Fábio Góis
O Conselho Nacional de Justiça e os cartórios estiveram em lados opostos várias vezes nos últimos anos. Uma delas, no debate da chamada PEC dos Cartórios, que aguarda a votação em primeiro turno na Câmara dos Deputados, e enfrenta oposição declarada do CNJ desde a época em que órgão era presidido pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Gilmar Mendes. A emenda constitucional, que muitos consideram um “trem da alegria”, concede titularidade aos que assumiram os cartórios até 20 de novembro de 1994 e estejam à frente do serviço há, no mínimo, cinco anos ininterruptos.
No dia 12 de julho, outro embate quando a Corregedoria do CNJ veiculou no Diário de Justiça Eletrônico a relação dos 14.964 cartórios extrajudiciais registrados no país. O levantamento sentenciou a vacância de titularidade em 5.561 cartórios – como define a Constituição, as vagas devem ser preenchidas por meio de concurso público. “Entre as milhares de serventias em situação irregular, que foram declaradas vagas, estão inúmeros cartórios extrajudiciais providos por permuta entre familiares. Com isso, famílias vinham se perpetuando há anos, sem concurso público regular, à frente de cartórios altamente rentáveis”, diz o CNJ.
Um novo enfrentamento, mantido até agora longe da imprensa, opõe cartórios e CNJ em relação à aplicação da Resolução nº 23.217 (confira a íntegra aqui), baixada em 2 de março deste ano pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ela proíbe doações eleitorais de cartórios. O CNJ, no entanto, divulgou em seu portal que repassou à Justiça eleitoral os CPFs dos titulares dos cartórios, demonstrando a intenção de restringir também as doações que eles poderiam fazer como pessoas físicas.
A resolução e a ameaça do CNJ
A resolução do TSE dispõe sobre arrecadação e gastos de recursos por partidos políticos, candidatos e comitês financeiros, bem como a prestação de contas para as eleições de 2010. No capítulo sobre arrecadação (seção I – Da origem dos recursos), o seu artigo 15 estabelece como passível de impugnação de candidatura o ente partidário ou candidato que receba doação de “cartórios de serviços notariais e de registro”.
Com base no artigo 24 da Lei nº 9.504/97, a resolução veda a doação “a partido político, comitê financeiro e candidato” por parte de organizações, órgãos públicos, sociedades cooperativas e determinados tipo de pessoas jurídicas, em um total de 13 casos – entre eles, os cartórios. Os candidatos ficam proibidos de receber deles, “direta ou indiretamente, doação em dinheiro ou estimável em dinheiro, inclusive por meio de publicidade de qualquer espécie”.
O problema surgiu quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em comunicado divulgado em 28 de julho, anunciou o fornecimento ao TSE de “dados cadastrais de cartórios extrajudiciais, incluindo o CNPJ e CPF dos notários e registradores”, como maneira de assegurar o cumprimento da resolução e a fiscalização de eventuais doações.
“Pelo artigo 15, inciso XIII, da resolução, é vedado a candidatos e comitês financeiros de partidos ou coligações o recebimento de doações de recursos oriundos de cartórios de serviços notariais ou de registro. Detectada a doação, além das conseqüências para o candidato às eleições, o responsável pela serventia poderá perder a delegação ou designação, assim como sofrer outras sanções”, diz trecho da nota assinada pela Agência CNJ de Notícias.
Mas o próprio artigo 14 da resolução do TSE permite, desde que sejam “respeitados os limites previstos nesta resolução”, a doação de pessoas físicas para partidos, comitês ou candidatos. Ou seja, não há no entendimento do TSE menção a restrições de doação individual.
Nos cartórios, indignação
O Congresso em Foco entrou em contato por telefone e por e-mail com o CNJ, em busca de uma justificativa para o fornecimento de informações cadastrais de cartórios e titulares. Uma solicitação de esclarecimento foi formalmente encaminhada para a assessoria de imprensa do órgão, mas a redação não obteve qualquer resposta até a conclusão desta reportagem.
Titulares de cartórios notariais e de registro dizem estar indignados com a interferência do CNJ ao repassar dados pessoais ao TSE. Alegam que os conselheiros do órgão de controle do Judiciário adentram o caráter pessoal do apoio político, em uma postura autoritária que destoa da prática eleitoral e das liberdades democráticas. Afinal, dizem eles, dirigentes de órgãos públicos, por exemplo, podem fazer doações de maneira individual, na condição de pessoa física.
“Não é caixa dois, não é nada demais. Com essa medida, a pessoa física do notário fica impedida de ter simpatia por qualquer partido. Nem na época da ditadura usaram medida tão drástica”, disse à reportagem um notário que não quis se identificar. “Os cartórios não têm personalidade jurídica. Eles não podem contribuir mesmo para campanha eleitoral, para entidades da assistência social, nada, porque a lei não permite. Mas os notários e registradores podem, desde que não infrinjam a lei”, afirma ele.
Como é recorrente em épocas de eleição, empresas, instituições e diversas entidades da sociedade civil fazem doação para partidos e candidatos. A conduta tem como fim primário a defesa de interesses de classe junto ao Parlamento, por meio de políticos eleitos que os representem na elaboração e votação de proposições que, de alguma forma, interfiram nas respectivas áreas de atuação.
Ao impedir a doação individual, dizem representantes de notários e registradores, o CNJ quer coibir a busca de apoio parlamentar junto às lideranças políticas.
Pressão
Mas o embate está apenas no início, embora a menos de dois meses do primeiro turno das eleições de 3 de outubro. Alguns partidos políticos já se anteciparam e, em mobilização feita nas últimas semanas, articulam a apresentação de uma consulta ao TSE, de maneira a anular os efeitos restritivos da resolução sobre doações.
O livre trânsito de doações por parte de notários e registradores constitui uma fonte considerável de recursos para entes partidários. Com os limites impostos pelo TSE, diversos candidatos deixam de receber quantias em dinheiro que, a depender de determinados contextos regionais, pode enfraquecer estruturalmente uma campanha e resultar em derrota nas urnas.
Para os titulares de cartórios extrajudiciais, a motivação principal do CNJ é não deixar que, por meio das doações e do apoio estratégico, a classe tenha uma frente parlamentar em defesa de seus interesses. Uma reunião dos representantes de notários e registradores está prevista para o dia 18 de agosto. “Vamos pressionar”, adianta o notário.
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