Edson Sardinha e Ricardo Ramos |
Em meio à greve do funcionalismo público federal e à divisão dos sindicalistas quanto à proposta do governo de reforma sindical, vêm de quem menos se esperava, até dois anos e meio atrás, as manifestações de apoio à gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: o empresariado industrial. Na avaliação do presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), deputado Armando Monteiro (PTB-PE), o governo do ex-metalúrgico é, no geral, melhor do que o do sociólogo Fernando Henrique Cardoso. As ressalvas do petebista são direcionadas exatamente à principal bandeira eleitoral do PT: as políticas sociais. De acordo com o deputado, houve uma evolução nos fundamentos da política econômica, nas iniciativas relacionadas ao comércio exterior, ao turismo e à agricultura e na interlocução do Palácio do Planalto com o empresariado durante o governo petista, em comparação com a era tucana. O discurso de Monteiro em nada lembra o clima de terror deflagrado por um dos principais representantes do setor ao ser questionado sobre a possibilidade de ascensão do petista ao poder em 1989. Na época, o então presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Mario Amato, chegou a dizer que, se Lula ganhasse a eleição, “mais de 800 mil empresários sairiam do país”. Publicidade
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Lula ganhou a eleição 13 anos mais tarde, e os empresários não foram embora. A julgar pelo otimismo do presidente da CNI, eles têm motivos para apoiar o ex-metalúrgico. “Há um robusto saldo de balanço comercial, um bom resultado em contas correntes. A relação dívida-PIB (Produto Interno Bruto) não se deteriorou, está estabilizada. Os fundamentos da economia brasileira melhoraram. A vulnerabilidade externa está bem menor. Portanto, tenho uma visão positiva. Houve uma evolução em relação ao governo anterior. A interlocução do setor empresarial com o governo é boa”, sustenta o deputado, que, entre 1990 e 1997, foi filiado ao PSDB. Nesta entrevista exclusiva ao Congresso em Foco, Monteiro relativiza o impacto da reforma tributária pretendida pelo governo e diz que o país só conseguirá reduzir a carga tributária para níveis aceitáveis, algo em torno de 26%, entre 2007 e 2015. “A reforma não resolve os problemas estruturais que nós temos, mas melhora a funcionalidade do sistema e a competitividade”, avalia. “No redesenho desse sistema, o Brasil tem que buscar aumentar o peso dos impostos diretos, proporcionalmente, reduzindo o peso dos indiretos, coisa que essa reforma não consagra”, sugere. PublicidadeO deputado pernambucano critica os excessos da política monetária, com as elevadas taxas de juro, a falta de um modelo de desenvolvimento regional, o aumento dos gastos públicos pela máquina federal e o peso dos encargos sobre a folha de pagamento. “Não há país em todo o mundo que tribute a folha de pagamento como o Brasil. Os tributos estão no preço dos bens que são consumidos e, proporcionalmente, pesam muito mais sobre o segmento de renda mais baixo. Isso é uma distorção estrutural que o sistema criou.” O presidente da CNI também ataca a proposta de reforma sindical encaminhada pelo governo ao Congresso. Na avaliação dele, as discussões em torno do projeto deveriam ser casadas com a definição da reforma trabalhista. “O que adianta modernizar a estrutura sindical com a mesma legislação trabalhista? Haverá sindicatos mais fortes pra negociar o quê, se o marco da legislação para a negociação é limitado?”, critica. Deputado em segundo mandato, Armando Monteiro representa um dos setores com mais força política no Congresso. O empresariado industrial consegue aprovar dois terços das proposições de seu interesse em tramitação no Congresso, segundo levantamento feito pelo cientista político Wagner Mancuso (leia mais). Além dos negócios nas áreas de metalurgia e destilaria, o pernambucano herdou da família o gosto pela política. É neto do ex-governador de Pernambuco, Agamennon Magalhães, que foi ministro do Trabalho e da Justiça no governo Getúlio Vargas. O pai, Armando Monteiro Filho, também foi titular do Ministério da Agricultura no governo João Goulart. O petebista é primo do deputado Roberto Magalhães (PFL-PE), ex-prefeito de Recife. A entrevista foi concedida semana passada, antes da declaração do presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson (RJ), de que o tesoureiro do PT, Delúbio Soares, estaria pagando uma mesada de R$ 30 mil aos deputados aliados em troca de apoio nas votações. Congresso em Foco – A Câmara tem adiado a votação da proposta que unifica a legislação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços), próxima etapa da reforma tributária. O governo quer aprovar o texto que veio do Senado, mas enfrenta resistência dos governadores. O modelo defendido pelo governo satisfaz a indústria? Armando Monteiro Neto – A proposta da reforma tributária consagrou a idéia de que a mudança do sistema aconteceria em três momentos. Na etapa atual, tem de se estabelecer um regramento na questão do ICMS em todo o Brasil, porque há uma legislação extremamente díspar, que cria imensas distorções, inclusive para as empresas, e contribui também para o agravamento dos desequilíbrios interregionais. Está na hora de o Brasil estabelecer uma legislação federal uniforme, capaz de corrigir essa imensa distorção. Mas é uma construção complexa do ponto de vista político, porque esbarra na discussão do federalismo fiscal. Há estados que também se utilizaram dos instrumentos da chamada guerra fiscal para atrair investimentos. De qualquer forma, a proposta que está aí definida contém pontos que preocupam o setor empresarial. “Há um certo risco de aumento de carga tributária no Que pontos preocupam? Há um certo risco de aumento de carga tributária no momento da uniformização e do ajuste das alíquotas básicas, que poderão ser niveladas por cima. Há uma preocupação muito acentuada com a questão das alíquotas interestaduais e o problema dos créditos que são transferidos nesse processo. Pode haver acúmulo de crédito. O sistema de ICMS é tão complexo e caótico e acumulou tantas distorções que, para resolvê-las, mesmo com o advento de uma legislação uniforme, não será fácil. Mas é um desafio que tem de ser enfrentado. A última etapa da reforma do sistema tributário, de acordo com a arquitetura básica encaminhada pelo Senado, é a que vai consagrar a integração de todos os impostos de valor adicionado na perspectiva do IVA (Imposto sobre Valor Adicionado). Será preciso integrar todos os tributos na construção do IVA nacional – o que também não será fácil – para harmonizar o sistema tributário nacional com o modelo que prevalece nos países de economia mais avançada. A criação do IVA não pode penalizar alguns setores econômicos, como o de fumo e bebidas? Não. A constituição do IVA nada tem a ver com a questão da alíquota. A idéia é estabelecer um modelo que consagre um imposto de valor adicionado único, global e nacional. A questão da carga tributária será tratada na discussão das alíquotas. Hoje se teme que, ao fazer a fusão dos tributos de valor adicionado, tenha-se uma alíquota tão elevada, que, no final, produza distorções. Mas é possível, por meio de um modelo gradualista, promover um ajuste nas alíquotas sem maior prejuízo da arrecadação existente, como efeito do próprio crescimento econômico e do espaço que ele vai oferecer, para que possamos realmente trabalhar na direção da redução da carga tributária. “Acreditamos que o Brasil consiga criar condições O senhor acredita que essa correção será feita em quanto tempo? O mapa estratégico da indústria está olhando até 2015. Acreditamos que o Brasil consiga criar condições para reduzir a carga tributária para algo em torno de 26% entre 2007 e 2015. Isso como produto do espaço que o crescimento econômico vai oferecer nesse período, aliado a uma maior estabilização do gasto público e também à ampliação da própria base de contribuintes. Há clima político para aprovar a unificação do ICMS ainda no segundo semestre? Deveria existir, porque o Congresso terá de dizer à sociedade brasileira que produziu alguma coisa este ano. E que não ficou apenas na arenga política, que pode até ser natural, mas que não produz nada para o país. “Para mim, há dois efeitos positivos nessa reforma (tributária): ela vai estimular menos mecanismos de evasão e tornar a concorrência interempresarial e interregional mais equilibrada” Essa reforma tributária do governo vai ter impacto na geração de empregos e no crescimento da indústria? Ela corrige algumas distorções que estão empurrando empresas e setores para situação de “meia informalidade” ou de mecanismos de evasão fiscal. Para mim, há dois efeitos positivos nessa reforma: ela vai estimular menos mecanismos de evasão e tornar a concorrência interempresarial e interregional mais equilibrada. “Não há país em todo o mundo que tribute Uma crítica feita por deputados da própria base aliada é de que o governo está preocupado apenas em centralizar a arrecadação de impostos, sem levar em conta a necessidade de se fazer uma reforma para aliviar o restante da sociedade. O senhor concorda com essa leitura? O sistema tributário tem distorções imensas que foram construídas ao longo do tempo. O país tributa fortemente a base de folha de pagamento e a base consumo. Isso é algo perverso. Ao tributar fortemente a folha, você está empurrando mais e mais brasileiros para a informalidade. Não há país em todo o mundo que tribute a folha de pagamento como o Brasil. Os tributos estão no preço dos bens que são consumidos e, proporcionalmente, pesam muito mais sobre o segmento de renda mais baixo. Isso é uma distorção estrutural que o sistema criou. No redesenho desse sistema, o Brasil tem que buscar aumentar o peso dos impostos diretos, proporcionalmente, reduzindo o peso dos indiretos, coisa que essa reforma não consagra. Na avaliação do senhor, a reforma tem alcance limitado? A reforma não resolve os problemas estruturais que nós temos, mas melhora a funcionalidade do sistema e a competitividade. Nós tínhamos, até pouco tempo, impostos cumulativos, coisa que, ao longo da cadeia produtiva, não há como, efetivamente, compensar. Já no sistema radicalmente de valor adicionado, será possível compensar ao longo da cadeia, ou seja, pagar sobre o valor que você adicionou. A reforma, no entanto, não resolve a opressão tributária, porque continuamos a ter uma combinação de carga elevada com forte tributação sobre bases que deveriam ser desoneradas e não oneradas. “Na condução da política macroeconômica, tirando alguns excessos da política monetária, o balanço (do governo Lula) é inquestionavelmente positivo” Que avaliação a indústria, de um modo geral, faz do governo do ex-metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva? No atacado, a avaliação é positiva, há mais acertos que erros. Na condução da política macroeconômica, tirando alguns excessos da política monetária, o balanço é inquestionavelmente positivo. Nas áreas nas quais houve uma gestão positiva cito ainda o trabalho que o Brasil está fazendo na promoção de comércio exterior e na diversificação de mercados. O que se faz na área de turismo e de agricultura é algo positivo. Há, no varejo, no entanto, pontos que são nitidamente frágeis. “A gestão das políticas sociais não me parece algo Que pontos são esses? A gestão das políticas sociais não me parece algo muito eficiente. Na questão do desenvolvimento regional não houve avanços substantivos. Não se rearticularam, não há um modelo. Na área das chamadas políticas urbanas também não houve avanço expressivo. Do ponto de vista do gasto público, houve uma expansão demasiada em áreas pouco reprodutivas. Quando o gasto público se dá em áreas reprodutivas, como políticas sociais e educação, tudo bem. Mas quando se dá em áreas não reprodutivas é sinal de que o governo gere mal o gasto público. “Se considerarmos o trimestre passado com o mesmo do ano anterior, há um crescimento de 2,5%. Mesmo considerando sobre o trimestre imediatamente anterior, ainda há um dado de crescimento com perda de velocidade. Isso é algo fantástico” O IBGE apontou crescimento de 0,3% da economia no primeiro trimestre. A análise do setor é de que a elevação da taxa de juros, que chegou a 19,5% com sinalização de alta, inibe o próprio crescimento econômico e o consumo. Que avaliação o senhor faz disso? Há momentos em que o brasileiro é meio ciclotínico. Numa hora, somos levados por um clima de euforia; em outras, somos tomados por depressão. Como o ambiente político se deteriorou, até mesmo a interpretação dos dados econômicos é contaminada por essa atmosfera. Estamos falando, de qualquer forma, de algo que traduz crescimento. Se considerarmos o trimestre passado com o mesmo do ano anterior, há um crescimento de 2,5%. Mesmo considerando sobre o trimestre imediatamente anterior, ainda há um dado de crescimento com perda de velocidade. Isso é algo fantástico, considerando que temos nove meses de um ciclo de aperto da política monetária, contracionista. Na prática, o que isso significa? Significa que a economia brasileira tem um fluxo dinâmico e surpreende até esse processo. Se, agora, com os resultados da inflação – que começam a ser positivos, indicando até deflação – houver uma retomada na trajetória de queda da taxa de juros num prazo razoavelmente curto, a economia poderá surpreender. Eu aposto que o país cresce este ano a uma taxa de 3,5%. A agricultura, por fatores não controláveis, tem uma perda de produto e de venda. Mas, se o Brasil crescer 3,5%, não será o fim do mundo. Será mais um ano de crescimento acima do crescimento populacional e bem acima da média dos últimos anos, o que vai significar aumento de renda per capita. Um ponto que preocupa na análise dos dados do trimestre é que a taxa de investimento caiu. Já há sinais de que o investimento está caindo. Isso preocupa, porque o investimento de hoje é o produto potencial de amanhã. Com essa coisa do aperto da política monetária e o problema do câmbio, alguns agentes econômicos estão postergando decisões de investimento. E isso tem um custo. O senhor enxerga nisso o chamado “vôo da galinha”? Não, porque os fundamentos da economia são muito mais sólidos. “Os fundamentos da economia brasileira melhoraram (em relação ao governo FHC). A vulnerabilidade externa está bem menor. Houve uma evolução em relação ao governo anterior” Mais sólidos do que os fundamentos do governo Fernando Henrique? Muito mais sólidos. Não se trata só de uma construção desse governo, mas de um processo que acabou permitindo a combinação de um novo patamar de exportação. Há um robusto saldo de balanço comercial, um bom resultado em contas correntes. A relação dívida-PIB (Produto Interno Bruto) não se deteriorou, está estabilizada. Os fundamentos da economia brasileira melhoraram. A vulnerabilidade externa está bem menor. Portanto, tenho uma visão positiva. Houve uma evolução em relação ao governo anterior. A interlocução do setor empresarial com o governo é boa. Nós trabalhamos numa agenda, na área tributária, de desoneração de investimento. Conseguimos aprovar a depreciação acelerada, o encurtamento do prazo de compensação do PIS/Cofins de bens de capital e a redução do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) de maneira significa. Agora, a plataforma de softwares foi desonerada. Há projetos voltados para a exportação, a suspensão de tributação sobre bens de capital, um movimento de dilatação no prazo de recolhimento dos tributos. Foi criado o Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, que é um espaço privilegiado que não existia, um ambiente em que os setores privado e público discutem as linhas e a implementação da política industrial e tecnológica. Representantes do empresariado devem entregar esta semana ao Congresso o anteprojeto da Lei Geral das Micro e Pequenas Empresas, com uma série de mudanças para conter a informalidade. Que impacto essas medidas podem ter na geração de emprego e renda? Está se criando um clima para que o Executivo, a quem cabe a iniciativa nessa área tributária, tome para si esse anteprojeto e ofereça algo na questão das políticas de apoio às micro e pequenas empresas. O Simples (Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte) federal está muito defasado. Mas precisamos avançar para oferecer, no campo trabalhista, um tratamento simplificado para os pequenos negócios. No Projeto de Lei Complementar 210/04, que é o que beneficia os microempreendedores, já se consagrou a idéia de redução do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), de simplificação das regras de contratação no campo trabalhista. Com esse debate da Lei Geral e com alguns avanços conceituais que já estão indicados no próprio PL 210, abre-se a possibilidade de o Brasil criar um ambiente na legislação para as áreas trabalhista, previdenciária e tributária, no apoio à área de crédito, na questão das compras governamentais e na desoneração de exportação. Enfim, há uma perspectiva animadora. “O que adianta modernizar a estrutura sindical com a A proposta de reforma sindical enviada pelo governo para a Câmara tem recebido crítica de quase todos os lados, inclusive do empresariado. O senhor acredita na possibilidade de essa reforma ser aprovada este ano? Eu, particularmente, sou muito cético quanto à reforma sindical. Não tem sentido fazê-la sem a reforma trabalhista. O Fórum Nacional do Trabalho (FNT) deveria ter discutido as duas simultaneamente. O que adianta modernizar a estrutura sindical com a mesma legislação trabalhista? Haverá sindicatos mais fortes pra negociar o quê, se o marco da legislação para a negociação é limitado? Se o Congresso aprovar a reforma sindical, estará apenas servindo às corporações sindicais, e não ao país. O problema mais sério do Brasil está no mercado de trabalho. Esse é que precisa se atacar na questão da informalidade. O projeto melhora a vida das centrais sindicais, que passam a ser reconhecidas e a ter mais dinheiro, mas é só uma reforma para as corporações. Será que é algo de interesse mais amplo do país? A reforma tem de ser a das instituições ligadas ao mundo do trabalho de uma maneira geral. Mas há ambiente para a aprovação dessa proposta este ano no Congresso? Eu sinto que o Congresso percebeu um pouco isso e está cobrando que se avance na questão da reforma trabalhista. Mas o governo não quer. Então, ficaremos nós no Fórum Nacional do Trabalho, que é um órgão tripartite, cobrando do governo. A reforma sindical é, na verdade, um projeto que está paralisado. Alguns setores da área econômica do governo alegam que a criação da CPI dos Correios pode afugentar investidores. O senhor vê relação entre as investigações e a eventual fuga de investidores? O clima a ser criado pela CPI poderá ser incontrolável. Até porque só se sabe como começa uma CPI, mas não como ela terminará. Se ela se pautar por uma posição mais responsável, não tem muito problema. Mas ninguém sabe como será o processo. Não chego a achar que isso afugenta investimento, apenas perturba. A CPI é um instrumento parlamentar de investigação previsto na Constituição. Em países que funcionam normalmente, um instrumento de investigação parlamentar é algo normal. |
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