Renata Camargo
Um relato
muito emocionado do ex-deputado federal Cabo Júlio (PMDB-MG), condenado em
primeira instância por envolvimento com os chamados sanguessugas da máfia das
ambulâncias, chamou a atenção nesta semana. Na última quarta-feira (7), enquanto
parlamentares no Congresso faziam manobras regimentais para adiar a votação
do projeto ficha limpa, o ex-deputado postava uma mensagem de desabafo em seu
blog pessoal, assumindo-se culpado e questionando por que, dos 84 acusados
sanguessugas, apenas ele foi condenado.
“A máfia das ambulâncias foi um dos piores momentos da minha vida política.
(…) Eu errei, eu permiti que a corrupção e o erro invadisse (sic) minha alma.
Paguei e continuarei pagando um preço muito caro pelo meu erro imperdoável.
Mesmo tendo 84 deputados investigados, fui o único a ser condenado em primeira
instância. Apesar de recorrer, será que eu sou pior do que todos os outros 83?
Eu colhi o que plantei”, declarou no blog.
A máfia das ambulâncias foi um esquema de corrupção de venda superfaturada de
ambulâncias, com recursos do Ministério da Saúde, para prefeituras e ONGs do
país inteiro. Para viabilizar a fraude, os responsáveis pelo esquema contavam
com a ajuda de emendas de parlamentares amigos que, em troca, pagaram R$ 9,46
milhões em propinas a deputados e assessores.
Em setembro de 2009, o Congresso em Foco publicou uma
matéria mostrando que, dois anos depois de serem denunciados à Justiça, os
principais acusados de participação na máfia continuavam em liberdade. A
reportagem mostrava como seguia a vida do empresário Luiz Antônio Vedoin,
responsável pelo esquema, e dos ex-deputados Lino Rossi (PP-MT) e Nilton
Capixaba (PTB-RO). A punição pelos crimes veio somente das urnas (leia
aqui).
No blog, Cabo Júlio – hoje vereador de Belo Horizonte e líder
do partido na Assembleia Legislativa – conta a angústia que tem passado por
conta de problemas graves de saúde. O ex-deputado afirma que prometeu a Deus
que, se não morresse “no meio daquelas dores terríveis, iria tentar ser melhor
(ou menos pior)”. “Quando a gente passa por momentos como este, vê que a vida
vale tão pouco. Nos fazem refletir sobre tanta coisa, sobre tantos erros e
acertos”, afirma.
Em seus relatos, Cabo Júlio pede perdão à família, a
Deus, aos amigos e também aos companheiros de trabalho pelos erros cometidos. O
vereador mineiro termina sua carta de desabafo, pedindo que seus assessores de
gabinete não impeçam que o documento seja publicado na íntegra, porque essa é
sua vontade.
“Sabe gente, a vida vale tão pouco quando a gente sente que
a está perdendo. Como seria bom se pudéssemos voltar no tempo e fazer as coisas
tão diferentes, tão certas. Eu to (sic) com medo. Deus sabe que estou falando a
verdade. (…) Prefiro que Deus me leve, a sentir tamanha dor”,
diz.
Leia abaixo a íntegra da carta de
desabafo:
Quarta-feira, 7 de abril de 2010
“EU PENSEI
QUE FOSSE MORRER DE TANTA DOR”
São 23:03 hs do dia 07/04/10, é a
primeira vez que entro em meu blog desde a sexta feira passada quando cheguei ao
Hospital Santa Rita pela penúltima vez.
Eu fiquei
aproximadamente uma semana internado no Hospital Santa Rita, depois HPM e por
último fazendo exames no Hospital Vila da Serra.
Quando a gente passa por momentos como este, vê que a vida vale tão
pouco. Nos fazem refletir sobre tanta coisa, sobre tantos erros e
acertos.
Na sexta-feira eu senti tanta dor no abdômen que acabei desmaiando no
volante. O carro bateu em um poste e fui para o Hospital Santa Rita ser
medicado.
Era a segunda vez. Na primeira desmaiei na via do minério. Nossa, a globo
me filmou em pleno domingo no barreiro.
Infelizmente,a gente tem colegas que bateram muito pesado. ( talvez eu já
tenha feito muito isso e esteja colhendo o que semeei). Alguns comentários no
globo.com diziam: bem feito, tomara que morra, ta drogado, bêbado, é a depressão
por causa da máfia dos sanguessugas. Mas muitos também foram de
solidariedade.
As vezes não sabemos diferenciar vida pessoal, de vida profissional, de
vida política. As vezes misturamos adversários a inimigos.
Voltando a esta semana, no outro dia pela manhã, resolvi sair a esquina
para comprar umas fitas e passar o fim de semana em casa descansando da noite
anterior no Pronto Socorro do Hospital.
Na Avenida Sinfrônio Brochado, próximo do Comercial as dores foram tão
forte, tão intensas que eu tentei chegar no Corpo de Bombeiros e não consegui. A
sorte foi que um colega policial desceu do ônibus e eu pedi que corresse no PA
dos Bombeiros e pedisse ajuda.
Naquele momento eu pensei que fosse morrer ali na rua, eu suava e tinha
diarréia de tanta dor. Logo, uma viatura da PM ( infelizmente não sei sequer
quem eram os policiais para agradecer) apareceu e me socorreu mais uma vez. Meu
primeiro agradecimento a esta guarnição que me socorreu. Que Deus abençoe
vocês.
Depois de uma tarde de atendimento no Santa Rita começaram os exames após
a internação: ultrasonografia abdominal, sangue, urina, fezes, raio x, e
infelizmente não descobriram a causa da dor.
A dor era tanta que buscopan na veia não amenizava as dores. O médico
decidiu então aplicar morfina para aliviar a dor. Naquela hora, aos gritos de
dor, eu pedi socorro a todo mundo que eu conhecia. Eu preferia a morte a sentir
tamanha dor.
Liguei para um ex-chefe da época em que fui
transferido para a antiga DST ( em 97) que acabará de reformar no HPM e ele me
ajudou a ser removido as pressas para o Hospital Militar.
Meu segundo agradecimento é ao Ten Cel Ezequiel que atendeu a ligação
telefônica desesperada da minha mãe e me ajudou a ser transferido de um hospital
ao outro. Deus abençoe ao Senhor e sua família.
Chegando no HPM, o próximo exame foi uma tomografia computadorizada do
abdômem. Mais uma vez nada foi detectado. O que mais me angustia não é
propriamente a dor, mas não descobrir sua causa.
A cada noite eu continuava, apesar do medicamentos, a urrar de dor. Ao
meu lado na enfermaria 227, o SD Bruno de Itatiauçu, que havia sofrido um
acidente automobilístico e iria passar por uma cirurgia no fêmur, e o Sgt Aldair
de Caratinga que passou por uma cirurgia no pulso. A eles,o meu agradecimento
pelo consolo nas noites de dor, e de tristeza. Tristeza por estar a quase seis
meses sofrendo de uma dor em que apesar de tantos exames e tantos remédios,
internações e desmaios, ninguém conseguir descobrir a causa da dor.
Nessas horas a gente pensa em cada dia vivido. Em cada pessoa que
deixamos de valorizar, a cada pessoa que nos decepcionou,ou que decepcionei. A
cada erro, a cada acerto.
Eu prometi a Deus que se ele me permitisse não morrer no meio daquelas
dores terríveis que iria tentar ser melhor ( ou menos pior), iria tentar ser
diferente.
Pensei na minha mãe, ali desesperada no telefone ligando para um e para
outro tentando conseguir uma vaga para me transferir. Sabe, quando a gente tem
um mandato de vereador ou de Deputado a gente acha que é tanta coisa, mas nessa
hora vê que não é nada.
A gente vê que os amigos de verdade são poucos. Muitos são amigos do que
você é, e não de quem você é. Confesso que na hora que cheguei a esta conclusão,
tive vontade de pedir a Deus para me deixar morrer. Tudo perde a graça, tudo
perde a motivação.
A PIOR SOLIDÃO É AQUELA EM QUE A GENTE OLHA PARA O LADO E VÊ TANTA GENTE,
MAS SE SENTE SOZINHO. O PIOR MOMENTO DA VIDA É QUANDO NO MEIO DE TANTOS SONHOS A
GENTE TEM VONTADE DE DESISTIR DE TUDO. MEU DEUS, COMO EU GRITEI PEDINDO PARA
MORRER, PARA NAO SENTIR MAIS DOR. COMO EU RECLAMEI DA VIDA.
Aos oficiais e praças do HPM e aos médicos civis que me atenderam, meu
muito obrigado. Deus abençoe a vocês.
Um agradecimento especial também ao Major Clenis, Diretor Clinico do HPM,
que foi quem me recebeu no primeiro dia e ficou procurando uma vaga para me
alojar. Me perdoe pelas injustiças cometidas contra o Hospital Militar.
Internado ali eu vi como é difícil socorrer todo mundo que precisa. Me
desculpe.
Sabe gente, a vida vale tão pouco quando a gente sente que a está
perdendo. Como seria bom se pudéssemos voltar no tempo e fazer as coisas tão
diferentes, tão certas. Como seria bom se pudéssemos apertar a tecla de REW e
deixar de magoar as pessoas que amamos. Deixar de desapontar as pessoas que
confiaram em nós.
A política foi bom pra minha vida ( nunca fui hipócrita ), mas é um preço
tão alto. Foi muita responsabilidade para um jovem de 29 anos de idade chegar no
Congresso Nacional e representar uma classe tão abandonada, tão
sofrida.
Fiz como Davi, amei quem me feriu e feri quem me amou. Sei que essa carta
será um “prato cheio” para os meus adversários. Dirão: Eu nao disse, eu nao
falei, etc. Mas não to nem aí, quero aliviar o peso da minha alma. Tem uma coisa
que muita gente nao entenderá, que é uma coisa que meu pai dizia: “quando o
fardo estiver pesado, volte ao primeiro amor”. Nossa, como é dificil.
Aos meus colegas, meu pedido de perdão.
A pior tristeza de um homem é quando ele não sabe se vai durar mais 100
anos, ou apenas mais 100 minutos. Dá vontade de fazer em 100 minutos, o que não
conseguimos fazer em 100 anos. Mas, o tempo não permite. Uma das piores dores é
a dor da frustração.
Não to nem aí se essa carta vai ser bem entendida ou não,se vai me trazer
prejuízo ou não,é um desabafo de quem acabou de sair de um hospital. São 23:40
hs agora.
Não preciso de sensacionalismo. Fui eleito e, 1998. Depois quando deixe a
candidatura de prefeito de Belo Horizonte, todo mundo dizia que eu estava
acabado politicamente e tive quase 120 mil votos em 2002. Em 2006 depois de 10
meses de pancada todo dia tive quase 60 mil votos. Em 2008 me elegi vereador em
BH, quebrando mais um tabu. Nunca tivemos um praça eleito em BH. É a eleição
mais difícil de todas a de vereador.
Pelo amor de Deus, não é isso. Isso não traz lucro, traz reflexão. Talvez
alivie a alma.
Ao Deputado Sargento Rodrigues. Lembrei naquele leito, as vezes que nos
reunimos na sua ou na minha casa juntando moedinhas para pagar a nossa conta de
luz depois da exclusão. Da sua esposa fazendo um mexidão para as pessoas que
estavam ao nosso lado em uma campanha até então impossível.
Das vezes em que a gente viajava, e chegava nas cidades e não tinha
dinheiro para comer, para dormir, para abastecer o carro emprestado. A gente
vivia de rifas.
Como as coisas tomaram outros rumos depois da eleição. Talvez pela nossa
vontade de, separadamente ,mostrar a nossa classe quem era o mais grato,o mais
desejoso de mostrar serviço, o mais competente, ou talvez o menos
incompetente.
A você, Rodrigues o meu pedido maior ainda de perdão, por ter permitido
que a nossa amizade, forjada na dor, fosse embora.
Continue, você é competente e importante para a nossa classe.
Sabe gente, quando a gente chega lá, a gente chega cheio de vontade de
mudar o mundo, de fazer e acontecer. Mas a realidade é dura. É difícil mudar
culturas, mudar coisas moldadas ( certas ou erradas ) com o tempo.
A máfia das ambulâncias, foi um dos piores momentos da minha vida
política; um momento de muita crueldade com a minha família. Não culpo ninguém,
a culpa foi exclusivamente minha. Mas me negaram o direito de mostrar o meu lado
da história.
EU ERREI, EU PERMITI QUE A CORRUPÇÃO E O ERRO INVADISSE MINHA ALMA.
Eu jamais esperaria que aquelas pessoas que me ajudaram na campanha de
2002 viessem a ser presos e acusados de tanta coisas erradas. Mas,quem com porco
se mistura, farelo come.
Eu não fui e não sou inocente. Deus sabe que não sou. Mas também não
errei o tanto que me acusaram de errar.
Perdão aos meus filhos, a minha mãe, a meu irmão. Aos meu colegas, que
confiaram em mim. São tantos que é dificil pedir perdão e nomear a todos. A
Noeme de Juiz de Fora, ao Araujo de Teofilo Otoni, ao Zé de Uberaba ( meu
paizão), ao Alair de Bom Despacho, a Adriana de Pouso Alegre, ao Laubi de TO, ao
Cb Prates de Moc, ao Sgt Barbosa de BH, ao Melo de Neves, ao Lucio de
Leopoldina, ao Abi-Ali de Valadares, ao Cb Fernando de Contagem, ao Cel
Mendonça, ao meu herói na area juridica, o Dr. Cabo Ricardo de BH, ao Sgt Mendes
guerreiro de 97, aos anistiados, enfim, é tanta gente que o sono me trai. Me
desculpe quem eu esqueci.
Aos meus fiéis mosqueteiros, Lobão, Jacinto ( e a marlene) e maurição.
Vocês são a minha família. Obrigado por nunca terem me abandonado. Amo
vocês.
A Renata da Aspra que pediu oração pra mim eu seu blog. Brigadão. A nossa
renatinha e a Dra Liliane, obrigado pela força.
Paguei e continuarei pagando um preço muito caro pelo meu erro
imperdoável. Mesmo tendo 84 deputados investigados, fui o único a ser condenado
em primeira instancia. Apesar de recorrer, será que eu sou pior do que todos os
outros 83? Eu colhi o que plantei. Deixei de confiar em Deus na hora do aperto.
Esqueci que o mesmo Deus que me tirou da barraca de camelo, que se eu fosse
fiel, ele me permitiria continuar. Mas a ambição falou mais alto que a
fé.
A depressão é uma doença da alma. A alma segundo a psicologia são os
sentimentos, as emoções. Segundo a teologia,é o que nos aflige e nos distancia
de Deus. É o que dói, o que faz os problemas pequenos se tornarem grandes. O que
faz os problemas grandes se tornarem impossíveis aos olhos humanos.
Sabe, são tantas pessoas que magoei, que decepcionei, que essa carta se
tornaria imensa.
Ao Coronel Renato, meu pedido de perdão também. È fácil demais fazer a
política da critica, do quanto pior melhor. Mas fazer,é tão difícil.
Vou lembrar um fato que talvez você não se lembre. Em 1997, no auge da
crise, você me chamou no gabinete do sub-comando e me disse: vai em frente.
Confesso que não entendi até hoje esta frase. Mas eu fui em frente.
A mão que aplaude cada critica,é a mesma mão que desdenha.
Creio que tem muita coisa ruim que existe ainda na PM, muitas injustiças.
Colegas trabalhando como burro de carga, injustiças. Mas as criticas não são de
todo justas.
Desejo sucesso no seu comando. Olhe com mais sensibilidade aqueles que
sofrem.
São 23:58, nem sei como terminar. Afinal são quase 10 anos,em que sai do
anonimato de uma viatura Rotam e uma barraca de camelo e passei a ter tantas
responsabilidades que hoje vejo que não estava preparado.
É um mundo cão. Onde o mais forte engole o mais fraco.
Ao Cabo Alexandre, Presidente da ASCOBOM. Obrigado pelo conforto, pelo
socorro, por acreditar em mim em momentos em que muitos me viraram as costas.
Sua ousadia manteve o Projeto Restaurando Vidas de pé quando todos achavam que o
sonho se acabaria.Na luta eu tive um colega, na dor eu ganhei um irmão. Você foi
um dos poucos ombros que eu tive para chorar. Obrigado Alexandre.
Enfim, essa carta é um desabafo.
Ao apostolo Freitas, que um dia me disse: a igreja é lutar de
restauração. Estamos juntos até o ultimo minuto. Obrigado.
Não sei o que eu tenho, se é grave, ou apenas uma bobeira emocional. Mas
eu peço a Deus que me perdoe e não em deixe passar mais tanta dor como aquela
que senti naquele hospital.
Eu tô com medo. Deus sabe que estou falando a verdade. To me sentindo
meio impotente diante da possibilidade de ter pouco tempo para fazer tanta coisa
que sonhei.
Prefiro que Deus me leve, a sentir tamanha dor. Dói no corpo e dói muito
mais na alma quando a gente se sente inútil diante da impossibilidade de lutar
contra ela.
Obrigado a todos. São 02:25.
(AOS MEUS ASSESSORES QUE CONTROLAM ESTE BLOG, POR FAVOR, RESPEITEM A
MINHA VONTADE E DEIXEM ESTA MENSAGEM NA INTEGRA COMO POSTEI )
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