Renata Camargo
Técnico agropecuário e pedagogo, o deputado Edson Duarte (PV-BA) tem travado intensos embates com os parlamentares da bancada ruralista. Em seu segundo mandato na Câmara, o líder do PV diz que o Congresso corre o risco de estimular a impunidade ao adequar a lei para anistiar proprietários que desmataram ilegalmente uma área de 35 milhões de hectares.
“Há uma tentativa de garantir a impunidade geral e irrestrita para todo mundo que degradou. Isso é muito perigoso. Ou seja, ninguém precisa se adequar à lei. É só esperar que a lei vá se adequar a ele”, critica.
Apesar de liderar um partido que faz parte da base governista, Edson Duarte responsabiliza o governo por ceder à pressão dos ruralistas, muitos dos quais integrantes do bloco de apoio ao governo, e mira o próprio presidente Lula. “Quando o Lula faz discurso e diz que o agricultor não pode ficar parado e não pode mais limpar um metro de terreno, não é disso que está se tratando. Ou o presidente não entendeu, ou está tentando confundir a opinião pública”.
Leia a íntegra da entrevista de Edson Duarte ao Congresso em Foco:
Congresso em Foco – Qual a sua avaliação da atual legislação ambiental brasileira?
Edson Duarte – Eu acho que a legislação está cheia de brechas, pois já desmataram quase tudo e ninguém foi punido até hoje. Ninguém deixou de ter financiamento público, contar com assistência governamental ou deixar de realizar qualquer negociação na venda de produtos ou imóveis por conta de ter degradado aquilo que não era permitido pela legislação. Se a legislação é rigorosa em alguns pontos, em outros tem apresentado brechas de tal forma que não se observa o cumprimento das leis. A atual legislação precisa, sim, sofrer alguns ajustes. Mas o que está se objetivando com esse movimento [ruralista] na Câmara e no Senado é fragilizar a legislação e diminuir ainda mais os biomas brasileiros.
O que representa a reserva legal nessa discussão?
A reserva legal é uma porção que se solicita para que não seja desmatada, porém pode ter utilidades econômicas como extrativistas e de criação. A lógica da reserva legal é de que, deixando em cada propriedade uma reserva de mata original, é o mínimo para se garantir o equilíbrio naquele ecossistema. Se há desequilibro ambiental onde se planta, as lavouras são atacadas por doenças e pragas. O Vale do São Francisco, por exemplo, foi um dos maiores produtores de tomate, mas por conta do desequilíbrio ambiental foi necessário usar muito veneno para se controlar a traça do tomateiro. Essa traça foi ficando tão resistente, que não foi possível controlar. A consequência é que o tomate desapareceu do Vale e as fábricas que eram geradoras de emprego na região fecharam as portas. Isso foi resultado do desequilíbrio ambiental.
Na sua avaliação, os produtores rurais têm interesse em preservar o meio ambiente?
Nossa origem foi muito voltada para o desmatamento. Crescemos com a cultura de “limpar” a terra e esse “limpar” com uma concepção preconceituosa de que mata é uma coisa ruim, que precisa ser retirada. A própria legislação estabelecia, por meio do Imposto Territorial Rural, que quem tivesse área com mata era sinal de que não estava trabalhando, então teria de pagar mais imposto. Quem tinha área desmatada, era porque estava usando a terra, então recebia um belo desconto nos impostos. Isso vem da nossa cultura e é repetida nas ações oficiais de governo. Isso vem mudando com uma velocidade grande. Mas há ainda aqueles que acreditam que precisa é vender e vender, para ganhar dinheiro, independente de estar esgotando suas terras. É por isso que a fronteira agrícola não para de crescer. Pois eles querem sempre novas áreas, em especial, áreas que não foram utilizadas. Por isso que há essa pressão pelo desmatamento. Lá atrás eles estão deixando áreas sem utilização. Há 60 a 100 milhões de hectares hoje no Brasil sem utilização. Eles não querem ter o trabalho de recuperar o solo, porque no Brasil é muito mais barato desmatar uma área nova. Meio ambiente todo mundo acha legal, acha bonito. Mas ninguém quer abrir mão de nada do seu interesse pessoal, em especial interesse econômico, em favor de uma coisa coletiva.
Há uma intensa polêmica em torno do substitutivo ao PL 6424. Quais pontos os ambientalistas discordam?
Esse projeto tem uma simbologia importante. Há uma tentativa de garantir a impunidade geral e irrestrita para todo mundo que degradou. Isso é muito perigoso. Toda vez que você anistia e permite que impunidade aconteça, isso acaba servindo de estímulo para que outros também cometam erros apostando na impunidade. Ele acabará servindo de estímulo para que novos desmatamentos aconteçam no Brasil sempre na esperança de que alguém vai dar um jeitinho lá para resolver a vida dele. Ou seja, ninguém precisa se adequar à lei. É só esperar que a lei vá se adequar a ele. Outro ponto é a descentralização dos limites da reserva legal e das APPs. A determinação desses limites será passada aos estados. Isso abre um precedente perigoso para disputas regionais e leva interpretações muito diferentes da lei nos estados. Se no plano nacional as conveniências falam mais forte do que o interesse nacional, imagine isso sendo tratado nos redutos localizados em cada estado, onde o poder econômico e os interesses eleitorais se dão com uma força muito maior…
É possível chegar a um entendimento entre ambientalistas e ruralistas?
Não alimento muito esperança vendo o que temos assistido nos últimos meses dentro da Câmara e do Senado. A postura da bancada ruralista – que se acha muito forte e, de certa forma, acha que tudo pode – é de quem não está disposto a dialogar. Simplesmente estão tratorando e decidindo o que querem decidir, não combinam nada com ninguém, pois tem maioria. Estão dominando todas as comissões. As comissões de meio ambiente são quase todas dominadas por ruralistas. A comissão especial para debater mudanças no Código Florestal é dominada por ruralistas. E acham por ter o comando, não tem que dar satisfação a ninguém, tem que aprovar exatamente da forma como eles querem. O que eles estão defendendo são coisas absurdas e impossíveis de serem aceitas e negociadas. Eles acham que por ter a força, eles podem ir para além do absurdo e propor coisas que jamais se imaginariam.
A base governista tem maioria no Congresso. Na sua avaliação, qual a responsabilidade do governo nesse debate?
Os ruralistas estão se sentindo muito fortes e, na verdade o governo negligenciou e se agachou diante dessa força eleitoral. Não quero acreditar que o interesse na aprovação do pré-sal esteja influenciando nessa flexibilização do governo no que diz respeito a essas investidas graves da bancada ruralista. É intolerável uma bancada que representa um setor econômico querer determinar o que deve acontecer no nosso país e o governo ficar simplesmente assistindo. Todos, governo e oposição, terão que responder pelas consequências dos atos (tanto de ação, quanto de omissão) do que sair daqui [do Congresso]. De imediato, poderemos ter um possível boicote a produtos brasileiros no exterior. Em médio e longo prazo, teremos que responder às futuras gerações por esse crime contra o meio ambiente.
Recentemente, o Congresso conseguiu aprovar regras como as estabelecidas pela Medida Provisória 2166/2001, que ampliou aumentou o rigor da legislação ambiental. Agora o Congresso caminha na direção de flexibilizar as leis. O que mudou?
Quando aprovamos avanços na legislação, na verdade, aquelas decisões não foram acompanhadas de decisões de governo para fazer implementar a lei. Ou seja, não se existiram estruturas de fiscalização nem medidas complementares para se exigir o respeito à lei. Simplesmente passaram a desmatar e nunca ninguém foi punido. E agora eles ficaram à margem da lei. E os ruralistas alegam que, estando na ilegalidade, os produtores podem ser prejudicados. O temor maior são as consequências que pode trazer o decreto de crimes ambientais, que estabelece o prazo de averbação da reserva legal até o próximo dia 11 de dezembro. Aí a razão da grande investida no sentido não de adequar os ilegais à lei, mas sim adequar a lei aos ilegais.
Na sua visão, que impacto a eventual aprovação dessas propostas terá no meio ambiente?
Estamos vivendo em plena véspera talvez da mais importante conferência que o mundo já teve, que será a Conferência de Mudanças Climáticas, em Copenhague. O nosso futuro estará sendo definido a partir do resultado dessa conferência. E o mundo ainda não se deu conta do grau da importância dessa conferência. Esse projeto de lei sendo aprovado do jeito que está, ele compromete a posição brasileira em Copenhague. (…) As metas brasileiras não podem sinalizar para o mundo desmatamento de 80%. Não podemos desmatar mais nada. Nós temos áreas suficientes para a produção agrícola. Inclusive, áreas que precisam ser recuperadas. O que o Brasil tem que fazer é decretar uma moratória imediata para que não se derrube mais nenhum metro de floresta nativa. E quando se fala em desmatamento, ao contrário do que o [presidente] Lula diz, não é limpeza da área, não é tirar o mato. Estamos falando de floresta nativa. Quando o Lula faz discurso e diz que o agricultor não pode ficar parado e não pode mais limpar um metro de terreno, não é disso que está se tratando. Ou o presidente não entendeu, ou está tentando confundir a opinião pública.
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