Localizado entre grandes hotéis de Brasília, o Posto da Torre virou o símbolo – ou a referência geográfica – de parte das negociações subterrâneas feitas por operadores da Operação Lava Jato. Três anos após se tornar o primeiro preso da operação, em 17 de março de 2014, o dono do estabelecimento, Carlos Habib Chater, diz que considera a Lava Jato “um divisor de águas”. Em liberdade desde o ano passado, o empresário voltou a gerenciar o posto, um dos mais movimentados da capital federal. Condenado a cinco anos e seis meses de prisão, Chater afirmou ao Congresso em Foco que é favorável à operação e que os desdobramentos da investigação “significam um grande avanço”.
Os negócios do empresário prosperam, uma exceção entre os presos e condenados na Lava Jato, como grandes empreiteiras e outros grupos com contratos públicos. Apesar de todo o barulho causado à época com a prisão do proprietário, Chater só teve de fechar a casa de câmbio que funcionava no mesmo terreno. O entra e sai de veículos nas bombas de abastecimento do Posto da Torre continua frenético. Bem localizado e conhecido por preços muitas vezes inferiores aos da concorrência, está sempre cheio.
Leia também
O posto funciona a cerca de 3 km do Congresso Nacional. Foi o ponto de partida para a descoberta do maior esquema de corrupção da história do país. Chater foi preso no primeiro dia da operação e foi levado a Curitiba (PR), onde ficou até dezembro de 2015. Retornou a Brasília já no regime semiaberto, concedido ainda em outubro daquele ano. Em 2014, durante a primeira fase, sequer se imaginava a dimensão do esquema de corrupção que colocaria sob suspeita grande parte do Parlamento, abalando o sistema político brasileiro como um todo.
O doleiro não fez acordo de delação premiada. “Não tinha o que delatar”, afirmou à reportagem. Atualmente, Kátia Chater Nasr, irmã de Habib Chater, é a proprietária do local “por questões comerciais”, de acordo com Carlos Habib Chater. Ela administra os negócios diretamente no local desde que a prisão do irmão.
Na rotina do posto, nada parece ter mudado. A média de abastecimento é de 3,5 mil veículos por dia. Diferentemente do irmão, Kátia disse ao Congresso em Foco que a Operação Lava Jato em nada impactou o movimento nem o faturamento do negócio nos últimos anos. “No último ano houve uma pequena queda, mas por conta da crise econômica. Nada relacionado à operação.” Ao todo, o posto possui 16 bombas que vivem sempre ocupadas com a demanda de carros que procuram o local para abastecer.
Além de vender combustível, a unidade abriga uma famosa e antiga lavanderia, uma loja de conveniência 24 horas, um cyber café, uma pastelaria e um quiosque de sanduíches árabes. Por estar no Setor Hoteleiro Sul, também é bastante frequentado por turistas. No imaginário popular, pode ser visto como o nascedouro de um escândalo que reforça o equivocado senso comum sobre a capital federal como berço da corrupção. Por outro lado, pode ser visto como um virar de páginas na promíscua relação entre empresas e políticos no Brasil.
Lei do silêncio
No local, a simples menção à operação assusta os funcionários. Nenhum deles é autorizado a falar com jornalistas. A reportagem esteve no local e, para testar a resistência em relação ao assunto, abordou uma frentista – que, ao ser questionada, sorriu, balançou a cabeça negativamente e disse não poder falar sobre o tema. Apenas Kátia e Carlos Habib podem dar declarações sobre o assunto. Uma atendente, que não quis se identificar, contou à reportagem que frequentemente alguém faz algum comentário sobre a Lava Jato. Alguns turistas, diz a funcionária, até tiram fotos quando descobrem que lá é o “famoso posto da Operação Lava Jato”. Além disso, com alguma frequência aparecem jornalistas fazendo perguntas ou tirando fotos. Duas coisas ela garante: “O movimento aqui nunca caiu e a especulação já foi maior”.
Antigamente, o posto fazia diferenciação de valores para taxistas, carros de autoescola e motociclistas. Agora, o valor da gasolina é cobrado em três faixas de valores, de acordo com a forma de pagamento: dinheiro, cartão de débito e cartão de crédito.
O posto e o esquema
A primeira fase da Lava Jato, deflagrada em março de 2014, resultou em 81 mandados de busca e 28 de prisão preventiva em várias cidades do país. Foram apreendidos carros esportivos, jóias, obras de arte e relógios de luxo. A situação inicial visava desarticular uma rede que lavava dinheiro do narcotráfico, do comércio ilegal de diamantes e de desvio de dinheiro público.No Posto da Torre funcionava uma casa de câmbio chamada ValorTur. Em uma das denúncias contra Chater, o Ministério Público diz que ele era o comandante de “uma organização criminosa destinada a fazer operar instituição financeira sem autorização legal, efetuando operações de câmbio não autorizadas para o fim de promover a evasão de divisas do país”.
A operação foi intitulada Lava Jato porque o grupo usava uma rede de lavanderias e postos de combustíveis para movimentar os valores, embora no local não houvesse o sistema de lavagem rápida de veículos. Alguns intermediários de políticos iam ali buscar dinheiro.
A apuração acabou mostrando um esquema muito maior, como uma teia com várias ramificações envolvendo empresários, políticos, ex-diretores de estatal, doleiros e servidores públicos na execução de atividades ilícitas, com investigações que logo chegaram à Petrobras. A estatal foi alvo de uma série de desvios de recursos e fraudes em contratos, que movimentaram cifras bilionárias no que passou a ser considerado um dos maiores escândalos de corrupção da história do país.
O posto entrou na mira dos investigadores depois que as conversas telefônicas de Chater passaram a ser acompanhadas pela Polícia Federal, em julho de 2013, por suspeita de envolvimento com tráfico de drogas. Nas conversas, descobriram um grande esquema de lavagem de dinheiro, movimentado pelo doleiro Alberto Youssef. Os policiais descobriram que Youssef havia dado uma Land Rover ao ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa.
De lá para cá, a Lava Jato acumulou 37 fases, 752 mandados de busca e apreensão, 84 prisões preventivas e 260 inquéritos policiais. Foi decisiva para o impeachment da presidente Dilma, derrubou da presidência da Câmara e levou para a cadeia o ex-deputado cassado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) e pôs na mira da Justiça a cúpula do Congresso e de dois governos (Dilma e Michel Temer). E, agora, avança para os estados com as suspeitas contra governadores e prefeitos. O país nunca mais foi o mesmo.
Veja também:
Deixe um comentário