A única empresa que fabrica papel de imprensa no Brasil, beneficiária direta de emendas à MP 413 e que doou materiais para a campanha de dois parlamentares que assinaram os textos, diz que não há qualquer relação entre a contribuição e a proposta apresentada por esses deputados. Segundo o vice-presidente de Assuntos Corporativos da Norske Skog Pisa, Afonso Noronha, o papel produzido por eles é o mais utilizado nas campanhas eleitorais no Brasil.
A companhia, de origem norueguesa, é considerada a maior fabricante de papel imprensa do planeta, com faturamento mundial próximo dos US$ 4 bilhões. “A gente não tem como fugir de dar a nossa contribuição cívica”, afirmou Noronha ao Congresso em Foco.
De acordo com o executivo, a empresa não doa dinheiro, apenas bobinas de papel para os candidatos. Mas faz o devido registro na Justiça eleitoral, com os respectivos valores da contribuição. Noronha diz que a indústria se sente “confortável” em ajudar os políticos porque, a fim de não dar margem a suspeitas de lobby, segue dois critérios na hora de doar material de campanha.
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O primeiro critério é a proporcionalidade das bancadas no Congresso. De acordo com o vice-presidente da Norske, a distribuição obedece à proporção das cadeiras ocupadas por cada partido no Parlamento. Ficam de fora da ajuda, afirma ele, aquelas legendas que não conseguiram eleger 3% dos deputados. “Eu dôo papel rigorosamente dentro da legalidade”, diz Noronha, que pessoalmente faz a listagem de beneficiados.
O segundo critério, explica ele, é geográfico. São beneficiados com recursos da empresa apenas os políticos do Paraná, estado onde funciona a Norske. “Não faz sentido doar para o deputado do Maranhão. Procuramos direcionar para o Paraná. Como os deputados do Paraná são os que nos apóiam, não temos condições de pegar os deputados do Maranhão para defender a nossa causa. Faz parte do equilíbrio político”, afirma Noronha.
De acordo com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dos 15 políticos que receberam ajuda da empresa em 2006, apenas um não era paranaense. Juntos, eles foram contemplados com R$ 292,3 mil.
Pedidos
O deputado Eduardo Sciarra (DEM-PR) admite que atendeu ao pleito da Norske Skog Pisa ao propor emendas para o setor. A fábrica da empresa está localizada na cidade de Jaguariaíva (PR). "Por essa razão, apresentei, juntamente com outros dois parlamentares paranaenses que também reconhecem a importância da desoneração de investimentos, as duas emendas solicitadas pelo setor", afirma ele, em nota enviada ao site (leia a íntegra).
Os outros dois deputados do seu estado citados pelo democrata são Luiz Carlos Hauly (PSDB-PR) e Cezar Silvestri (PPS-PR). Ambos receberam doações de campanha do setor, mas apenas Sciarra e Hauly receberam doações da Norske Skog Pisa.
O deputado do DEM diz que é, "no mínimo, temerário" concluir que "toda e qualquer iniciativa parlamentar tenha forçosamente vínculos com este ou aquele setor". "As doações que recebi em minha campanha são públicas, as contas – receitas e despesas – foram auditadas e aprovadas pela Justiça Eleitoral e são de conhecimento dos meus eleitores, podendo ser consultadas a qualquer momento no endereço eletrônico do Tribunal Superior Eleitoral", alega.
Emenda semelhante para beneficiar o setor de papel de imprensa foi feita pela deputada e ex-prefeita de São Paulo Luiza Erundina (PSB-SP). Ao site, Erundina diz que fez a emenda a pedido setor de produção de listas telefônicas. "Minha intervenção parlamentar não pode – nem de longe – ser confundida como resultado de uma ação padronizada em benefício do segmento de produção e comercialização de papel", ressalta.
"Nunca fui procurada por financiadores de campanha com o objetivo de influenciarem a minha atuação parlamentar, mesmo porque eles sabem que sequer seriam recebidos", diz a deputada, por meio de nota (leia a íntegra). De fato, a deputada não recebeu dinheiro de empresas produtores de papel imprensa, mas de editoras e gráficas de São Paulo, que indiretamente podem se beneficiar com sua emenda.
Manutenção de benefícios
O vice-presidente da Norske defende as emendas propostas à MP 413 que mantêm a isenção de PIS e Cofins para o papel de imprensa por mais quatro anos. Atualmente, essa isenção tem data para acabar: 30 de abril deste ano.
Segundo Noronha, o alívio tributário foi concedido pelo governo em 2004 após solicitação dos principais consumidores do produto – jornais e editoras – para que os fabricantes de papel tivessem tempo de poder abastecer todo o mercado nacional. Hoje, só um terço da produção é feito no Brasil; o restante é importado.
Entretanto, dois fatos impediram que esse avanço se concretizasse, na avaliação dele. A desvalorização do câmbio tornou o papel importado muito competitivo em relação ao nacional. Além disso, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) não pode ser compensado por meio de operação de crédito de imposto. A maior parte desse tributo é resultante dos gastos com energia, segundo Noronha, que representam 40% dos custos de produção.
“Tanto o ICMS quanto o câmbio foram mortais. Tudo isso foi explicado ao secretário [da Receita Federal, Jorge] Rachid”, disse Noronha ao Congresso em Foco. Esses problemas atrasaram a instalação de uma nova máquina que produz papel de imprensa. Em 2004, com o dólar mais valorizado, o equipamento supriria 100% do consumo nacional. A intenção, agora, é fazê-lo suprir 70% do mercado. “Os atrasos não foram culpa nossa”, ressalta.
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