador que a responsabilização pessoal deve ocorrer apenas quando haja ofensa a dever certo, claro e pré-determinado. Portanto, a nova lei reforça a necessidade de motivação específica de eventual condenação, sendo insuficientes afirmações retóricas ou principiológicas.
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A nova lei também dispõe que “o agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro”. Essa norma fundamenta-se na premissa de que erros humanos acontecem, especialmente nas situações de diversidade e complexidade de tarefas, que marcam a gestão pública. A partir da nova legislação a responsabilização do agente apenas deve ocorrer no caso de dolo (vontade consciente de agir contra a lei) ou erro grosseiro (culpa grave).
No que se refere à Lei de Improbidade Administrativa, há tempos é criticada a possibilidade de responsabilização do agente ímprobo com base em culpa, o que se permite nas hipóteses de lesão ao Erário. O ex-procurador-geral da República Aristides Junqueira Alvarenga chega a defender a inconstitucionalidade da norma sob o fundamento de que a improbidade apenas pode ser dolosa, porque a desonestidade pressupõe a intenção de praticar o ilícito.
A nova lei, embora não ponha fim a essa controvérsia por ser norma geral de direito, passa a limitar a responsabilização por improbidade culposa, que somente será possível em situações de erro grosseiro (culpa grave). A inovação, portanto, atribui maior dever de motivação ao magistrado na análise da culpa, não bastando a afirmação genérica de ato culposo. Espera-se, doravante, que os magistrados analisem de forma criteriosa os tradicionais três graus de intensidade de culpa: grave, leve e levíssima. Na culpa grave ou erro grosseiro, o agente comporta-se como se desejasse alcançar o dano. A culpa leve corresponde à falta de diligência média, que um homem normal empregaria em sua conduta. Já a culpa levíssima refere-se à conduta que escapa ao padrão médio, mas que uma pessoa cuidadosa teria observado.
Por fim, a nova lei estabelece que “na aplicação de sanções, serão consideradas a natureza e a gravidade da infração cometida, os danos que dela provierem para a administração pública, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes do agente.” Essa inovação fixa parâmetros objetivos para permitir a aplicação de pena proporcional e adequada à reprovabilidade da conduta, suas circunstâncias e consequências.
A Lei de Improbidade Administrativa apenas indica como parâmetros para a gradação das sanções a gravidade do ato, a extensão do dano causado e o proveito patrimonial obtido pelo agente. Esses critérios muitas vezes são insuficientes, como nas hipóteses de condenação do agente que não teve vantagem patrimonial e não prejudicou o Erário. A nova lei preenche essa lacuna adotando critérios objetivos, nos moldes já existentes no Direito Penal e na Lei Anticorrupção.
Dessa forma, a Lei n. 13.655/2018 busca atingir maior equilíbrio entre a discricionariedade administrativa e a atividade dos órgãos de controle, com importantes reflexos na aplicação da Lei de Improbidade Administrativa. Passa-se a ter, a partir de agora, marco legal com critérios objetivos que devem dificultar o uso indiscriminado de ações de improbidade em face de pequenas ilegalidades ou irregularidades formais.
Nunca é demais lembrar que a ação de improbidade não visa a anulação de atos administrativos ou o ressarcimento ao erário. Para tanto existem ações próprias, simples e mais céleres. A Lei de Improbidade Administrativa justifica-se para punir o agente público que atuou com reprovabilidade acentuada, evitando-se que se perca o referencial de elevada gravidade da improbidade, que beneficia apenas aqueles realmente ímprobos.
* Advogado especializado em improbidade administrativa, mestre e doutorando em Direito Público pela Universidade Humboldt de Berlim e professor de Direito Administrativo do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).
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Será que entendi!!!! “Passa-se a ter, a partir de agora, marco legal com critérios objetivos que devem dificultar o uso indiscriminado de ações de improbidade em face de pequenas ilegalidades ou irregularidades formais.” Então a partir de agora mandatários dos Executivos que estiverem envolvidos em corrupção poderão alegar que simplesmente não sabiam do roubo? Assinam decretos, MPs e no final alegam que é impossível saber de tudo na sua gestão, e se safam. HUMMMMM