Eduardo Militão
Tramita há dez anos no Congresso uma Proposta de Emenda à Constituição que quer equiparar os direitos trabalhistas dos funcionários comissionados, ou seja, sem concurso, aos dos trabalhadores da iniciativa privada, regidos pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). A PEC 261/00, do ex-deputado Feu Rosa (PP-ES) aguarda, desde março do ano passado, a instalação da comissão especial que irá analisá-la.
Como mostrou o Congresso em Foco na quarta-feira (3), ocupantes de Cargo de Natureza Especial (CNE) ligados ao PSC na Câmara tiveram seguidos aumentos e reduções salariais, variando de 569% a -87%. Até uma grávida perdeu a remuneração quando entrou em licença-gestante. O corregedor da Câmara, ACM Neto (DEM-BA), considerou a situação “estranha” e disse que haveria a necessidade de uma justificativa “forte” para não haver “suspeita” de retenção de salários.
A estranha montanha-russa salarial do PSC na Câmara
PSC baixa salário de servidora em licença-gestante
Se a PEC de Feu Rosa tivesse sido aprovada, não seria permitido, por exemplo, demitir funcionárias comissionadas grávidas ou em licença médica, como já acontece com os empregados das empresas e com os servidores efetivos. Eles também teriam direito ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Há ceticismo entre fontes ouvidas pelo Congresso em Foco se a PEC ou mesmo a legislação em vigor impediria também redução de salários dos comissionados, como aconteceu com os servidores ligados ao PSC.
A Constituição diz que os salários não podem ser reduzidos, exceto se permitido por acordo coletivo:
Art. 7º – São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais (…)
VI – irredutibilidade do salário, salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo;
(…)
X – proteção do salário na forma da Lei, constituindo crime a sua retenção dolosa.
De acordo com o advogado trabalhista André Andrade, do escritório Alcoforado Associados, de Brasília, realmente nenhum trabalhador, da iniciativa privada ou do serviço público, concursado ou comissionado, pode ter seus salários reduzidos.
Entretanto, é permitido diminuir a “remuneração”, que significa a soma do salário com as gratificações, adicionais e os chamados “penduricalhos”, tão comuns na administração pública. Ou seja, se um funcionário deixa de ser chefe, para de receber o adicional que a função extra lhe garantiria.
No caso dos CNEs da Câmara, o “vencimento básico” não ultrapassa R$ 1.375. Toda a remuneração restante, que pode elevar a renda a até R$ 12 mil, é composta por gratificações e outros “penduricalhos”.
Na iniciativa privada, entretanto, os bancários conseguiram na Justiça o direito de incorporarem a gratificação quando exercem o cargo de gerente por pelo menos dez anos.
Empecilhos
André Andrade diz que costumam haver empecilhos jurídicos até para considerar que um CNE do PSC tenha sofrido perda em sua remuneração total. Isso porque algumas vezes os funcionários são exonerados num dia e recontratados dias depois com um salário menor.
Na maioria dos casos, porém, a exoneração e a nova nomeação são feitas no mesmo dia, no mesmo boletim administrativo. O CNE passa a trabalhar para o mesmo patrão – a Câmara ou a Liderança do partido – e para executar a mesma atividade. “É possível criar uma tese para isso”, avaliar Andrade. O advogado ressalva que isso só pode ser feito caso a caso.
Procuradores do Ministério Público do Trabalho ouvidos pelo Congresso em Foco disseram concordar com Andrade. Eles preferiram não conceder entrevista formalmente sobre o caso da montanha russa salarial do PSC na Câmara.
13º e férias
De acordo com a justificativa do então deputado Feu Rosa, quando os funcionários comissionados são demitidos, só têm direito ao 13º salário e às férias proporcionais ao período em que trabalharam. Ele afirma que, se for aprovada a ampliação dos direitos trabalhistas da categoria, isso não será novidade. Um decreto de 1976 já os permitia, mas seus efeitos foram revogados pela Constituição de 1988.
O líder do PSC, o deputado Hugo Leal (RJ), se disse favorável à proposta da PEC para garantir direitos trabalhistas, como FGTS e garantia de trabalho enquanto se está de licença-maternidade.
Mas o parlamentar se diz contrário a medidas que impedissem as reduções salariais dos CNEs. “Proibir a redução eu acho estranhíssimo. O CNE é um cargo de confiança, de natureza especial”, afirmou Leal. Para o deputado, seria uma “inovação” que poderia não ser “de bom proveito”.
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