Há um velho princípio usado pelos jornalistas para definir o que é ou não notícia. Por esse princípio, não é notícia um cachorro que morda alguém. Mas será notícia o dia em que alguém morder um cachorro. Notícia, assim, é aquilo que não é rotina, que é inusitado. Ao longo do tempo, esse princípio derivou para uma outra prática nos jornais, de um modo geral: notícia passou a ser sempre algo negativo, especialmente quando se fala de política. O bom seria rotina, o mero cumprimento da obrigação.
E a verdade é que a atividade política no Brasil, com todos os seus vícios e defeitos, não costuma mesmo produzir boas notícias. Para a maioria dos veículos de imprensa, é até difícil passar um dia sequer sem abordar assuntos que, ao menos indiretamente, tenham ligação com qualquer modalidade de corrupção ou malfeitos, como gosta de expressar a presidenta Dilma Rousseff. Essa má imagem resulta da ação de uma espécie de político sem competência, qualificação moral ou comprometimento social necessários ao exercício da função pública. Ferem o propósito da política e, em casos extremos, acabam por deslocá-la para as páginas policiais. Mas e o contrário? Será que nunca nada de bom é proposto ou acontece?
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No mundo das mídias digitais, que buscam diversificar e ampliar a pauta muitas vezes mais estreita da imprensa tradicional, há alguns que agora se dedicam a buscar essas boas notícias. Cansados de ver apenas a má política ganhar espaço na imprensa, gerando um clima de descrédito generalizado na população, alguns sites e blogs resolveram lançar luzes no outro lado – o positivo, das boas práticas parlamentares, que costumam trazer benefícios à sociedade. E eles estão conseguindo encontrar essas boas práticas. “Eu estava lendo um jornal e tive um insight: nunca ninguém fala bem dos políticos porque quem fala bem parece que está fazendo propaganda”, relata a blogueira Paula Filizola, uma carioca de 23 anos que, depois da repercussão do caso que levou à queda do ex-ministro Antonio Palocci (da Casa Civil), em junho, teve a ideia de criar o blog “Política do Bem”, que vasculha o que há de bom no poder Legislativo.
O blog está longe de ser um espaço edulcorado, com uma visão panglossiana de mundo. Em seus últimos posts, por exemplo, Paula dedica-se a falar da II Marcha contra a Corrupção, ocorrida no último dia 12 de outubro. Ou seja, o espaço criado pela jornalista, que trocou o Rio por Brasília, reconhece as mazelas do cenário político brasileiro, mas esforça-se para mudá-lo.
Em linhas gerais, trata-se de uma iniciativa que, em vez de enfocar os desvios éticos, os procedimentos legislativos complexos e siglas por vezes enigmáticas, prefere compartilhar com a opinião pública as iniciativas benéficas dos nossos representantes. Há pouco mais de um mês morando em Brasília, Paula teve a ideia quando ainda morava no Rio, antes da mudança para a capital federal. Jornalista, ela lembrou que, antes de criar o blog, produzia perfis sobre políticos – trabalho que a colocou a par dos projetos elaborados pelas excelências.
“A gente nunca faz nada elogiando ninguém, mesmo que a gente acredite que aquilo é uma coisa legal. Jornal sempre destaca as coisas ruins, até porque isso faz parte do nosso trabalho. Então eu pensei: por que não criar no blog um espaço para divulgar projetos legais, com os políticos que eu considero pessoas que têm um trabalho legal? Enfim, o blog surgiu para tentar estimular essas boas ações”, explica Paula, descrevendo propósito semelhante ao do Prêmio Congresso em Foco, promovido por este site. Na sua edição deste ano, o Prêmio Congresso em Foco tem como tema a construção da democracia, enfatizando que não basta criticar: a melhoria do país é uma construção de todos nós, cobrando, fiscalizando, escolhendo nossos representantes. O Prêmio Congresso em Foco distingue, a cada ano, os deputados e senadores que mais se destacaram na atividade legislativa. E, aliás, foi uma das inspirações para a iniciativa de Paula.
Tudo sobre o Prêmio Congresso em Foco
Boas novas
Para usar uma metáfora que enfatiza a riqueza de ideias, o blog pode ser visto como um garimpo de boas proposições parlamentares. Além das iniciativas legislativas que valem ouro, também há materiais e vídeos sobre temas em voga, como a reforma política, o Código Florestal e a Emenda 29, que aumenta os percentuais de gastos com a saúde – aqui, Paula promove a reflexão: “A Emenda 29 é a solução para o caos na saúde?”.
Pode ser conferido entre os posts mais recentes um vídeo em que o deputado Reguffe (PDT-DF) defende o voto distrital. Em outro filmete, a ex-ministra do Meio Ambiente Marina Silva e os senadores Randolfe Rodrigues (Psol-AP) e Lindbergh Farias (PT-RJ) aparecem perfilados posicionando-se contra o texto aprovado na Câmara sobre o Código Florestal. A propósito, entre os projetos “do bem” está um apresentado em 2007 pelo senador Cristovam Buarque (PDT-DF) que, em resumo, determina a matrícula de filhos de políticos em escolas pública. Seria uma maneira, avalia o parlamentar, de promover a valorização do ensino público.
Criado há cinco meses, o blog cresce em um instante de engajamento dos jovens contra a corrupção, em que se destaca a marcha que levou milhares de manifestantes ao desfile de 7 de Setembro. Ou seja, novos ares por uma nova política. É como explica a própria autora, na seção “quem sou” localizada no canto direito superior do blog. “Sou otimista antes de tudo.”
Notícia boa
Paula não é a única na internet na busca por notícias positivas. O recém-criado site “Só Notícia Boa”, segue na mesma linha. A ideia é ir na contramão da enxurrada de tragédias e denúncias que enchem as páginas dos jornais. No site, não há apenas assuntos de política. Ontem (20), por exemplo, o site informava que as células-tronco do leite materno poderão ajudar no combate ao Mal de Parkinson e à diabetes. Dizia ainda que 70% dos brasileiros acreditam que seus filhos terão uma vida melhor. E que a Universidade de São Paulo (USP) está entre as 200 melhores universidades do mundo.
Responsável pelo site, o jornalista Rinaldo Oliveira é âncora nos telejornais da TV Bandeirantes. “Eu mesmo já estou cansado de dar notícia ruim…”, diz Rinaldo, referindo-se à sua atividade oficial na televisão. Há dois anos, Rinaldo lançou um blog em que só reproduzia notícias boas. Agora, resolveu transformá-lo em um site, que estreou no último dia 9 de outubro. O jornalista diz acreditar que, como ele, as pessoas não aguentam mais “tanta violência na cabeça”. “Essa é a resposta que eu vejo à medida que eu posto as notícias no site. As pessoas vêm com depoimentos. Sabe aquele ditado de que dinheiro atrai dinheiro? Eu acredito que notícia boa atrai notícia boa.”
Rinaldo diz que diversos motivos o levaram a dar atenção exclusiva às boas novas. Entre elas a própria profissão de jornalista, que o obriga a lidar com o mundo cão (e isso pesa na cabeça, diz), e até questões familiares – como o pai que, às voltas com depressões, piorava diante do noticiário. “Eu percebi que quanto mais ele assistia às notícias ruins na TV, programas populares etc, pior ele ficava.” Outro episódio caseiro contribuiu para a ideia do site. Rinaldo disse que um dia sua filha pré-adolescente o interpelou e disse: “Papai, não dá pra assistir ao seu [jornal]. Só tem notícia ruim”.
O mundo feliz está presente em outras manchetes: “Desmatamento na Amazônia cai 38% em agosto”; “Medida Provisória tira impostos e deixa tablets até 36% mais baratos”; “Japão: doador deixa R$ 130 mil em banheiro para vítimas do tsunami”; “Cidade de Deus cria moeda própria e alavanca a ‘economia solidária’”; e “Paris começa a alugar carros elétricos”.
Segundo Rinaldo, as pessoas “entram numa catarse” quando compartilham notícias positivas. Ele citou o exemplo de Susan Boyle, a doméstica mal-vestida que, causando estranhamento inicial na plateia, abriu o vozeirão em um concurso musical na televisão e virou celebridade inglesa do dia para a noite. Rinaldo postou no site um vídeo com história semelhante, em que um rapaz mutilado também arrebatou os espectadores de um programa de TV parecido.
“Da mesma forma que a notícia má se espalha, a notícia boa também. As pessoas gostam de notícia boa, o problema é que estão mal acostumadas. A mídia enfia notícia ruim na cara das pessoas”, lamenta o jornalista.