A gráfica de fachada da periferia de Brasília que recebeu quase R$ 400 mil de apenas um deputado não tem apenas um cliente no Congresso Nacional. A firma sem máquinas, bobinas e funcionários é uma das empresas que mais recebe recursos do “cotão” da Câmara, verba paga aos parlamentares mediantes reembolso para bancar inúmeras despesas sem licitação. Desde 2009, os deputados usaram dinheiro público para, indiretamente, fazer a Casa gastar com a Gráfica e Papelaria BSB R$ 1,79 milhão, valor que só vem crescendo.
Mas, como mostrou o Congresso em Foco ontem, a sede da empresa é a residência do proprietário. O endereço da empresa é uma casa simples no setor “P” Norte, de Ceilândia, no final de uma rua pavimentada, mas cercada por outras de terra. O dono admite que apenas “terceiriza” o serviço, sem reconhecer que isso pode encarecer o preço e sem revelar quais seriam as verdadeiras gráficas que imprimem os materiais pagos com dinheiro público. Orçamentos obtidos pelo site mostraram preços mais baratos cobrados por gráficas da concorrência.
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O ex-governador Carlos Bezerra (PMDB-MT) foi o maior contratante da Gráfica BSB, pertencente ao vendedor Edivaldo Francisco Oliveira. Sozinho, Bezerra gastou R$ 392 mil. Ele disse que fez boletins informativos. Em fevereiro, pagou R$ 20 mil por 140 mil exemplares frente e verso. Em gráficas de Brasília, o serviço sai por pouco menos de R$ 8 mil ou R$ 18 mil caso o material seja impresso em quatro páginas. Bezerra disse ao site que recebeu os boletins e que não tem eventual responsabilidade em caso de irregularidades.
Sozinhos, o ex-governador do Mato Grosso e mais quatro deputados foram responsáveis por 56% de tudo o que a gráfica BSB recebeu da Câmara de 2009 até hoje.
O deputado Padre João (PT-MG) é o segundo que mais gastou com a gráfica de fachada: R$ 214 mil. Ele disse que os serviços foram prestados, mas encerrou o negócio com a empresa depois que descobriu que ela, na verdade, não existia. O parlamentar afirmou ao site a gráfica de Edivaldo sempre entregou os materiais impressos no prazo solicitado e ele nunca questionou a regularidade do fornecedor.
“Ninguém foi lá na gráfica acompanhar. Depois que descobri que terceirizava, paramos, pois abre margem para irregularidade”, disse o parlamentar ao site. Na opinião do deputado, a terceirização não aumentou os custos de produção do material. Ele disse que a gráfica sempre cobrou “um preço razoável”.
O terceiro deputado que mais gastou com a gráfica de Edivaldo Francisco foi Waldir Maranhão (PP-MA), 192 mil. O quarto, o ex-deputado Carlos Santana (PT-RJ), com 116 mil. O quinto é Paulo Rubem Santiago (PDT-PE), com 90 mil. A reportagem não obteve retorno de Maranhão e Santiago. Santana não foi localizado.
Terceira no ranking
Afora companhias aéreas, telefônicas, correios e outros fornecedores em que a capacidade de escolha é reduzida ou nula, a empresa de Edivaldo é uma das maiores beneficiárias do dinheiro do cotão entre 2009 e 2014. À frente dela, só a locadora de veículos ARL Barros Serviços Executivos, com R$ 2,35 milhões, e a consultoria Direct Voice, com R$ 1,97 milhão, conforme dados extraídos do site da Câmara pela Operação Política Supervisionada (OPS), coordenada pelo comerciante Lúcio Big.
Como revelou o Congresso em Foco no ano passado, a ARL Barros pertence a um ex-funcionário da Câmara empresa também funciona numa residência, onde não se encontra nenhum carro para aluguel. A firma e os deputados que utilizaram seus serviços são investigados pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A Direct Voice pertence a uma ex-assessora parlamentar e atende seus ex-chefes, conforme reportagem do jornal Correio Braziliense.
O faturamento da Gráfica BSB com os cofres da Câmara só vem crescendo desde 2009. Neste ano, em que há restrições à produção de materiais de divulgação durante a campanha eleitoral, a empresa do vendedor Edivaldo Francisco só recebeu R$ 92 mil.
“Todo mundo terceiriza”
Ao menos nos registros da Receita Federal, a Gráfica BSB existe desde 2007. Edivaldo disse ao site que ele é, de fato, o único proprietário e que nunca foi funcionário da Câmara. Ele enfatizou que todos os materiais gráficos foram produzidos, entregues aos parlamentares e tiveram uma amostra conferida pela Câmara por meio do Núcleo de Controle da Cota para o Exercício da Atividade Parlamentar.
Ele disse que sempre foi vendedor e que possui outros clientes, não só a Câmara. Edivaldo diz que a “propaganda” é o motivo de seu sucesso em faturar R$ 1,7 milhão nos últimos anos mesmo sem ter nenhuma máquina, impressora ou bobina. “Eu faço minha propaganda. Vou de gabinete em gabinete. Eles ligam pra mim”, afirmou ele ao Congresso em Foco. “É porque eu mexo com isso, com vendas.”
O vendedor afirma, depois de obter o serviço, faz cotação entre outras gráficas. Ele emite a nota em seu nome e entrega o produto. Edivaldo se negou a informar o nome de pelo menos uma das gráficas que realmente produzem os impressos. “São várias”, esquivou-se.
Edivaldo afirma que não há risco de o contribuinte pagar a mais pelo serviço, já que além de a Câmara bancar a impressão, precisa subsidiar a intermediação da empresa dele. “Não fica mais caro. Aqui no Brasil quem não terceiriza? Eu não posso terceirizar, não? Isso tem cotação de preço”, justificou o dono da empresa.
O vendedor disse não saber se as gráficas contratadas por ele conseguem trabalhar para a Câmara diretamente sem a intermediação dele. “Não sei, tem que ver no portal”, afirmou. Edivaldo não revelou o nome das gráficas, o que permitiria checar essa informação.
Sem providências
A assessoria da Câmara não comentou o caso específico da gráfica . Não informou se tomará alguma providência. A assessoria da Câmara disse ao Congresso em Foco que a responsabilidade pela legalidade dos gastos é de cada gabinete, que é quem deve atestar a entrega dos produtos e serviços contratados. “Ao apresentar a nota fiscal e solicitar o reembolso, o parlamentar assina um ato”, diz a assessoria, no qual ele assume a “inteira responsabilidade” pela despesa. “A Câmara analisa a regularidade fiscal e contábil dos documentos (nota fiscal, cupom fiscal, recibo).”
Mas a Casa não analisa se a empresa existe de fato. Quem faz isso, diz a Câmara, são outros órgãos. “Quanto à fiscalização das empresas que contratam com o serviço público, em todos os municípios do País, ela é realizada pelos órgãos federais de controle externo.” Para facilitar o controle social, no mês passado, a Câmara começou a publicar em seu site os fac-símiles das notas e recibos.
Deputado gasta quase R$ 100 mil com gráfica de fachada
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