Os principais dicionários da língua portuguesa já reconhecem uma atividade com nome em inglês que há pelo menos 21 anos o Congresso falha em regulamentar. Neste período, quase uma dezena de projetos relacionados ao lobby, atividade de pressão de um grupo organizado sobre políticos e poderes públicos, foram apresentadas e acabaram arquivadas ou não tiveram sua tramitação concluída pelos parlamentares. A última tentativa, um projeto apresentado pelo deputado Carlos Zarattini (PT-SP), ao que tudo indica, seguirá o mesmo destino dos demais: a gaveta. Enquanto isso, os lobistas seguirão circulando pelo Congresso travestidos, como hoje, de jornalistas, assessores, consultores, etc.
Apresentado em 2007, o Projeto de Lei 1202 já passou pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP) e chegou a ser arquivado no fim da legislatura passada. Como Zarattini foi reeleito para um novo mandato na Câmara, ele mesmo requisitou que a matéria voltasse a tramitar. A proposta estava parada há mais de dois anos na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ).
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Na legislatura passada, o relator era Bruno Araújo (PSDB-PE). Ele recebeu a matéria no fim de 2008. No entanto, pessoas ligadas ao tucano afirmam que, por ser na segunda metade do mandato, com a proximidade da eleição, ele decidiu não apresentar um relatório sobre a constitucionalidade da atividade remunerada do lobby. A CTASP, que analisou o mérito, aprovou o texto do petista sem mudanças.
Com o PL 1202/07 voltando a tramitar neste ano, um novo relator foi designado. Cesar Colnago (PSDB-ES) está no primeiro ano na Câmara após três mandatos como vereador em Vitória (ES) e dois como deputado estadual. “Sou a favor da regulamentação da atividade remunerada do lobby”, afirmou o tucano ao Congresso em Foco. Porém, na visão de Colnago, a proposta apresentada há quatro anos tem uma série de vícios de origem e inconstitucionalidades que impedem a sua aprovação.
Pelo Regimento Interno da Câmara, Colnago não poderia mexer no texto para corrigir problemas de constitucionalidade. A não ser encaminhando o que é chamado de pedido de revisão de despacho para o presidente da Câmara, Marco Maia (PT-RS). Marco Maia já deu a Colnago o sinal verde para que toque o projeto. Mas o deputado tucano ainda assim resiste.
Colnago quer ter certeza de que é possível mesmo mexer no projeto. Tanto que, no início da semana, ele pediu a técnicos do PSDB e da Consultoria da Câmara que fizessem um levantamento de todos os problemas contidos na proposta. E, principalmente, se é possível consertar o PL no mérito. Caso não, ele deve recomendar o arquivamento. “Preciso ter certeza de que o projeto esteja protegido pelo arcabouço legal brasileiro”, justificou.
O projeto de Zarattini disciplina o lobby e a atuação dos grupos de pressão ou de interesse e assemelhados no âmbito dos órgãos e entidades da administração pública federal. Para o relator na CCJ, este é um dos problemas. Ao tentar regulamentar a atividade no poder Executivo, por exemplo, ele cai em vício de origem. No caso, o relator acredita que somente a União poderia disciplinar a atuação de lobistas nos ministérios, não o Legislativo.
A expectativa do tucano é que até o fim do ano ele consiga colocar o projeto em votação. Desde que tenha o sinal verde dos técnicos do partido e da Câmara para consertar o projeto. E contando também com a autorização de Marco Maia para alterar o texto no seu conteúdo. “Eu acho que é possível salvar o projeto, mas preciso dessas informações. Nós precisamos regulamentar a atividade remunerada”, disse.
Prestação de contas
A redação do projeto estabelece que os lobistas, para exercer a atividade, devem se cadastrar nos órgãos responsáveis pelo controle de sua atuação. No Executivo, o credenciamento deverá ser feito pela Controladoria-Geral da União (CGU). No Congresso, a presidência de cada Casa ficaria responsável pelas inscrições. A proposta de Zarattini não trata do lobby não remunerado, que seria, por exemplo, quando um grupo vai ao Congresso defender interesses da sua categoria. Caso dos policiais que fazem pressão pela aprovação da PEC 300, que estabelece um piso salarial para a categoria.
O projeto trata apenas dos que trabalham como lobistas, acompanham projetos, conversam com parlamentares e servidores públicos e recebem dinheiro por isso.
Presentes
De acordo com a proposta, os lobistas ficarão proibidos de oferecer, e os agentes públicos proibidos de receber, presentes, cortesias, gentilezas e favores. Assim, argumenta o autor, garante-se tratamento igualitário aos grupos de pressão no processo decisório no Legislativo. A proposta prevê que os profissionais prestem contas anualmente de seus gastos e de pagamentos feitos a pessoas físicas que ultrapassem mil Unidades Fiscais de Referência (Ufirs) — cerca de R$ 1.790.
“Limita-se a conduta dos lobistas, e dos próprios servidores públicos, para que não haja abusos nem tampouco conflitos de interesse. Garante-se a idoneidade do processo e a responsabilização daqueles que não observarem as suas normas”, disse Zarattini na justificativa do projeto. Segundo o petista, que espera pela definição da CCJ do destino do seu projeto, “toda a sociedade brasileira” tem interesse na aprovação da regulamentação.
Desde 1990 pronto para votar
O que mais impressiona na discussão sobre a regulamentação do lobby é que há vinte anos existe um projeto pronto para entrar em pauta na Câmara e isso não acontece. A mais antiga proposta de regulamentação data de 1990. Foi neste ano que o então senador Marco Maciel apresentou um projeto regulamentando a atividade no Congresso. Após ser aprovado pelo Senado em 1991, o Projeto de Lei 6132/90 está pronto para votação no plenário da Câmara desde 2003. E nunca entrou em pauta. Nesse meio tempo, Maciel foi vice-presidente da República por oito anos e novamente senador por outros oito anos. Hoje, está sem mandato.
Em audiência pública realizada em 31 de agosto, Maciel afirmou que a atividade de lobista é importante, porque a influência de determinados setores com suas informações garante um processo legislativo mais rico. Porém, ele afirma que “é preciso aperfeiçoar o sistema existente”. Ao lembrar ser o autor do PL 6132/90, ressaltou que a matéria ainda não foi aprovada. Mas evitou criticar a Câmara. “Eu sempre penso que o parlamento deve se caracterizar pela produção de boas leis”, disse.
Ao citar o filósofo italiano Noberto Bobbio e sua obra Entre duas repúblicas, o ex-vice-presidente da República comentou que, pela solidez das instituições brasileiras, especialmente após a Constituição Federal de 1988, o Congresso deveria aprovar a regulamentação do lobby. Sobre a obra de Bobbio, Maciel considera que uma das questões levantadas no século passado ainda é muito atual: como melhorar os níveis de governabilidade. “Avançamos, mas não ainda na velocidade que devíamos ter avançado”, disse.
Na Câmara, outras propostas foram apresentadas. Um projeto de resolução do ex-deputado e hoje senador Walter Pinheiro (PT-BA) e um projeto de lei do deputado Geraldo Resende (PPS-MS) foram arquivados. Outro, de autoria de Vanessa Grazziotin (PcdoB-AM), está pronto para ser incluído na pauta da CCJ. Ele não trata apenas do lobby, mas também de outros temas ao criar o Estatuto para o exercício da Democracia Participativa.
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