Soraia Costa, Edson Sardinha e Diego Moraes
Como uma forma de protesto, os deputados integrantes da Comissão de Ciência, Tecnologia e Comunicação decidiram, de maneira inédita, rejeitar 88 pedidos de concessão e renovação de rádio e televisão (veja a lista completa das emissoras).
Isso porque os parlamentares acreditam que, da maneira como os pedidos são enviados pelo Ministério das Comunicações, não é possível verificar a regularidade fiscal e judicial das emissoras. Os deputados alegam que faltam informações para comprovar que as concessões estão sendo feitas de forma justa e adequada.
Os processos recusados irão a Plenário para votação nominal. A rejeição será mantida caso 206 deputados – ou seja, dois quintos dos integrantes da Casa – concordem com a decisão da comissão.
“No caso das renovações, por exemplo, o que chega para nós é um relatório do Ministério das Comunicações. Não sabemos quem são os sócios nem se as empresas estão cumprindo as determinações legais, se elas estão regularizadas, por exemplo, em relação às questões tributária e trabalhista, que são pré-requisitos para a renovação”, disse ao Congresso em Foco o deputado Orlando Fantazzini (Psol-SP).
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Em entrevista ao jornal O Estado de S.Paulo, o ministro das Comunicações, Hélio Costa, classificou o ato da Câmara como uma retaliação à retirada, pelo governo, de pedidos de outorga que tramitavam no Congresso e corriam o risco de ser rejeitados. “Isso aqui é uma provocação porque não deixamos a comissão agir intempestivamente e prejudicar 225 emissoras”, disse o ministro. “Tudo sai do ministério rigorosamente como prevê a lei”, completou (leia mais sobre a posição do ministério).
“A provocação vem sendo feita pelo ministério, que trata com descaso o Congresso. Precisávamos ter dado esse basta antes. O ministro não quer que se questione a observância legal”, reagiu Fantazzini. O deputado lamentou que, entre os processos de renovação arquivados, estavam alguns de rádios comunitárias. “Mas não podíamos mais adiar esse debate”, disse.
Problemas na documentação
A briga entre o Ministério das Comunicações e a comissão teve o seu início em junho deste ano, quando o presidente Lula tomou a inédita decisão de requisitar à Câmara a devolução de 227 processos de renovação de outorga de rádio e TV ameaçados de rejeição pela Casa devido a problemas na documentação (veja a relação completa). A lei exige a renovação das autorizações a cada dez anos para as rádios e a cada 15, para as TVs.
Ao justificar o seu ato, o presidente alegou que caberia ao Ministério das Comunicações, e não ao Congresso, exigir das empresas a complementação dos documentos. O curioso é que foi o próprio ministério que repassou a documentação incompleta para a Câmara.
Políticos na ilegalidade
Na lista tomada de volta pela Presidência, há pelo menos dez pedidos de renovação de emissoras ligadas a parlamentares. O principal articulador da manobra foi o deputado Jader Barbalho (PMDB-PA), que conseguiu, em um só lance, manter em atividade três emissoras de sua família com concessões vencidas. Além da Rádio Clube do Pará, que opera sem autorização há mais de 13 anos, também foram beneficiadas com a medida a Rede Brasil Amazônia de Televisão (RBA), cuja concessão venceu em 2002, e a Rádio Carajás FM, todas ligadas a Jader.
Como mostrou o Congresso em Foco em julho, 75 emissoras de rádio funcionam mesmo tendo suas concessões vencidas há mais de uma década. Algumas estão em nome de parlamentares ou seus familiares (leia a reportagem). É o caso da Rádio Clube do Pará, em nome de Luiz Guilherme Fontenelle Barbalho, irmão do deputado peemedebista; da Rádio Jornal de Propriá, da senadora Maria do Carmo Alves (PFL-SE), e da Rede Amazonense de Comunicação, do deputado Humberto Michiles (PL-AM).
Todos esses casos estavam na Comissão de Ciência e Tecnologia – presidida até março pelo próprio Jader – e faziam parte de uma lista de 700 processos de renovação que chegaram à Câmara ainda em 2002. Na época, o colegiado detectou irregularidades na documentação de praticamente todas as emissoras. De lá pra cá, cerca de 500 delas se ajustaram.
O restante dos processos se arrastou na Casa até maio deste ano, quando integrantes da Comissão de Comunicação decidiram criar uma subcomissão para determinar as renovações que seriam negadas. Ao saber da criação dessa subcomissão, Jader pediu ao Ministério das Comunicações que interferisse diretamente no processo.
Como somente o presidente da República tem permissão para solicitar a devolução dos processos, coube a Lula intervir. O apelo de Jader, de quebra, salvou emissoras de outros aliados do governo, como os senadores José Sarney (PMDB-AP), José Maranhão (PMDB-PB) e Flávio Arns (PT-PR),
Votação às escuras
Hoje, as concessões de rádio e TV no Brasil são autorizadas pelo Poder Executivo, por meio do Ministério das Comunicações. Posteriormente, as autorizações têm de ser aprovadas pelo Congresso Nacional. De acordo com Luiza Erundina, há muitos anos, a forma como se procede a autorização de concessões no Brasil vem incomodando muitos parlamentares da Comissão de Ciência e Tecnologia.
“O Congresso ainda não tem base e sustentação para votar concessões em todo o país sem informações suficientes sobre as emissoras. Nós votamos, às vezes, 60 concessões, de uma só vez, sem conhecimento suficiente e uma análise mais aprofundada para renovar ou homologar novas concessões”, afirmou.
Débitos previdenciários
Na lista das irregularidades dos processos devolvidos pela Câmara ao Ministério das Comunicações, aparecem empresas que foram vendidas há vários anos e cuja documentação continua nos nomes dos antigos donos, embora a lei exija que a mudança societária seja previamente aprovada pelo governo, e emissoras que foram desativadas, mas que sobrevivem na documentação oficial.
A renovação de concessão só pode ser autorizada se a empresa estiver em dia com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) e com o fisco municipal, estadual e federal. A Rede Brasil Amazônia (RBA), de Jader Barbalho, é uma delas. A Sampaio Rádio e Televisão, do ex-vice-governador alagoano Geraldo Sampaio, e as TVs Cabo Branco e Paraíba, do ex-senador José Carlos da Silva Jr, também têm débitos previdenciários.
Em causa própria
Embora ocupantes de cargos públicos sejam legalmente proibidos de receber concessões, os meios de comunicação no país historicamente são comandados por grupos políticos. Levantamento feito pelo professor Venício de Lima, do Núcleo de Estudos sobre Mídia e Política da Universidade de Brasília (UnB), publicado pelo Congresso em Foco (leia mais), mostra que 49 deputados são concessionários diretos de emissoras de rádio e TV, conforme dados oficiais do Ministério das Comunicações. Dos 81 senadores, 28 controlam emissoras de rádio ou TV, em nome próprio ou de terceiros, de acordo com pesquisa feita pelo Instituto de Estudos e Pesquisas em Comunicação (Epcom) (leia mais).
Reportagem publicada pela Folha de S. Paulo, em julho, revelou que o governo Lula distribuiu ao menos sete concessões de TV e 27 rádios educativas a fundações ligadas a políticos. E destinou, ainda, uma TV e dez rádios educativas a entidades de organizações religiosas. Entre os contemplados, estão deputados e senadores de partidos aliados, como o PL, o PTB e o PMDB, e do oposicionista PSDB.
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