“Quem assume o papel de julgador vai fazê-lo com a convicção de que hoje está julgando, mas amanhã poderá ser julgado.” A advertência, feita em entrevista à Folha de S.Paulo, pelo deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) aos colegas que votarão seu processo de cassação bem poderia ser aplicada a ele. Mas às avessas. Cunha, que hoje quer escapar da máxima punição política, votou a favor da cassação de dois deputados: Natan Donadon (ex-PMDB-RO) e André Vargas (ex-PT-PR).
Os dois foram os únicos julgados pelo Plenário da Casa desde que esse tipo de votação passou a ser aberta, em 2013. Ambos acabaram cassados. Também foi o responsável por encaminhar o processo de impeachment da presidente Dilma. No comando da sessão em que a Câmara decidiu enviar o processo contra Dilma para o Senado, Cunha fez questão de registrar seu voto contra a petista.
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Em comum à dupla, Cunha tem a coleção de complicações na Justiça. Natan Donadon foi condenado em 2010 pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 13 anos e quatro meses de prisão, por peculato e formação de quadrilha, acusado de desviar recursos públicos da Assembleia Legislativa de Rondônia. Mesmo preso no Complexo Penitenciário da Papuda, no Distrito Federal, ele escapou da cassação em 23 de agosto de 2013, quando a votação foi secreta – e passou à inusitada condição de deputado presidiário. O rondoniense foi absolvido por 233 votos contra 131 favoráveis e 41 abstenções.
Com a repercussão negativa, a Câmara refez a votação. Em votação aberta, em fevereiro de 2014, o resultado foi completamente diferente: 467 votos a favor da perda do mandato e apenas uma abstenção, de Asdrubal Bentes (PMDB-PA), que também havia sido condenado pelo Supremo. Cunha votou a favor da cassação do ex-colega de partido.Ex-vice-presidente da Câmara, André Vargas teve o mandato cassado na sessão de 10 de dezembro de 2014, também com o voto de Eduardo Cunha. O ex-petista foi expulso da Câmara, por 359 votos a um e seis abstenções, por quebra de decoro, acusado de ter atuado na intermediação junto ao Ministério da Saúde em favor do laboratório Labogen, do doleiro Alberto Youssef, preso no início da Operação Lava Jato.
Sem o mandato e a prerrogativa de ser julgado pelo Supremo, Vargas se tornou o primeiro político a ser condenado na Lava Jato pelo juiz Sérgio Moro, em setembro do ano passado. A pena imposta ao ex-vice-presidente da Câmara foi de 14 anos e quatro meses de prisão inicialmente em regime fechado, além de multa de R$ 625.536.
Caso seja cassado, Cunha também perderá a prerrogativa de ser julgado pelo Supremo e terá de responder aos processos da Lava Jato também perante o juiz Sérgio Moro. Em entrevista publicada pela Folha nesta segunda, Cunha defendeu que seus colegas não o julgassem e deixassem para o Supremo a tarefa de decidir se ele é culpado ou não, se mentiu ou falou a verdade ao negar ter contas bancárias na Suíça. “Tenho que acreditar que quem assume o papel de julgador vai fazê-lo com a convicção de que hoje está julgando, mas amanhã poderá ser julgado. Todo mundo vai querer julgar da forma como gostaria que fosse julgado. É o que eu faria”, declarou o peemedebista à repórter Daniela Lima.
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