Uma consulta pública ativa no site do Senado revela que a grande maioria dos internautas que se manifestaram até esta sexta-feira (15) apoiam a “descriminalização do cultivo da cannabis sativa” para uso próprio. Essa a ementa da enquete lançada pelo Portal e-Cidadania sobre a Sugestão 25/2017, protocolada em 10 de agosto, apoiada por ampla maioria: até o fechamento desta matéria, 90.042 votantes se disseram a favor da descriminalização, enquanto 12.091 se posicionaram contrariamente à ideia. O assunto tem sido debatido na Casa desde 2014, com o pedido do Cristovam Buarque (PDT-DF) à Consultoria Legislativa da Casa de estudo sobre a viabilidade de transformar em projeto de lei uma proposta que libera o uso recreativo, medicinal ou industrial da droga.
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A sugestão resultou da Ideia Legislativa nº 78.206, proposta pelo cidadão Gabriel Henrique Rodrigues de Lima, morador de São Paulo. Na justificativa, Gabriel alega que será inevitável a descriminalização do cultivo da planta cannabis no longo prazo. O proponente elenca vantagens que, em sua opinião, derivariam da descriminalização do cultivo da erva para uso próprio, entre eles a possibilidade de tributação do produto, gerando caixa para o erário; a qualidade de vida dos consumidores e o fato de que cidadãos cumpridores da lei não precisariam recorrer ao submundo do tráfico para fazer uso recreativo da droga.
Mas, se depender do relator da sugestão legislativa, categoria de proposição reservada à população, a ideia não sairá do papel. O senador Sérgio Petecão (PSD-AC) já emitiu parecer contrário à tramitação da matéria na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH) do Senado. Na última quarta-feira (13), a matéria foi discutida em audiência pública, mas o debate não foi suficiente para mudar a decisão de Petecão, que citou diversas razões para rejeitar a matéria.
LEIA O RELATÓRIO DO SENADOR SÉRGIO PETECÃO
“Embora o tema seja bastante controverso, existindo argumentos favoráveis e contrários à sua descriminalização, entendemos não ser conveniente e nem oportuna a apresentação de projeto de lei neste sentido”, diz Petecão na análise do relatório.
“Ressalte-se ainda que, na audiência pública realizada na CE [Comissão de Educação], o médico Ronaldo Laranjeira, professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), alertou para os graves danos sociais causado pela liberação da droga. Como exemplo, citou a experiência de legalização da maconha no estado de Denver, nos Estados Unidos, onde o uso crescente da maconha incentivou o consumo de produtos alimentícios considerados prejudiciais à saúde (chocolates, biscoitos, bebidas energéticas etc) e também de cigarros eletrônicos”, acrescenta o senador, para quem “a sociedade brasileira não está preparada para a descriminalização do uso da cannnabis para uso recreativo e a sua consequente regulamentação”.
No encerramento da análise, Petecão faz menção a outra pesquisa feita pelo Senado, esta há cerca de três anos. “Finalmente, cabe destacar pesquisa de opinião de abrangência nacional, promovida pelo Serviço de Pesquisa DataSenado […] sob o título Legalização da Maconha, onde [sic] foram ouvidas 1.106 pessoas de 16 anos ou mais. Nessa pesquisa, 42% dos entrevistados são contrários à legalização da maconha, sendo que, em relação aos demais, 48% é favorável [sic] à legalização apenas para fins medicinais e apenas 9% é [sic] a favor da legalização para todos os fins (inclusive recreacionais). Ademais, 67% discordam de que, com a legalização da maconha, o tráfico irá diminuir, e 82% afirmam que o uso legal da maconha fará com que o usuário experimente drogas mais pesadas”, concluiu Petecão.
À espera do Supremo
Como este site mostrou em 28 de março, está pendente no Supremo o julgamento de um recurso apresentado por um ex-preso de Diadema (SP), condenado a dois meses de prestação de serviços à comunidade por porte de maconha. A droga foi encontrada na cela dele. Se a maioria da corte julgar inconstitucional o artigo da lei contestada, o porte de droga para consumo pessoal estará, na prática, descriminalizado. O recurso é relatado pelo ministro Gilmar Mendes.
Em 2015, ao examinarem esse caso, Barroso e outros dois dos 11 ministros votaram pela liberação do porte de maconha para uso pessoal. O julgamento foi interrompido por pedido de vista de Teori Zavascki. Caberá ao seu substituto, Alexandre de Moraes, seguir com o processo.
De perfil progressista, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Roberto Barroso e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso já defenderampublicamente a legalização, com regulação rígida pelo Estado, de todos os tipos de drogas no país. Para o ministro, a legalização das drogas quebraria o poder do tráfico nas comunidades carentes e reduziria os casos de vítimas inocentes, que morrem por causa de bala perdida em favelas e de jovens humildes cooptados pelo tráfico.
Já Fernando Henrique Cardoso admitiu ter adotado política errada nessa área em seus dois mandatos presidenciais. “Estamos precisando de alguma ousadia. Minha posição é legalização e regulação rígida do Estado. A droga é ruim, e portanto o papel do Estado é desestimular o usuário e combater o traficante”, disse o ministro. “Não sei se vai dar certo, mas quando regula, se diz onde vai vender, tributa e proíbe a venda a menores. Se der certo, estende para a cocaína”, acrescentou.
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